SOBRE
A GREVE GERAL DE 1917 E
NOSSAS MOBILIZAÇÕES NO SEU CENTENÁRIO
A
Greve Geral, que paralisou a cidade de São Paulo em julho de 2017, é resultado
do acúmulo de mais de duas décadas de lutas dos(as) trabalhadores(as). Lutas
que foram urdidas no contexto da formação da classe operária no Brasil, na qual
imigrantes italianos, espanhóis e portugueses - de tradição sobretudo
anarquista – imprimiram forte influência. Tais lutas foram travadas em contexto
de extrema exploração e violenta repressão. Durante toda a chamada Primeira República (1889-1930) a questão
operária foi tratada como questão de polícia, ou, como diziam, a pata de cavalo.
Os trabalhadores(as) eram submetidos(as) a padrões ilimitados de opressão: jornadas de trabalho de 16 horas; arrocho salarial; exploração intensa do trabalho feminino e infantil; condições degradantes de vida e trabalho; extrema criminalização do movimento operário. Em janeiro de 1907 foi aprovada a Lei Adolfo Gordo que determinava a expulsão do país dos estrangeiros envolvidos em greves - só naquele ano houve 132 expulsões. Seus alvos principais eram os anarquistas.
Mesmo assim, o movimento operário se manteve
combativo o tempo todo. Momento importante de sua trajetória foi o 1º de maio
de 1907: a Federação Operária de São Paulo (FOSP) convocou greve com a
reivindicação da jornada de 8 horas de trabalho. Os metalúrgicos da Cia
Lidgerwood foram os primeiros a atender à convocação (4 de maio); em seguida
várias outras categorias aderiram. Houve violenta repressão, fechamento da FOSP
e várias prisões (14 de maio), mas algumas categorias permaneceram em greve até
o mês de junho. Foi também emblemático o 1º de maio de 1912 organizado pelos anarquistas
e socialistas do Comitê de Agitação Contra Carestia de Vida, que desencadeou outro
importante movimento grevista: os(as) trabalhadores(as) em calçados da fábrica
Clark conquistaram, então, aumento de salário e jornada de 8 horas.
Cinco
anos depois, em julho de 1917, os(as) trabalhadores(as) paulistanos(as)
desencadearam a Greve Geral que paralisou absolutamente todas as atividades
industriais, comerciais, serviços, transportes, iluminação, correios, diversão.
Do dia 9 ao dia 16 de julho de 1917, a maior cidade do país tornou-se palco de
experiência inédita pela sua radicalidade, pela sua amplitude, pelo fato de ter
angariado o apoio de grande parte da sociedade e da imprensa, pela enorme
repercussão alcançada em todo o estado de São Paulo e no território nacional.
Enfim, pela sua eficácia: foi uma greve vitoriosa. Todo o processo de mobilização vinha sendo construído desde
maio/1917, quando foi desencadeada greve pelos(as) trabalhadores(as) têxteis do
Cotonífero Crespi. O movimento ganhou força, logo outas categorias também
pararam. Em 9 de julho, foi criado o Comitê de Defesa Proletária(CDP),
porta-voz das categorias em greve e de todas as associações e núcleos operários
e comissões de grevistas de São Paulo. O protagonismo dos anarquistas e, em
menor medida, de outros socialistas, caracteriza o movimento. São os princípios
libertários que refletem a singularidade da luta: horizontalidade, autonomia,
independência e intransigência em relação à repressão, aos patrões e à
institucionalidade.
A
ação direta, combinada com intensa prática de agitação e propaganda, consolidou
a radicalidade da luta. A principal estratégia da ação direta para os
anarquistas, então, era a construção da Greve Geral. Ação direta entendida como
autonomia dos trabalhadores para tomar suas próprias decisões. O proletariado
só poderia se libertar através de sua própria ação em oposição a ilusões
parlamentaristas e representações partidárias institucionalizadas: emancipação
só poderia ser autoemancipação. Isto foi levado às máximas consequências na
Greve Geral de 1917 tanto nos confrontos com o patronato e a repressão quanto
nas instâncias decisórias, onde o princípio era a horizontalidade e a autonomia
– não havia burocracias sindicais ou partidárias para congelar o processo. As
palavras de ordem eram: o direito à vida e à dignidade humana, só concretizado
no princípio da autoemancipação; e a solidariedade proletária cujo significado
era a adesão à luta.
