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Imagem: Marcha Indígena que saiu da Aldeia da Jaqueira rumo à Aldeia Novos Guerreiros, em outubro de 2016. Fechamento da pista da BR-367 - sul da Bahia.
Edição a partir de foto/Arquivo: Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania. |
NOTA DE REPÚDIO AO GENOCÍDIO E ETNOCÍDIO
DOS POVOS ORIGINÁRIOS – 517 ANOS DE LUTA!
Neste
22 de abril de 2017, o Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
vem a público manifestar o mais veemente repúdio à situação de etnocídio e genocídio instaurada
contra os Povos Originários. Trata-se de matéria de longa duração no Brasil,
iniciada há 517 anos com a guerra de conquista engendrada pelos invasores e
colonizadores portugueses. Há 450 anos, foi massacrada a Confederação dos
Tamoios (1554-1567) - ou dos Tamuya,
que significa mais antigos, sábios, anciãos – considerada a primeira
resistência organizada dos Povos Indígenas no Brasil, a qual impressiona pelo
nível de combatividade e articulação.
Ela aconteceu nos territórios onde hoje estão situados os estados de São Paulo
e do Rio de Janeiro. Foi uma luta de resistência levada a cabo pelos Povos
Tupinambá, Guaianá, Aimoré, Goitacá, Tupiniquim, Tapuia e Carijó contra a
invasão colonialista. Desde então, os Povos Indígenas continuam resistindo e
lutando contra a usurpação de seus territórios, a destruição das florestas e
dos mananciais e a prática sistêmica de extermínio, cada vez mais consolidadas
como políticas de Estado.
A
trajetória de mais de 500 anos de lutas dos Povos Indígenas, portanto, abole na
prática o tal “dia do índio” (19 de abril), instituído por Getúlio Vargas como
parte do calendário cívico-folclórico da ditadura do Estado Novo, em 1943. Esta
data foi estabelecida pelo Congresso Indigenista Interamericano (cidade do
México, 1940) como “Dia do Aborígene Americano” – trata-se de um congresso de
brancos com robusta presença de intelectuais acadêmicos, autoridades e
emblemática ausência de representantes das nações indígenas. No seu discurso de
abertura, o presidente do México Lázaro Cardenas sentenciou que seu objetivo
ali era mexicanizar os indígenas,
nunca indianizar o México. Na mesma
linha, no Brasil estava em andamento a getulista marcha para o oeste que adotou
como herói nacional o bandeirante – leia-se preador, escravizador e matador de
índios. A marca da política indigenista da ditadura Vargas é a assimilação
agressiva dos Povos Originários, ou seja, o imperativo de amansá-los,
domesticá-los e submetê-los ao trabalho forçado a serviço da civilização e da
criação de uma identidade nacional racista e predadora: índio bom é índio
integrado ou índio morto.
Esta
marca se mostrou indelével na política indigenista dos governos constituídos ao
longo dos séculos XX e XXI. Foi levada ao paroxismo durante a ditadura militar
(1964-1965), que transformou a questão indígena em matéria de segurança
nacional. A ocupação da Amazônia passou a ser prioridade das Forças Armadas. A
militarização desta região foi levada às máximas consequências a partir da Operação
Amazonas concebida pelo ditador Castelo Branco, em dezembro de 1966. Os
indígenas, considerados estorvos, passam a integrar a lista de inimigos
internos a serem eliminados, uma vez que constituem obstáculo à implementação
do binômio desenvolvimento e segurança. A ditadura praticou guerra total contra
eles, a qual se estendeu por todo o território nacional: política de
escravização e extermínio, deslocamentos forçados, epidemias devastadoras
toleradas e até reforçadas pelo sistema, prisões, segregação, torturas,
desparecimentos. Tudo isto em nome do projeto de modernização conservadora do
capitalismo então em andamento: favorecimento ilimitado ao latifúndio, às
mineradoras e às empreiteiras, ampliação da chamada fronteira agrícola,
megaconstruções de hidrelétricas e rodovias – como a transamazônica e a BR-174,
que liga Manaus/AM a Boa Vista/RR, até hoje objeto de litígio. Assim, várias
etnias foram alvo de genocídio/etnocídio praticado pela ditadura, com destaque
na região amazônica para os Yanomami, Waimiri-Atroari e Cinta Larga.
