Imagem: Cartaz na ocupação da Escola Agrotécnica, dentro do campus da UESB. |
PRIMAVERA SECUNDARISTA OU POR QUE
OCUPAR?
Núbia
Braga Ribeiro*
A
PEC 241 surge quando o poder executivo apresenta ao Congresso Nacional, no dia
15 de junho, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a finalidade de
estabelecer um novo regime fiscal e, com isso, equilibrar as contas públicas.
Diante de um Congresso reacionário, o mais desde os tempos violentos da
ditadura militar no Brasil, era de se esperar que a Câmara dos deputados
acolhesse tal proposta que no momento se encontra para votação no Senado
“travestida” de PEC 55.
A
PEC 241 (agora PEC 55) é uma total afronta aos direitos sociais, pois deflagra
um golpe na educação, na saúde e na assistência social, justificada por meio de
um discurso absurdo, de controlar as despesas públicas, defende-se a ideia de
“cortes necessários do Estado” ou o que se denomina de “novo teto para o gasto
púbico” camuflando, assim, suas aberrações. Dentre seus disparates, a PEC 55
limita e congela os investimentos, que já eram escassos, por 20 anos em áreas
fundamentais. Por esse caminho, causa um impacto sobre os recursos voltados
para educação, saúde, assistência social, além de recair sobre os trabalhadores
e servidores públicos, pois até o salário mínimo está na sua mira (ou na sua
geladeira).
Diante
deste contexto, diversos manifestos de sindicatos, instituições, institutos,
categorias de trabalhadores, de professores e de estudantes no Brasil inteiro
protestam contra os mandos e desmandos do governo que tem como uma de suas
bandeiras a PEC 55 para “salvar” o país da crise.
Golpe
atrás de golpe, não para por aí. A Medida Provisória 746 (MP 746), de 22 de
setembro de 2016, apresentada pelo governo federal e o Ministro da Educação ao
Congresso, impõe uma drástica reforma no Ensino Médio.
Conforme
publicação no blog do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania,
os jovens estudantes secundaristas da Escola Estadual Ari da Franca e de outras
escolas ocupadas da região de Venda Nova, panfletaram, no dia 2 de novembro de
2016, no centro de Belo Horizonte. O impresso distribuído pelos estudantes
denuncia os danos que a MP 746 pode causar à educação:
“Essa
MP, que não foi debatida com os
professores e nem com estudantes, estabelece que as disciplinas de Artes,
Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser obrigatórias e ainda
prevê a contratação de professores sem a exigência de diploma para todas as
redes de ensino.
Acreditamos
que a retirada destas disciplinas demonstra uma nítida intenção de tirar das
escolas o debate crítico sobre a sociedade e a formação humana. Isto significa
mais precarização para os professores, assim como o rebaixamento do nível de
qualidade do ensino para os estudantes.” (PANFLETO apud http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/).
Além
de pôr fim a obrigatoriedade das disciplinas de Artes, Educação Física,
Filosofia e Sociologia tão fundamentais para a formação humana e cidadã, a MP
746 é uma proposta que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96)
prevendo turno integral e ensino profissionalizante. Mas que turno integral sem
as devidas condições e que ensino profissionalizante são estes? Volta e meia
está a resposta à nossa frente: formar técnico autômato, coisificado, tão
enaltecido nos tempos da ditadura civil-militar pelos governos autoritários. Ou
seja, a ideia é de negação/desconstrução: educar para não pensar, educar para
não questionar. Tudo ao contrário do que aprendemos com Paulo Freire (1988),
afinal, a educação é prática da liberdade e não prática da dominação. Assim
sendo, na concepção de Freire, se revela o caráter libertador e não
domesticador da educação, porém a MP 746, forjada pelo governo e pelas elites
desejosos de adestrarem a sociedade, é um projeto político de educação que
contraria a liberdade, a criatividade e o debate.
No entanto, os jovens nas ocupações e no chão das
ruas, na contramão do autoritarismo, estão provando, muito mais que
reivindicando, que é na práxis que se aprende, é na ação exercida que se educa
e ao se educar se liberta o sujeito de toda opressão, assim como Paulo Freire
defendeu por toda sua vida.
Ainda
lembrando Paulo Freire, a educação que liberta é um ato dialógico, em que o ato
de conhecer e de pensar estão intimamente relacionados. E, é por isso, que
ocupar é necessário e urgente! Ou, ainda, podemos lembrar Maria da Glória Gohn,
que analisa a importância dos movimentos sociais como práticas também
educativas, como parte inerente a educação, pois os “movimentos sociais e
educação têm um elemento de união, que é a questão da cidadania” (p.11, 2005).