No
dia 09 de julho de
19 17, as forças repressivas assassinaram o jovem sapateiro espanhol
José Ineguez Martinez (21 anos), abatido a tiros por um soldado do 1º Batalhão,
Norberto Araújo. Em 11 de julho, São Paulo em peso participou da grande
manifestação do enterro que marcou para sempre a história do movimento operário
no Brasil: homens, mulheres e crianças portando bandeiras vermelhas e negras –
mulheres à frente – ocuparam toda a cidade. O movimento grevista atingiu novo
patamar. Os discursos no funeral exigiam a libertação dos grevistas presos; a
reabertura das duas entidades fechadas na antevéspera (a Liga Operária da Móoca
e a Escola Nova); liberdade de organização; aumento salarial e fim da carestia.
Destaca-se aí a figura de Edgard Leuenroth, do jornal A Plebe e membro do CDP.
José Ineguez Martinez: Presente! |
Importante
destacar o protagonismo das mulheres na luta e a pungência da imprensa
anarquista, que produziu vários jornais nas três línguas mais faladas no
movimento (português, espanhol e italiano) – o proletariado é internacional: A Plebe, que continuou a ser publicado
até a década de 1950; La Bataglia, La
Guerra Sociale, La Barricatta, Avanti (este, socialista), entre outros.
José Martinez foi enterrado no Cemitério de Araçá.
Em
12 de julho foi declarada a greve geral total com mais de 100 mil
trabalhadores(as) em luta! Foi anunciada a pauta unificada de reivindicações:
- libertação de todos os grevistas presos;
- garantia de que nenhum grevista seria demitido;
- liberdade de reunião, manifestação e
associação;
- abolição do trabalho para menores de 14 anos;
- proibição de trabalho noturno para mulheres e
menores de 18 anos;
- aumento de 35% (salários menores), 25% (salários
maiores) e 50% para as horas extras;
- garantia de trabalho permanente;
- pagamento pontual a cada 15 dias e, no máximo,
5 dias após o vencimento;
- jornada diária de 8 horas de trabalho e semana
inglesa;
- diminuição dos preços dos gêneros de primeira
necessidade e dos aluguéis.
O
dia 13 de julho de 1917, sexta-feira, foi o mais sangrento de todos. Em nome da indefectível manutenção da ordem pública – brandida até hoje contra as lutas
dos(as) trabalhadores(as) e do povo – as forças repressivas militarizaram a
cidade. Sete mil homens da polícia paulista e das tropas federais
concentraram-se em São Paulo. Também a Marinha participou da repressão à greve:
o cruzador Reppública e o destroier Matto Grosso foram encaminhados ao porto
de Santos. Foram feitas mais duas vítimas fatais: o pedreiro Nicola Salerno (28
anos) e a menina Eduarda Bina (12 anos), atingida por bala perdida(?) - tal como Maria Eduarda da Conceição (13 anos) morta
por três balas da PM fluminense em Acari, Rio de Janeiro, quase cem anos depois
(30/03/2017). No grande comício da Praça da Sé os(as) trabalhadores(as) reafirmam
sua pauta de reivindicações e sua disposição de luta. O movimento conquista
duas de suas reivindicações: aumento salarial e readmissão dos grevistas. Ainda
neste dia foram proibidos os comícios em praça pública.
Os(as) trabalhadores(as) em greve não
aceitaram dialogar com os patrões, muito menos com a repressão: constituiu-se
uma Comissão de Imprensa formada por jornalistas para que fosse encetado o
processo de negociação. A Comissão de Imprensa transmitiu a proposta patronal:
aumento salarial de 20%; direito de associação; readmissão dos grevistas;
pagamento em dia. O comício de 14 de julho, chamado para a sede da Liga
Operária da Móoca, mas realizado no Prado da Móoca, foi decidida a manutenção
da greve até que todas as reivindicações fossem atendidas.