Nesta
conjuntura foi fundada a FUNAI (1967), cujo primeiro presidente, Queirós
Campos, teve a infame ideia de criar a Guarda Rural Indígena (GRIN), a qual
deveria formar numeroso pelotão de
índios com a função precípua de reprimir índios e defender brancos civilizados.
Seu chefe era o capitão da Polícia Militar Manuel dos Santos Pinheiro. O
treinamento – instrução policial e militar, o que incluía aulas de tortura -
ficou a cargo do Batalhão Escola da Polícia Militar de Belo Horizonte. Foi
criado também o Reformatório Krenak –
verdadeiro campo de concentração para os indígenas – em Resplendor, Minas
Gerais em reação à rebelião dos Maxacali, em 1966. Outro campo de concentração para indígenas
foi a Fazenda Guarani, instalada em
uma propriedade da Polícia Militar de Minas Gerais no município de Carmésia.
Tais campos de concentração recebiam indígenas de todo o país, os quais foram
ali presos, torturados e segregados – muitos morreram e desapareceram. Há um
cálculo conservador que estabelece que quase 9 mil indígenas foram vítimas dos
massacres perpetrados das mais diversas formas pela ditadura militar. Seus
nomes, no entanto, não compõem nenhuma lista de mortos e desaparecidos. No
relatório final da Comissão Nacional da Verdade (dezembro de 2014), pela
primeira vez um documento oficial do Estado aborda a questão, mas de maneira
lacunar, precária e, sobretudo ineficaz: não há perspectiva de ressarcimento ou
anistia para os Povos Indígenas trucidados pela ditadura – não há perspectiva
institucional de estabelecimento de memória, verdade e justiça para eles.
O quadro atual continua devastador. O governo
golpista Temer/Meirelles (PMDB/PSDB/DEM/PSD/PP/PR/PTB/PPS/PV/PRB/PSB) tornou
mais graves os conflitos pela terra. Seu ministro da agricultura é ninguém
menos que Blairo Maggi (PP) – dito rei da
soja – ícone do latifúndio/agronegócio. As bancadas Boi/Bala/Bíblia/Jaula
controlam de forma absoluta este governo espúrio, destruindo conquistas sociais
e garantindo a submissão a todos e quaisquer desígnios do latifúndio, das
empreiteiras, do mercado financeiro, da especulação imobiliária. Os indígenas
continuam a longa e árdua batalha por suas vidas, seus territórios, suas
culturas.
As
ofensivas de retirada de direitos foram responsáveis pelo aprofundamento do
clima de mobilização permanente dos mais diversos segmentos dos movimentos
sociais. Nesta mesma perspectiva, forte mobilização dos Povos Pataxó, Tupinambá
de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Tumbalalá foi capaz de barrar a indicação
pelo Partido Social Cristão (PSC) do general Sebastião Roberto Peternelli
Júnior, entusiasta do golpe militar de 1964, ao cargo de presidente da FUNAI. Continua
a ofensiva do governo Temer também na
promoção de desmonte de estruturas públicas voltadas para as questões
indígenas: no dia 24/03/2017, um decreto extinguiu 87 cargos da FUNAI, quase 12% do total. O deputado
Osmar Serraglio (PMDB) – proeminente representante da bancada do Boi no
congresso nacional - e o ministro do planejamento, orçamento e gestão, Dyogo de
Oliveira, atuaram diretamente nestes cortes. Foram também extintos 51 cargos de
Coordenação Técnica Local. Esses cortes se referem principalmente a funções
relativas à avaliação de projetos invasivos de construção nas terras indígenas.
