quarta-feira, 21 de outubro de 2009

HELENA GRECO - PEQUENA BIOGRAFIA


 ★SOBRE HELENA GRECO (15/06/1916 – 27/07/2011)
Pequena biografia
A nossa cidadania depende diretamente da nossa capacidade de indignação. Esta, 
por sua vez, só se concretiza a partir do exercício permanente da perplexidade. 
Helena Greco
Helena Greco nasceu em Abaeté, cidade do oeste de Minas, a 15 de junho de 1916, de pai italiano (Antônio Greco) e mãe mineira (Josefina Álvares Greco). Sua primeira transgressão foi a leitura dos clássicos quando ainda vigorava o index librorum proibitorum. Adquiriu formação humanista e se manteve agnóstica em pleno internato dominicano, em Belo Horizonte. Adorava recitar Augusto dos Anjos, um dos seus poetas preferidos. Este gosto pela poesia e pelos clássicos ela carregou a vida inteira, juntamente com uma cinefilia exacerbada. Talvez estas tenham sido fontes onde ela hauriu para depois desenvolver a peculiar capacidade de indignação, sua característica mais marcante.
Era farmacêutica de formação, militava no seu sindicato. No Conselho Regional de Farmácia há uma sala com o seu nome. Foi casada durante 64 anos com o saudoso Dr. José Bartolomeu Greco (falecido a 6 de janeiro de 2002), seu companheiro da vida inteira. Teve três filhos, três netos e dois bisnetos – o mais novo não chegou a conhecer.
Começou a militar aos 61 anos de idade, em 1977, e não parou mais. Sua participação nos movimentos sociais - reconhecida nacional e internacionalmente - tem como marco a luta pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita, da qual ela se tornou praticamente sinônimo. Foi presidente e uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia de Minas Gerais (MFPA/MG - 1977) e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Anistia de Minas Gerais (CBA/MG - 1978). Ajudou a construir e foi membro do Comitê Executivo Nacional/CEN destas entidades. Foi a representante do Brasil – eleita por aclamação - na Conferência Internacional pela Anistia no Brasil em Roma, em junho-julho/1979.
Todos a chamavam de D. Helena. Ela imprimiu a sua atitude de radicalidade e politização em toda a sua história de militância, sempre a partir da combinação luta contra a ditadura militar/ luta feminista. Eram notáveis sua capacidade de indignação e adesão permanente às causas da classe trabalhadora e do movimento popular.
Tornou-se inimiga pública da ditadura, dos militares, das polícias, dos grupos de extermínio, dos grupos parapoliciais e paramilitares e do aparato midiático. Seu foco principal era a luta pelo desmantelamento do aparato repressivo – portanto, pela erradicação da tortura e pela punição dos torturadores. Durante a ditadura, sua casa e a sede do MFPA e do CBA foram alvos de atentados a bomba do Comando da Caça aos Comunistas (CCC), do Grupo Anticomunista (GAC) e do Movimento Anticomunista (MAC). Teve o telefone grampeado, a vida monitorada, a correspondência violada. Recebia constantes ameaças e provocações do aparato repressivo e dos grupos de extrema direita.
No final da década de 1970, em plena ditadura, ela retomou, em Belo Horizonte, as manifestações públicas do Dia Internacional da Mulher (8 de março). Tal retomada se deu na perspectiva da luta pela superação da discriminação, do preconceito, da violência, da brutal desigualdade de gênero – sistêmica nesta sociedade tão arraigadamente patriarcal e machista, tão exploradora e opressora. A partir de 1978, firmou a realização anual de manifestações no Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 dezembro) no bojo da luta contra a ditadura militar.
Sua luta contra a ditadura se desdobrou na luta contra todas as formas de opressão cujo lado afirmativo é a construção do binômio Direitos Humanos e Cidadania. Entendia esta como uma luta contra hegemônica para a construção de uma nova sociedade, sem exploradores e explorados – a sociedade socialista. Além de sua militância feminista, apoiou ativamente o movimento negro, a luta dos povos indígenas, participou da luta antiprisional, da luta antimanicomial, do movimento LGBTs, do movimento dos sem terra e sem teto, do movimento de população de rua, do movimento das vilas e favelas, das ocupações, das lutas dos estudantes e dos trabalhadores, do movimento das rádios e TVs comunitárias e da defesa do povo palestino. 
Por causa deste repertório de lutas, D. Helena se elegeu duas vezes para a Câmara Municipal de Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores, do qual foi uma das fundadoras. Foi vereadora de 1983 a 1992. Mesmo no espaço instituído, ela sempre atuou na perspectiva do instituinte, da amplificação da política. Sua militância partidária se deu no marco – hoje drasticamente aniquilado - de um partido independente, classista e socialista: sem pelego e sem patrão, como se propunha à época da sua fundação. D. Helena criticou e combateu sistematicamente o burocratismo, o centralismo, o autoritarismo, o gabinetismo e o peleguismo da tendência majoritária. Tais desvios, que hoje prosperam sem limites no PT, então já começavam a despontar.
No espaço eminentemente reacionário da Câmara Municipal, ela conseguiu, em 1983, fazer aprovar a Comissão Permanente de Direitos Humanos – a primeira do Brasil - cujo programa político se bifurcava na luta contra a repressão, a opressão, a exploração dos trabalhadores e do povo e na luta contra a discriminação e desigualdade de gênero. Tudo isto ainda durante a ditadura militar. Efetivou, em conjunto com o vereador Artur Vianna, a mudança do nome da Rua Dan Mitrione para Rua José Carlos da Matta Machado, no Bairro das Indústrias. Dan Mitrione era um agente da CIA que morou em Belo Horizonte, tendo vindo ao Brasil para dar aulas de tortura aos agentes da ditadura. José Carlos da Matta Machado era estudante de direito da UFMG. Militou no movimento estudantil e na Ação Popular Marxista Leninista/APML. Foi assassinado sob tortura, em 28 de outubro de 1973. 
Foi também D. Helena que idealizou, em 1993, o primeiro órgão na esfera do poder executivo, no Brasil, voltado exclusivamente para a questão dos direitos humanos - a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte (CDHC) - da qual foi coordenadora até 1996. Estabeleceu como prática a articulação com as comunidades, os trabalhadores e o movimento popular. Na CDHC, ela efetivou a Comissão Paritária de Mulheres (10/dezembro/1993), que deu origem ao Conselho Municipal da Mulher, garantindo o protagonismo dos movimentos feministas da cidade nesta instância. Trouxe uma delegação das Mães da Praça de Maio (Argentina) pela primeira vez a Belo Horizonte. A Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania se tornou referência para várias outras, criadas Brasil adentro e afora. 
Para D. Helena, no entanto, o espaço prioritário de atuação sempre foi o chão da cidade não a estreiteza do espaço institucional. Ao encerrar seu mandato na CDHC, em 1996, ela atuou exclusivamente neste lugar que é o espaço por excelência da luta de classes e da democracia direta.
Foi uma das fundadoras do Movimento Tortura Nunca Mais/MG, em 1985. Em 1987, no bojo da luta pelo reatamento das relações diplomáticas Brasil-Cuba, foi uma das fundadoras da Associação Cultural José Marti de Minas Gerais e sua primeira presidente. Foi ela que assinou, em Cuba, o convênio com o Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP). 
Sob a sua coordenação, em fevereiro de 1991, o Movimento Tortura Nunca Mais/MG encaminhou ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) lista de 12 médicos legistas que atuaram no estado de 1964 a 1979. Esta lista é resultado de denúncia de presos políticos cujos processos tramitaram no Superior Tribunal Militar (STM) e está contida no Projeto Brasil Nunca Mais (Arquidiocese de São Paulo, 1985). Trata-se de médicos que assinaram laudos de militantes assassinados nos cárceres após violentas torturas. O objetivo do Movimento Tortura Nunca Mais/MG era a abertura de sindicância para averiguação da responsabilidade destes profissionais na assinatura de laudos falsos e o seu comprometimento com a repressão e a tortura durante a ditadura militar. A iniciativa do Tortura Nunca Mais/MG estava inserida em processo de âmbito nacional desencadeado pela descoberta das ossadas de desaparecidos políticos na vala clandestina do cemitério D. Bosco (Perus/SP), em 1991. Processos semelhantes foram movidos em São Paulo e no Rio de Janeiro sob a responsabilidade da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. No Rio e em São Paulo, os processos tiveram certo resultado: alguns médicos-torturadores chegaram a perder o registro profissional. Em Minas Gerais, ao contrário, fazendo jus ao reacionarismo e corporativismo que lhe são peculiares, o CRM-MG engavetou o processo. Na sequência, duas das médicas citadas entraram com duas ações criminais contra D. Helena, que foi parar no banco dos réus. Absolvida em primeira instância, foi condenada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por calúnia e difamação, a um ano, em regime aberto – o que causou enorme comoção local e nacional. Este episódio evidencia a drástica inversão de valores no país da barbárie institucional.