No
dia 15 de julho, foram atendidas as outras reivindicações – algumas em parte. A
16 de julho, em três grandes assembleias/comícios, os(as) trabalhadores(as)
deliberaram o término da greve nos estabelecimentos que se comprometeram a
respeitar a pauta acertada e continuidade da greve naqueles que não o fizeram.
A
Greve Geral foi vitoriosa. Na avaliação dos libertários houve importantes –
embora relativos – ganhos materiais, mas o que importou mesmo foram os ganhos morais. O principal deles é que a
classe operária adquiriu consciência de
si. A luta operária ganhou visibilidade e superou na prática e estreiteza
patronal e institucional que a considerava exclusivamente questão de polícia. A consciência de classe foi a maior conquista,
tornada possível pela concretização do princípio da ação direta. É este o grande legado da Greve Geral de
1917: radicalidade, horizontalidade, autonomia, construção da autoemancipação –
instrumentos eficazes contra os patrões e a repressão e antídotos seguros
contra o burocratismo, o oportunismo, o verticalismo, os desvios
parlamentaristas e eleitoreiros que estão sempre a rondar o movimento operário
e popular.
Nós,
do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, organizamos duas
atividades de militância sobre o centenário da maior greve geral no Brasil. Uma
aconteceu em nosso espaço/sede, em Belo Horizonte, e a outra, em Porto
Seguro/Bahia.
Em
Belo Horizonte, foi realizado o VIIIº
Maio de Resistência! na segunda-feira,
dia 29/05/2017. Esta edição teve como tema o Centenário da Greve Geral de 1917.
Foram exibidos os seguintes documentários:
- Libertários (Lauro Escorel Filho, 1976, Brasil, 29min.)
- Deu n'A Plebe – A Greve Geral Anarchista
de 1917 (Fernando Puccini e João
Ricardo, 2007, Brasil, 17 min.).
Em
Porto Seguro/Bahia, foi realizada a exibição do documentário Libertários, com a mesma temática. Aconteceu na Sala Arraial d' Ajuda 01 - UFSB - Campus
Sosígenes Costa. Houve duas sessões que contaram com a presença de
estudantes e trabalhadores(as) da educação.
Após
a exibição dos documentários, em Belo Horizonte e Porto Seguro, houve rodas de conversas
e debates focados na greve de 1917, nas lutas, no repúdio às retiradas de direitos
sociais e humanos da classe trabalhadora, no repúdio às retrógradas reformas
trabalhista e previdenciária. Temas que envolvem História, Memória, Verdade e
Justiça, as violações dos Direitos Humanos, a repressão e o terrorismo de
Estado e do capital. O que foi a Greve Geral de 1917 e o que são as propostas
de Greve Geral hoje.
Frequentamos,
neste ano, as mobilizações de greve geral de 2017. Fizemos um balanço em nosso
coletivo sobre o que foram as greves de 1917 e de 2017. Percebemos, obviamente,
grande diferença no que se refere à questão de independência e autoemancipação
da classe trabalhadora. Grande parte dos presentes parece não valorizar
instâncias independentes que vêm de baixo ou que estão à margem. Percebemos que
há uma grande valorização dos setores institucionalizados, atrelados,
construídos por cima pelas instâncias de poder. Muitos acreditam que a
militância deve priorizar o eleitoralismo e as disputas do parlamentarismo
estudantil e sindical. Acabam por criminalizar a militância independente e se
submetem ao reboquismo da burocracia sindical aparelhada.
VIVA
A LUTA INDEPENDENTE DA CLASSE TRABALHADORA!
2017:
Centenário da Greve Geral no Brasil!
Belo Horizonte, dia 18 de julho de 2017
Instituto
Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania