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terça-feira, 18 de julho de 2017

A GREVE GERAL DE 1917

Imagem:  Exibição do documentário “Libertários” e roda de conversa - Centenário da Greve Geral de 1917
(11/07/2017, UFSB - Porto Seguro/BA). Foto/Arquivo: Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.
SOBRE A GREVE GERAL DE 1917 E NOSSAS MOBILIZAÇÕES NO SEU CENTENÁRIO

        A Greve Geral, que paralisou a cidade de São Paulo em julho de 2017, é resultado do acúmulo de mais de duas décadas de lutas dos(as) trabalhadores(as). Lutas que foram urdidas no contexto da formação da classe operária no Brasil, na qual imigrantes italianos, espanhóis e portugueses - de tradição sobretudo anarquista – imprimiram forte influência. Tais lutas foram travadas em contexto de extrema exploração e violenta repressão. Durante toda a chamada Primeira República (1889-1930) a questão operária foi tratada como questão de polícia, ou, como diziam, a pata de cavalo.
         
       Os trabalhadores(as) eram submetidos(as) a padrões ilimitados de opressão: jornadas de trabalho de 16 horas; arrocho salarial; exploração intensa do trabalho feminino e infantil; condições degradantes de vida e trabalho; extrema criminalização do movimento operário. Em janeiro de 1907 foi aprovada a Lei Adolfo Gordo que determinava a expulsão do país dos estrangeiros envolvidos em greves - só naquele ano houve 132 expulsões. Seus alvos principais eram os anarquistas.

        Mesmo assim, o movimento operário se manteve combativo o tempo todo. Momento importante de sua trajetória foi o 1º de maio de 1907: a Federação Operária de São Paulo (FOSP) convocou greve com a reivindicação da jornada de 8 horas de trabalho. Os metalúrgicos da Cia Lidgerwood foram os primeiros a atender à convocação (4 de maio); em seguida várias outras categorias aderiram. Houve violenta repressão, fechamento da FOSP e várias prisões (14 de maio), mas algumas categorias permaneceram em greve até o mês de junho. Foi também emblemático o 1º de maio de 1912 organizado pelos anarquistas e socialistas do Comitê de Agitação Contra Carestia de Vida, que desencadeou outro importante movimento grevista: os(as) trabalhadores(as) em calçados da fábrica Clark conquistaram, então, aumento de salário e jornada de 8 horas.

       Cinco anos depois, em julho de 1917, os(as) trabalhadores(as) paulistanos(as) desencadearam a Greve Geral que paralisou absolutamente todas as atividades industriais, comerciais, serviços, transportes, iluminação, correios, diversão. Do dia 9 ao dia 16 de julho de 1917, a maior cidade do país tornou-se palco de experiência inédita pela sua radicalidade, pela sua amplitude, pelo fato de ter angariado o apoio de grande parte da sociedade e da imprensa, pela enorme repercussão alcançada em todo o estado de São Paulo e no território nacional. Enfim, pela sua eficácia: foi uma greve vitoriosa. Todo o processo de mobilização vinha sendo construído desde maio/1917, quando foi desencadeada greve pelos(as) trabalhadores(as) têxteis do Cotonífero Crespi. O movimento ganhou força, logo outas categorias também pararam. Em 9 de julho, foi criado o Comitê de Defesa Proletária(CDP), porta-voz das categorias em greve e de todas as associações e núcleos operários e comissões de grevistas de São Paulo. O protagonismo dos anarquistas e, em menor medida, de outros socialistas, caracteriza o movimento. São os princípios libertários que refletem a singularidade da luta: horizontalidade, autonomia, independência e intransigência em relação à repressão, aos patrões e à institucionalidade.

        A ação direta, combinada com intensa prática de agitação e propaganda, consolidou a radicalidade da luta. A principal estratégia da ação direta para os anarquistas, então, era a construção da Greve Geral. Ação direta entendida como autonomia dos trabalhadores para tomar suas próprias decisões. O proletariado só poderia se libertar através de sua própria ação em oposição a ilusões parlamentaristas e representações partidárias institucionalizadas: emancipação só poderia ser autoemancipação. Isto foi levado às máximas consequências na Greve Geral de 1917 tanto nos confrontos com o patronato e a repressão quanto nas instâncias decisórias, onde o princípio era a horizontalidade e a autonomia – não havia burocracias sindicais ou partidárias para congelar o processo. As palavras de ordem eram: o direito à vida e à dignidade humana, só concretizado no princípio da autoemancipação; e a solidariedade proletária cujo significado era a adesão à luta.

        No dia 09 de julho de 1917, as forças repressivas assassinaram o jovem sapateiro espanhol José Ineguez Martinez (21 anos), abatido a tiros por um soldado do 1º Batalhão, Norberto Araújo. Em 11 de julho, São Paulo em peso participou da grande manifestação do enterro que marcou para sempre a história do movimento operário no Brasil: homens, mulheres e crianças portando bandeiras vermelhas e negras – mulheres à frente – ocuparam toda a cidade. O movimento grevista atingiu novo patamar. Os discursos no funeral exigiam a libertação dos grevistas presos; a reabertura das duas entidades fechadas na antevéspera (a Liga Operária da Móoca e a Escola Nova); liberdade de organização; aumento salarial e fim da carestia. Destaca-se aí a figura de Edgard Leuenroth, do jornal A Plebe e membro do CDP.

José Ineguez Martinez: Presente!
        Importante destacar o protagonismo das mulheres na luta e a pungência da imprensa anarquista, que produziu vários jornais nas três línguas mais faladas no movimento (português, espanhol e italiano) – o proletariado é internacional: A Plebe, que continuou a ser publicado até a década de 1950; La Bataglia, La Guerra Sociale, La Barricatta, Avanti (este, socialista), entre outros. José Martinez foi enterrado no Cemitério de Araçá.

        Em 12 de julho foi declarada a greve geral total com mais de 100 mil trabalhadores(as) em luta! Foi anunciada a pauta unificada de reivindicações:

- libertação de todos os grevistas presos;
- garantia de que nenhum grevista seria demitido;
- liberdade de reunião, manifestação e associação;
- abolição do trabalho para menores de 14 anos;
- proibição de trabalho noturno para mulheres e menores de 18 anos;
- aumento de 35% (salários menores), 25% (salários maiores) e 50% para as horas extras;
- garantia de trabalho permanente;
- pagamento pontual a cada 15 dias e, no máximo, 5 dias após o vencimento;
- jornada diária de 8 horas de trabalho e semana inglesa;
- diminuição dos preços dos gêneros de primeira necessidade e dos aluguéis.

        O dia 13 de julho de 1917, sexta-feira, foi o mais sangrento de todos.  Em nome da indefectível manutenção da ordem pública – brandida até hoje contra as lutas dos(as) trabalhadores(as) e do povo – as forças repressivas militarizaram a cidade. Sete mil homens da polícia paulista e das tropas federais concentraram-se em São Paulo. Também a Marinha participou da repressão à greve: o cruzador Reppública e o destroier Matto Grosso foram encaminhados ao porto de Santos. Foram feitas mais duas vítimas fatais: o pedreiro Nicola Salerno (28 anos) e a menina Eduarda Bina (12 anos), atingida por bala perdida(?) - tal como Maria Eduarda da Conceição (13 anos) morta por três balas da PM fluminense em Acari, Rio de Janeiro, quase cem anos depois (30/03/2017). No grande comício da Praça da Sé os(as) trabalhadores(as) reafirmam sua pauta de reivindicações e sua disposição de luta. O movimento conquista duas de suas reivindicações: aumento salarial e readmissão dos grevistas. Ainda neste dia foram proibidos os comícios em praça pública.

         Os(as) trabalhadores(as) em greve não aceitaram dialogar com os patrões, muito menos com a repressão: constituiu-se uma Comissão de Imprensa formada por jornalistas para que fosse encetado o processo de negociação. A Comissão de Imprensa transmitiu a proposta patronal: aumento salarial de 20%; direito de associação; readmissão dos grevistas; pagamento em dia. O comício de 14 de julho, chamado para a sede da Liga Operária da Móoca, mas realizado no Prado da Móoca, foi decidida a manutenção da greve até que todas as reivindicações fossem atendidas.

        No dia 15 de julho, foram atendidas as outras reivindicações – algumas em parte. A 16 de julho, em três grandes assembleias/comícios, os(as) trabalhadores(as) deliberaram o término da greve nos estabelecimentos que se comprometeram a respeitar a pauta acertada e continuidade da greve naqueles que não o fizeram.

        A Greve Geral foi vitoriosa. Na avaliação dos libertários houve importantes – embora relativos – ganhos materiais, mas o que importou mesmo foram os ganhos morais. O principal deles é que a classe operária adquiriu consciência de si. A luta operária ganhou visibilidade e superou na prática e estreiteza patronal e institucional que a considerava exclusivamente questão de polícia. A consciência de classe foi a maior conquista, tornada possível pela concretização do princípio da ação direta.  É este o grande legado da Greve Geral de 1917: radicalidade, horizontalidade, autonomia, construção da autoemancipação – instrumentos eficazes contra os patrões e a repressão e antídotos seguros contra o burocratismo, o oportunismo, o verticalismo, os desvios parlamentaristas e eleitoreiros que estão sempre a rondar o movimento operário e popular.

        Nós, do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, organizamos duas atividades de militância sobre o centenário da maior greve geral no Brasil. Uma aconteceu em nosso espaço/sede, em Belo Horizonte, e a outra, em Porto Seguro/Bahia.

        Em Belo Horizonte, foi realizado o VIIIº Maio de Resistência!  na segunda-feira, dia 29/05/2017. Esta edição teve como tema o Centenário da Greve Geral de 1917. Foram exibidos os seguintes documentários:

- Libertários (Lauro Escorel Filho, 1976, Brasil, 29min.)
- Deu n'A Plebe – A Greve Geral Anarchista de 1917 (Fernando Puccini e João Ricardo, 2007, Brasil, 17 min.).

        Em Porto Seguro/Bahia, foi realizada a exibição do documentário Libertários, com a mesma temática. Aconteceu na Sala Arraial d' Ajuda 01 - UFSB - Campus Sosígenes Costa. Houve duas sessões que contaram com a presença de estudantes e trabalhadores(as) da educação.

        Após a exibição dos documentários, em Belo Horizonte e Porto Seguro, houve rodas de conversas e debates focados na greve de 1917, nas lutas, no repúdio às retiradas de direitos sociais e humanos da classe trabalhadora, no repúdio às retrógradas reformas trabalhista e previdenciária. Temas que envolvem História, Memória, Verdade e Justiça, as violações dos Direitos Humanos, a repressão e o terrorismo de Estado e do capital. O que foi a Greve Geral de 1917 e o que são as propostas de Greve Geral hoje.

        Frequentamos, neste ano, as mobilizações de greve geral de 2017. Fizemos um balanço em nosso coletivo sobre o que foram as greves de 1917 e de 2017. Percebemos, obviamente, grande diferença no que se refere à questão de independência e autoemancipação da classe trabalhadora. Grande parte dos presentes parece não valorizar instâncias independentes que vêm de baixo ou que estão à margem. Percebemos que há uma grande valorização dos setores institucionalizados, atrelados, construídos por cima pelas instâncias de poder. Muitos acreditam que a militância deve priorizar o eleitoralismo e as disputas do parlamentarismo estudantil e sindical. Acabam por criminalizar a militância independente e se submetem ao reboquismo da burocracia sindical aparelhada.

VIVA A LUTA INDEPENDENTE DA CLASSE TRABALHADORA!
2017: Centenário da Greve Geral no Brasil!

Belo Horizonte, dia 18 de julho de 2017
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania

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