Também em 1991, ela denunciou a chamada Operação Arrastão. Trata-se de ação conjunta das polícias civil e militar do governo Hélio Garcia (PRS): no dia 22 de agosto de 1991, mais de 500 crianças e adolescentes com trajetória de rua foram caçadas, espancadas e presas. Belo horizonte foi transformada em praça de guerra - o Estatuto da Criança e do Adolescente mal tinha completado um ano.
Em 1995, D. Helena participou da construção e foi uma das coordenadoras do Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte (Movimento popular, sindical e de Direitos Humanos), o qual articulava cerca de 30 movimentos sociais. Ainda em maio de 1995 recebeu a medalha Chico Mendes de Resistência oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, a qual era motivo do maior orgulho e da maior alegria para ela. Participou como jurada do Tribunal Nacional Contra o Trabalho Infantil (Brasília, 11/outubro/1995), sessão preparatória do Tribunal Internacional Independente Contra o Trabalho Infantil no México (março/1996). Em 1996, ela ajudou a construir e participou da Associação de Apoio e Defesa às Vítimas da Violência Policial (AADVIP). 
D. Helena repudiou com veemência as chacinas periódicas da década de 1990. Atuou diretamente na denúncia da Chacina do Taquaril (15/março/1996), na qual foram assassinados, com requintes de crueldade, Gilmar Ferreira de França (14 anos), Jamil Martins Romão (15 anos) e Júnior Sandro Marques Morais (16 anos) na região central de Belo Horizonte. Os três garotos moravam no Taquaril, bairro pobre da zona leste da cidade. Eles foram trucidados por um grupo de extermínio composto por policiais civis autodenominado Grupo Reação. O caso não foi solucionado. 
No dia 17 de junho de 1996, por iniciativa de D. Helena, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania e o Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte realizaram, na Praça Afonso Arinos, oTribunal Popular: as chacinas em julgamento. Seu objeto é constituído pelas 8 chacinas da década de 1990: Acari/Rio de Janeiro (julho/1990), Carandiru/São Paulo (outubro/1992), Candelária/Rio de Janeiro (julho/1993), Vigário Geral/Rio de Janeiro (agosto/1993), Ianomami/Roraima (agosto/1993), Corumbiara/Rondônia (agosto/1995), Taquaril/Minas Gerais (março/1996), Eldorado de Carajás/Pará (abril/1996). Participaram como testemunhas sobreviventes e familiares das vítimas das chacinas. Neste Juri Popular o Estado brasileiro foi condenado em praça pública, por unanimidade. Mais de 600 pessoas estiveram presentes. A seguir, um trecho expressivo do panfleto de convocação:
“(...) A periodicidade assustadoramente regular das chacinas qualifica o Brasil como o país da carnificina. O que está na base desse quadro é a cultura do extermínio e da impunidade. Todos sabemos que o grande responsável pela violência no campo é o latifúndio. Os governos estaduais e o governo federal são os grandes cúmplices. A violência policial é a projeção direta da violência do Estado. Não dá mais para viver com ela. (...)”.
Ao longo de toda a sua trajetória, D. Helena aprofundou a luta contra a violência policial e institucional e pelo direito à memória, à verdade e à justiça. Para ela, como o contencioso da ditadura não havia sido sequer equacionado, os pontos programáticos da luta pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita continuavam valendo: a erradicação da tortura; o esclarecimento circunstanciado dos crimes da ditadura militar; a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos; a nomeação, responsabilização e punição dos torturadores e assassinos de presos políticos, bem como daqueles que perpetram os mesmos crimes contra a humanidade na atualidade; o desmantelamento do aparato repressivo. D. Helena Greco tornou-se referência de luta contra a tortura - que continua a ser uma das instituições mais sólidas no Brasil -, contra a opressão das mulheres, contra a criminalização dos pobres e dos movimentos sociais, contra o encarceramento em massa, contra o genocídio do povo negro e das populações indígenas.
A partir de 2002, D. Helena passa a ressentir o peso dos seus 86 anos e se retira da militância cotidiana. Digamos que aí começa o repouso da guerreira. Seu legado, no entanto, estava muito forte, muito recente, muito presente. Em 2003, um grupo de companheiras e companheiros que lutaram com ela ombro a ombro nesta difícil frente da luta pelos direitos humanos – muitos deles no Movimento Tortura Nunca Mais/MG – tomaram a iniciativa de construir o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania (IHG – BH/MG). Este se reunia – em 2003 e 2004 – na Casa do Jornalista de Minas Gerais. A partir de 2005, o Instituto Helena Greco passa a ter sede própria no bairro de Santa Tereza em Belo Horizonte (Rua Hermilo Alves, 290). Trata-se de espaço e movimento social apartidário. É autogestionário, autônomo e independente com relação ao Estado, aos governos, às empresas, aos editais, aos gabinetes e à institucionalidade. O espaço e o movimento contam com a militância de membros, apoiadores e visitantes. Sua militância se dá na luta por memória, verdade e justiça – contra o contencioso da ditadura militar – e na luta contra o terrorismo de Estado e do capital. Trata-se, portanto, da continuidade e aprofundamento da luta de D. Helena Greco e do Movimento Tortura Nunca Mais/MG.
D. Helena faleceu em 27 de julho de 2011, aos 95 anos de idade. Seu enterro tornou-se um grande ato público repleto de movimentos sociais. Vários companheiros e companheiras levantaram a proposta de mudar o nome do então Viaduto Castelo Branco – que fica na região central de Belo Horizonte - para Viaduto Dona Helena Greco.Houve outro ato público em sua homenagem na Igreja São José (02/agosto/2011), local escolhido pelos familiares porque suas escadarias foram o palco de manifestações contra a ditadura. 
A casa de D. Helena Greco (Barro Preto, Belo Horizonte) tornou-se um lugar de memória da luta contra a ditadura. Além de ter sido alvo de atentados do aparato repressivo, como já foi dito, era também local de reuniões do movimento pela anistia e de acolhimento de perseguidos políticos. Além disso, D. Helena abria a sua casa todos os domingos para servir sua macarronada especial. Estes almoços se tornaram espaço para encontros e reuniões políticas. Depois da morte de D. Helena, o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – com o apoio de entidades – realizou, na Semana Internacional dos Direitos Humanos, o ato público Casa de D. Helena Greco: espaço de resistência (17/dezembro/2011). Em tributo aos mortos e desaparecidos políticos e à D. Helena Greco, houve uma jornada de militância: debates sobre direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça e sobreocupações e lutas urbanas; exibição de documentário; performances, recitais de poesia, concerto com músicas eruditas e canções revolucionárias, bandas underground e manifestações de movimentos sociais. Foi servida a famosa macarronada da D. Helena. Na fachada da casa, foi instalada placa com os dizeres: 
Casa de Dona Helena Greco:
Espaço de Resistência
Helena Greco (1916/2011) lutou contra 
a ditadura militar e contra todas as formas 
de autoritarismo, exploração e opressão.
A proposta de mudança do nome do Viaduto Castelo Branco para D. Helena Greco prosperou. No dia 1º de abril de 2014 – 50 anos do golpe militar -, em ato da Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça de Minas Gerais, foi feita a renomeação popular através de um ato público no viaduto: “Manifestação em repúdio ao golpe de 1964 – 50 anos! abaixo a ditadura!”. Centenas de manifestantes – familiares de mortos e desaparecidos, presos políticos durante a ditadura, trabalhadores, estudantes, movimentos sociais – exigiram a mudança do nome, protestaram e prestaram homenagens aos mortos e desaparecidos políticos. Houve a ocupação das pistas do viaduto. O viaduto passou a se chamar D. Helena Greco. Após este ato público e sob muita pressão a nomeação foi oficializada no dia 02 de maio de 2014.
Desde o seu falecimento, D. Helena Greco tem sido lembrada e homenageada das mais diversas formas como referência de combatividade, radicalidade e capacidade de indignação. Na última entrevista que deu, aos 90 anos (2006), na gravação do documentário Arquivos imperfeitos, de Sávio Leite, ao ser perguntada como se caracterizaria politicamente, ela não titubeou: “Sou feminista radical, socialista, de extrema esquerda”. A última aparição pública de D. Helena – já com dificuldade de locomoção - foi no dia 7 de maio de 2007, no ato Desarquivando o Brasil – homenagem às vítimas da ditadura militar e coleta de material genético de familiares de desaparecidos políticos. O ato foi convocado pelo Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania e o Movimento Tortura Nunca Mais/MG. 
Dona Helena Greco vive, hoje e sempre, em todas as nossas lutas. É a nossa referência de defesa dos direitos humanos.
Companheira Helena Greco: presente!
Belo Horizonte, junho de 2016 – Centenário Helena Greco 

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania

HELENA GRECO/BIOGRAFIA


SOBRE HELENA GRECO (15/06/1916 – 27/07/2011)
Pequena biografia
A nossa cidadania depende diretamente da nossa capacidade de indignação. Esta, 
por sua vez, só se concretiza a partir do exercício permanente da perplexidade. 
Helena Greco
Helena Greco nasceu em Abaeté, cidade do oeste de Minas, a 15 de junho de 1916, de pai italiano (Antônio Greco) e mãe mineira (Josefina Álvares Greco). Sua primeira transgressão foi a leitura dos clássicos quando ainda vigorava o index librorum proibitorum. Adquiriu formação humanista e se manteve agnóstica em pleno internato dominicano, em Belo Horizonte. Adorava recitar Augusto dos Anjos, um dos seus poetas preferidos. Este gosto pela poesia e pelos clássicos ela carregou a vida inteira, juntamente com uma cinefilia exacerbada. Talvez estas tenham sido fontes onde ela hauriu para depois desenvolver a peculiar capacidade de indignação, sua característica mais marcante.
Era farmacêutica de formação, militava no seu sindicato. No Conselho Regional de Farmácia há uma sala com o seu nome. Foi casada durante 64 anos com o saudoso Dr. José Bartolomeu Greco (falecido a 6 de janeiro de 2002), seu companheiro da vida inteira. Teve três filhos, três netos e dois bisnetos – o mais novo não chegou a conhecer.
Começou a militar aos 61 anos de idade, em 1977, e não parou mais. Sua participação nos movimentos sociais - reconhecida nacional e internacionalmente - tem como marco a luta pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita, da qual ela se tornou praticamente sinônimo. Foi presidente e uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia de Minas Gerais (MFPA/MG - 1977) e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Anistia de Minas Gerais (CBA/MG - 1978). Ajudou a construir e foi membro do Comitê Executivo Nacional/CEN destas entidades. Foi a representante do Brasil – eleita por aclamação - na Conferência Internacional pela Anistia no Brasil em Roma, em junho-julho/1979.
Todos a chamavam de D. Helena. Ela imprimiu a sua atitude de radicalidade e politização em toda a sua história de militância, sempre a partir da combinação luta contra a ditadura militar/ luta feminista. Eram notáveis sua capacidade de indignação e adesão permanente às causas da classe trabalhadora e do movimento popular.
Tornou-se inimiga pública da ditadura, dos militares, das polícias, dos grupos de extermínio, dos grupos parapoliciais e paramilitares e do aparato midiático. Seu foco principal era a luta pelo desmantelamento do aparato repressivo – portanto, pela erradicação da tortura e pela punição dos torturadores. Durante a ditadura, sua casa e a sede do MFPA e do CBA foram alvos de atentados a bomba do Comando da Caça aos Comunistas (CCC), do Grupo Anticomunista (GAC) e do Movimento Anticomunista (MAC). Teve o telefone grampeado, a vida monitorada, a correspondência violada. Recebia constantes ameaças e provocações do aparato repressivo e dos grupos de extrema direita.
No final da década de 1970, em plena ditadura, ela retomou, em Belo Horizonte, as manifestações públicas do Dia Internacional da Mulher (8 de março). Tal retomada se deu na perspectiva da luta pela superação da discriminação, do preconceito, da violência, da brutal desigualdade de gênero – sistêmica nesta sociedade tão arraigadamente patriarcal e machista, tão exploradora e opressora. A partir de 1978, firmou a realização anual de manifestações no Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 dezembro) no bojo da luta contra a ditadura militar.
Sua luta contra a ditadura se desdobrou na luta contra todas as formas de opressão cujo lado afirmativo é a construção do binômio Direitos Humanos e Cidadania. Entendia esta como uma luta contra hegemônica para a construção de uma nova sociedade, sem exploradores e explorados – a sociedade socialista. Além de sua militância feminista, apoiou ativamente o movimento negro, a luta dos povos indígenas, participou da luta antiprisional, da luta antimanicomial, do movimento LGBTs, do movimento dos sem terra e sem teto, do movimento de população de rua, do movimento das vilas e favelas, das ocupações, das lutas dos estudantes e dos trabalhadores, do movimento das rádios e TVs comunitárias e da defesa do povo palestino. 
Por causa deste repertório de lutas, D. Helena se elegeu duas vezes para a Câmara Municipal de Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores, do qual foi uma das fundadoras. Foi vereadora de 1983 a 1992. Mesmo no espaço instituído, ela sempre atuou na perspectiva do instituinte, da amplificação da política. Sua militância partidária se deu no marco – hoje drasticamente aniquilado - de um partido independente, classista e socialista: sem pelego e sem patrão, como se propunha à época da sua fundação. D. Helena criticou e combateu sistematicamente o burocratismo, o centralismo, o autoritarismo, o gabinetismo e o peleguismo da tendência majoritária. Tais desvios, que hoje prosperam sem limites no PT, então já começavam a despontar.
No espaço eminentemente reacionário da Câmara Municipal, ela conseguiu, em 1983, fazer aprovar a Comissão Permanente de Direitos Humanos – a primeira do Brasil - cujo programa político se bifurcava na luta contra a repressão, a opressão, a exploração dos trabalhadores e do povo e na luta contra a discriminação e desigualdade de gênero. Tudo isto ainda durante a ditadura militar. Efetivou, em conjunto com o vereador Artur Vianna, a mudança do nome da Rua Dan Mitrione para Rua José Carlos da Matta Machado, no Bairro das Indústrias. Dan Mitrione era um agente da CIA que morou em Belo Horizonte, tendo vindo ao Brasil para dar aulas de tortura aos agentes da ditadura. José Carlos da Matta Machado era estudante de direito da UFMG. Militou no movimento estudantil e na Ação Popular Marxista Leninista/APML. Foi assassinado sob tortura, em 28 de outubro de 1973. 
Foi também D. Helena que idealizou, em 1993, o primeiro órgão na esfera do poder executivo, no Brasil, voltado exclusivamente para a questão dos direitos humanos - a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte (CDHC) - da qual foi coordenadora até 1996. Estabeleceu como prática a articulação com as comunidades, os trabalhadores e o movimento popular. Na CDHC, ela efetivou a Comissão Paritária de Mulheres (10/dezembro/1993), que deu origem ao Conselho Municipal da Mulher, garantindo o protagonismo dos movimentos feministas da cidade nesta instância. Trouxe uma delegação das Mães da Praça de Maio (Argentina) pela primeira vez a Belo Horizonte. A Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania se tornou referência para várias outras, criadas Brasil adentro e afora. 
Para D. Helena, no entanto, o espaço prioritário de atuação sempre foi o chão da cidade não a estreiteza do espaço institucional. Ao encerrar seu mandato na CDHC, em 1996, ela atuou exclusivamente neste lugar que é o espaço por excelência da luta de classes e da democracia direta.
Foi uma das fundadoras do Movimento Tortura Nunca Mais/MG, em 1985. Em 1987, no bojo da luta pelo reatamento das relações diplomáticas Brasil-Cuba, foi uma das fundadoras da Associação Cultural José Marti de Minas Gerais e sua primeira presidente. Foi ela que assinou, em Cuba, o convênio com o Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP). 
Sob a sua coordenação, em fevereiro de 1991, o Movimento Tortura Nunca Mais/MG encaminhou ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) lista de 12 médicos legistas que atuaram no estado de 1964 a 1979. Esta lista é resultado de denúncia de presos políticos cujos processos tramitaram no Superior Tribunal Militar (STM) e está contida no Projeto Brasil Nunca Mais (Arquidiocese de São Paulo, 1985). Trata-se de médicos que assinaram laudos de militantes assassinados nos cárceres após violentas torturas. O objetivo do Movimento Tortura Nunca Mais/MG era a abertura de sindicância para averiguação da responsabilidade destes profissionais na assinatura de laudos falsos e o seu comprometimento com a repressão e a tortura durante a ditadura militar. A iniciativa do Tortura Nunca Mais/MG estava inserida em processo de âmbito nacional desencadeado pela descoberta das ossadas de desaparecidos políticos na vala clandestina do cemitério D. Bosco (Perus/SP), em 1991. Processos semelhantes foram movidos em São Paulo e no Rio de Janeiro sob a responsabilidade da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. No Rio e em São Paulo, os processos tiveram certo resultado: alguns médicos-torturadores chegaram a perder o registro profissional. Em Minas Gerais, ao contrário, fazendo jus ao reacionarismo e corporativismo que lhe são peculiares, o CRM-MG engavetou o processo. Na sequência, duas das médicas citadas entraram com duas ações criminais contra D. Helena, que foi parar no banco dos réus. Absolvida em primeira instância, foi condenada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por calúnia e difamação, a um ano, em regime aberto – o que causou enorme comoção local e nacional. Este episódio evidencia a drástica inversão de valores no país da barbárie institucional.
Também em 1991, ela denunciou a chamada Operação Arrastão. Trata-se de ação conjunta das polícias civil e militar do governo Hélio Garcia (PRS): no dia 22 de agosto de 1991, mais de 500 crianças e adolescentes com trajetória de rua foram caçadas, espancadas e presas. Belo horizonte foi transformada em praça de guerra - o Estatuto da Criança e do Adolescente mal tinha completado um ano.
Em 1995, D. Helena participou da construção e foi uma das coordenadoras do Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte (Movimento popular, sindical e de Direitos Humanos), o qual articulava cerca de 30 movimentos sociais. Ainda em maio de 1995 recebeu a medalha Chico Mendes de Resistência oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, a qual era motivo do maior orgulho e da maior alegria para ela. Participou como jurada do Tribunal Nacional Contra o Trabalho Infantil (Brasília, 11/outubro/1995), sessão preparatória do Tribunal Internacional Independente Contra o Trabalho Infantil no México (março/1996). Em 1996, ela ajudou a construir e participou da Associação de Apoio e Defesa às Vítimas da Violência Policial (AADVIP). 
D. Helena repudiou com veemência as chacinas periódicas da década de 1990. Atuou diretamente na denúncia da Chacina do Taquaril (15/março/1996), na qual foram assassinados, com requintes de crueldade, Gilmar Ferreira de França (14 anos), Jamil Martins Romão (15 anos) e Júnior Sandro Marques Morais (16 anos) na região central de Belo Horizonte. Os três garotos moravam no Taquaril, bairro pobre da zona leste da cidade. Eles foram trucidados por um grupo de extermínio composto por policiais civis autodenominado Grupo Reação. O caso não foi solucionado. 
No dia 17 de junho de 1996, por iniciativa de D. Helena, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania e o Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte realizaram, na Praça Afonso Arinos, oTribunal Popular: as chacinas em julgamento. Seu objeto é constituído pelas 8 chacinas da década de 1990: Acari/Rio de Janeiro (julho/1990), Carandiru/São Paulo (outubro/1992), Candelária/Rio de Janeiro (julho/1993), Vigário Geral/Rio de Janeiro (agosto/1993), Ianomami/Roraima (agosto/1993), Corumbiara/Rondônia (agosto/1995), Taquaril/Minas Gerais (março/1996), Eldorado de Carajás/Pará (abril/1996). Participaram como testemunhas sobreviventes e familiares das vítimas das chacinas. Neste Juri Popular o Estado brasileiro foi condenado em praça pública, por unanimidade. Mais de 600 pessoas estiveram presentes. A seguir, um trecho expressivo do panfleto de convocação:
“(...) A periodicidade assustadoramente regular das chacinas qualifica o Brasil como o país da carnificina. O que está na base desse quadro é a cultura do extermínio e da impunidade. Todos sabemos que o grande responsável pela violência no campo é o latifúndio. Os governos estaduais e o governo federal são os grandes cúmplices. A violência policial é a projeção direta da violência do Estado. Não dá mais para viver com ela. (...)”.
Ao longo de toda a sua trajetória, D. Helena aprofundou a luta contra a violência policial e institucional e pelo direito à memória, à verdade e à justiça. Para ela, como o contencioso da ditadura não havia sido sequer equacionado, os pontos programáticos da luta pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita continuavam valendo: a erradicação da tortura; o esclarecimento circunstanciado dos crimes da ditadura militar; a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos; a nomeação, responsabilização e punição dos torturadores e assassinos de presos políticos, bem como daqueles que perpetram os mesmos crimes contra a humanidade na atualidade; o desmantelamento do aparato repressivo. D. Helena Greco tornou-se referência de luta contra a tortura - que continua a ser uma das instituições mais sólidas no Brasil -, contra a opressão das mulheres, contra a criminalização dos pobres e dos movimentos sociais, contra o encarceramento em massa, contra o genocídio do povo negro e das populações indígenas.