Osmar Serraglio é o relator da PEC 215/2000 cujo objetivo é garantir ao
legislativo – dominado, repetimos, pelas bancadas Boi/Bala/Bíblia/Jaula - a
prerrogativa de decidir sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas. Existem
hoje 189 iniciativas no congresso contra os direitos dos Povos Indígenas.
Se
o governo de Dilma Rousseff (PT/PCdoB/PMDB) foi o que menos demarcou terras
indígenas desde 1988, o novo governo é capaz de retroceder mais ainda. Em
novembro de 2016, a Casa Civil da Presidência da República devolveu para a FUNAI
13 processos de demarcação de terras indígenas. Neste único processo mais de
1,5 milhão de hectares pertencentes a 17 etnias diferentes foram retirados de
seus legítimos donos. Além disso, o Ministério da Justiça devolveu para a FUNAI
outros seis processos em fase de identificação. No que diz respeito ao extremo
sul da Bahia, as comunidades Pataxó enfrentam mais uma ameaça ao seu território
original pela Sentença Provisória de Reintegração de Posse das comunidades Nova
Coroa, Mirapé I, Mirapé II, Novos Guerreiros e Txihi Kamauyrá. Mais uma vez uma
das etnias com o mais longo contato com o homem branco sofre terrível ameaça. No
Mato Grosso do Sul – estado onde ocorreram 50% dos assassinatos de indígenas
nos últimos anos – a luta histórica dos Terena e Guarani-kaiowá denuncia para o
Brasil e para o mundo o massacre sistêmico a que são submetidos. Dois dos maiores inimigos dos povos
originários lá atuam impunemente: o deputado estadual José Teixeira (DEM) e o
fazendeiro assassino Jacinto Honório.
Diversas
declarações de cunho fascista, misógino, racista e lgbtfóbico inundam o cenário
atual. O ministro da justiça Osmar Serraglio (PMDB) – ao qual é submetida a
FUNAI - afirmou em declaração pública que “terra não enche barriga de ninguém”
ao criticar e desqualificar abertamente os índígenas e defender os projetos dos
latifundiários de usurpação de terras já demarcadas ou a serem demarcadas. Tal
fala demonstra o caráter extremamente reacionário deste governo e o
aprofundamento do processo de fascistização do Estado. Na mesma toada, o
governador de Roraima, Paulo Quartiero (DEM), declarou que o ex-secretário do
índio, Dilson Ingarikó, deveria ser fuzilado por defender a demarcação das
terras indígenas. Imbuído da Doutrina de Segurança Nacional da ditadura
militar, o governador demitiu o secretário alegando “traição” ao Estado.
Os
Povos Originários resistem tenazmente a este processo de genocídio e etnocídio
institucionalizado e ao esbulho de suas terras. A comunidade Pataxó da Aldeia
Aratikum/BA, expulsa de suas terras em outubro de 2016, já voltou a ocupar seu
território, ainda não demarcado. Apesar da ameaça contínua e da possibilidade
de expulsão de suas terras a qualquer momento, a comunidade continua
resistindo. As aldeias de Porto Seguro e Cabrália se mantêm em contínua posição
de mobilização, combatendo a sentença provisória de reintegração de posse que
ainda não foi cumprida por causa da pressão.
A
batalha é árdua, contínua, diária - a permanente mobilização dos Povos
Indígenas tem combatido os diversos ataques. Há também processo de destruição
igualmente criminoso dos seus saberes, línguas e conhecimentos - tão ameaçados
de extinção quanto as próprias etnias sobreviventes. A luta em defesa dos territórios
indígenas e a luta contra o genocídio dos Povos Indígenas são princípios da
luta pelos direitos humanos.
Pelo
fim do genocídio dos Povos Indígenas!
Pela
demarcação de todas as terras indígenas!
Abaixo
o latifúndio/agronegócio!
Pelo
fim de todo aparato repressivo!
Abaixo
o terrorismo de Estado e do capital!
Pelo
direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça!
Pela
defesa dos direitos humanos dos Povos Indígenas!
Belo Horizonte, 22 de abril de 2017
Instituto
Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
Leia também:
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