Afinal, segundo a mesma autora, “a educação ocupa lugar central na acepção de
cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si
próprio, educativo” (p.16, 2005). Por esses e tantos outros motivos que é na
prática e na realidade que emerge o processo de libertação e que ocupar é um
exemplo de luta e de participação social ativas para além das barreiras
institucionais e instituídas. É nesse cenário caótico e assustador – com a
presença do Estado violência, inaugurado com o neoliberalismo, que bate em
professor e em estudantes, do endurecimento da ultradireita e de setores
extremamente conservadores da sociedade e, diga-se de passagem, violentos
também –, que ocupar e resistir é uma questão vital, de sobrevivência e de
dignidade. As ocupações de escolas pelos jovens estudantes têm sua origem (na
história recente do país) na luta contra o sucateamento da educação, como
exemplo, em São Paulo, em 2015, contra o projeto de “reorganização” da rede
paulista de ensino. Entretanto, não findaram aí, pois a primavera secundarista
avançou na luta desde outubro de 2016, com expressividade no Paraná e com força
total em todo o Brasil, contra a PEC 55 e a MP 746. Os jovens protagonistas, do
Brasil inteiro, já ocuparam mais de 1.000 escolas e no caso das universidades
os estudantes ocuparam mais de 160, até então, contra as arbitrariedades do
governo. Esses jovens representam um exemplo de cidadania e de luta por
direitos que não podem nos ser roubados. E a esperança é que a primavera
floresça independente, autônoma, autogestionária, ou melhor, nas palavras de
Pablo Neruda: “rompió la tierra, estableció el deseo, hundió sus propagandas
germinales y nació en la secreta primavera.”
A
luta é clara e legítima ao som das vozes desses jovens que exigem que se
garanta uma educação pública e de qualidade e que, portanto, a PEC 55 e a MP
746 congelam avanços, negam conquistas de lutas históricas e impõem
retrocessos. Por tudo isso, ocupar é se fazer escutar, é um processo de
aprendizagem, de experimentar e experenciar a cidadania.
Afinal,
a PEC 55 e a MP 746 ameaçam frontalmente extinguir um direito consagrado na
Constituição Cidadã de 1988. Elas significam apagar de nossas lutas o texto que
deu origem ao artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”. Ademais, fere o artigo 208 que declara como
dever do Estado a Educação, pública e gratuita, em seus diferentes níveis, o
seu comprometimento em garantir, ainda, a pesquisa e a criação artística que
são dimensões importantes na formação do sujeito crítico e autônomo.
Portanto,
a educação para cidadania é o caminho para a constituição de uma sociedade
justa no combate às desigualdades e em prol da diversidade. A educação como
direito tem íntima relação com a cidadania. Dessa forma, só é possível pensar
na construção de uma sociedade mais humana e justa se a educação estiver
compromissada com a formação do cidadão. Por tudo dito aqui, que o grito dos
jovens, nas ocupações por este país a fora e no chão das ruas, deve ser
respeitado e ecoado como uma primavera: ocupar e resistir!
Referências
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil,1988.
Brasília, Senado. Disponível em Acesso
em 09 de setembro de 2016
Entenda
o que está em jogo com a PEC 241. 07/10/2016. Disponível em: Acesso
em 02 de novembro de 2016.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
FREIRE,
Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1995.
GOHN,
Maria da Glória. Movimentos Sociais e Educação. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
NERUDA,
Pablo. Canto General. Disponível em: <
http://www.neruda.uchile.cl/obra/cantogeneral.htm> Acesso em 02 de novembro
de 2016.
PANFLETO
das Escolas Estaduais ocupadas em Venda Nova, Belo Horizonte/MG Disponível em: http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/
Acesso em 15 de novembro de 2016.
*Doutora em História Social pela USP/
SP. Professora da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG, membro do grupo de
pesquisa ODC e membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e
Cidadania.
- Artigo reproduzido/Fonte: http://observatoriodadiversidade.org.br/site/wp-content/uploads/2016/11/ODC_BOLETIM_outubro_2016_10.pdf
- LUTA DAS ESCOLAS ESTADUAIS OCUPADAS DE VENDA
NOVA CONTRA A PEC 241/PEC 55 E CONTRA A REFORMA DO ENSINO MÉDIO:
- NOTÍCIA SOBRE A OCUPAÇÃO
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA: http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/2016/10/ocupa-ufsb.html
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