A partir de 2002, D. Helena passa a ressentir o peso dos seus 86 anos e se retira da militância cotidiana. Digamos que aí começa o repouso da guerreira. Seu legado, no entanto, estava muito forte, muito recente, muito presente. Em 2003, um grupo de companheiras e companheiros que lutaram com ela ombro a ombro nesta difícil frente da luta pelos direitos humanos – muitos deles no Movimento Tortura Nunca Mais/MG – tomaram a iniciativa de construir o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania (IHG – BH/MG). Este se reunia – em 2003 e 2004 – na Casa do Jornalista de Minas Gerais. A partir de 2005, o Instituto Helena Greco passa a ter sede própria no bairro de Santa Tereza em Belo Horizonte (Rua Hermilo Alves, 290). Trata-se de espaço e movimento social apartidário. É autogestionário, autônomo e independente com relação ao Estado, aos governos, às empresas, aos editais, aos gabinetes e à institucionalidade. O espaço e o movimento contam com a militância de membros, apoiadores e visitantes. Sua militância se dá na luta por memória, verdade e justiça – contra o contencioso da ditadura militar – e na luta contra o terrorismo de Estado e do capital. Trata-se, portanto, da continuidade e aprofundamento da luta de D. Helena Greco e do Movimento Tortura Nunca Mais/MG.
D. Helena faleceu em 27 de julho de 2011, aos 95 anos de idade. Seu enterro tornou-se um grande ato público repleto de movimentos sociais. Vários companheiros e companheiras levantaram a proposta de mudar o nome do então Viaduto Castelo Branco – que fica na região central de Belo Horizonte - para Viaduto Dona Helena Greco.Houve outro ato público em sua homenagem na Igreja São José (02/agosto/2011), local escolhido pelos familiares porque suas escadarias foram o palco de manifestações contra a ditadura. 
A casa de D. Helena Greco (Barro Preto, Belo Horizonte) tornou-se um lugar de memória da luta contra a ditadura. Além de ter sido alvo de atentados do aparato repressivo, como já foi dito, era também local de reuniões do movimento pela anistia e de acolhimento de perseguidos políticos. Além disso, D. Helena abria a sua casa todos os domingos para servir sua macarronada especial. Estes almoços se tornaram espaço para encontros e reuniões políticas. Depois da morte de D. Helena, o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – com o apoio de entidades – realizou, na Semana Internacional dos Direitos Humanos, o ato público Casa de D. Helena Greco: espaço de resistência (17/dezembro/2011). Em tributo aos mortos e desaparecidos políticos e à D. Helena Greco, houve uma jornada de militância: debates sobre direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça e sobreocupações e lutas urbanas; exibição de documentário; performances, recitais de poesia, concerto com músicas eruditas e canções revolucionárias, bandas underground e manifestações de movimentos sociais. Foi servida a famosa macarronada da D. Helena. Na fachada da casa, foi instalada placa com os dizeres: 
Casa de Dona Helena Greco:
Espaço de Resistência
Helena Greco (1916/2011) lutou contra 
a ditadura militar e contra todas as formas 
de autoritarismo, exploração e opressão.
A proposta de mudança do nome do Viaduto Castelo Branco para D. Helena Greco prosperou. No dia 1º de abril de 2014 – 50 anos do golpe militar -, em ato da Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça de Minas Gerais, foi feita a renomeação popular através de um ato público no viaduto: “Manifestação em repúdio ao golpe de 1964 – 50 anos! abaixo a ditadura!”. Centenas de manifestantes – familiares de mortos e desaparecidos, presos políticos durante a ditadura, trabalhadores, estudantes, movimentos sociais – exigiram a mudança do nome, protestaram e prestaram homenagens aos mortos e desaparecidos políticos. Houve a ocupação das pistas do viaduto. O viaduto passou a se chamar D. Helena Greco. Após este ato público e sob muita pressão a nomeação foi oficializada no dia 02 de maio de 2014.
Desde o seu falecimento, D. Helena Greco tem sido lembrada e homenageada das mais diversas formas como referência de combatividade, radicalidade e capacidade de indignação. Na última entrevista que deu, aos 90 anos (2006), na gravação do documentário Arquivos imperfeitos, de Sávio Leite, ao ser perguntada como se caracterizaria politicamente, ela não titubeou: “Sou feminista radical, socialista, de extrema esquerda”. A última aparição pública de D. Helena – já com dificuldade de locomoção - foi no dia 7 de maio de 2007, no ato Desarquivando o Brasil – homenagem às vítimas da ditadura militar e coleta de material genético de familiares de desaparecidos políticos. O ato foi convocado pelo Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania e o Movimento Tortura Nunca Mais/MG. 
Dona Helena Greco vive, hoje e sempre, em todas as nossas lutas. É a nossa referência de defesa dos direitos humanos.
Companheira Helena Greco: presente!
Belo Horizonte, junho de 2016 – Centenário Helena Greco 
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania