NOTA DE REPÚDIO AO OBSCURANTISMO
VIGENTE
(censura, reacionarismo, intolerância, fundamentalismo e
fascismo)
O fascismo
não se discute, se destrói.
Buenaventura
Durruti
Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Bertold
Brecht
A conjuntura
em que vivemos é certamente a mais adversa desde os tempos da ditadura militar
(1964-1985). A atual composição do congresso nacional se caracteriza pela
inépcia, a corrupção e o reacionarismo extremos. Este congresso é galvanizado
pelo obscurantismo insuperável das bancadas Boi/Bíblia/Bala/Jaula. O espúrio
governo golpista de Michel Temer (PMDB/PSDB/PSD/PP/DEM/PR/PV/PTB/PPS) constitui
o advento do governo direto, sem qualquer tipo de mediação, do mesmíssimo bloco
de classes responsável pelo golpe militar (1º de abril de 1964), pela ditadura
e pela transição política conservadora: donos de empreiteiras, bancos,
oligopólios industriais, latifúndios/agronegócios, mineradoras e oligopólios
midiáticos (encabeçados pela Folha de São Paulo e a Rede Globo).
Soma-se ainda a hegemonia deletéria de todas as direitas, o protagonismo do
fundamentalismo cristão e de protofascistas de todas as espécies, como
Bolsonaro (ex-PSC em transição para o Patriota), Feliciano (PSC), Ronaldo Caiado
(DEM) e companhia.
Destacam-se os entusiastas da ditadura
militar e aquela bizarra juventude ultraneoliberal que se organiza em grupos
como o Movimento Brasil Livre (MBL), o Avança Brasil et caterva. Não percamos
de vista que quem lidera o MBL são os arrivistas Fernando Holiday (vereador de
São Paulo pelo DEM) e Kim Kataguiri e quem registrou a patente – sendo,
portanto, o dono da marca – é Alexandre Frota, ícone do machismo, da LGBTfobia,
pregador do estupro, entusiasta da ditadura, astro especialista em sexo
explícito.
A atual política de desmonte dos
direitos impetrada pelo governo Temer constitui retrocesso secular: as ditas
reformas trabalhista e previdenciária e o obsceno congelamento dos gastos
públicos por 20 anos (Emenda Constitucional 95, de 15/12/2016, a emenda do fim
do mundo) desferiram golpe fatal contra os(as) trabalhadores(as) e o sistema
público de saúde, seguridade social e educação. Trata-se de aumento exponencial
da exploração e da opressão, as quais atingem os níveis do início do século
passado.
O país se consolida no pódio como um dos
campeoníssimos mundiais em graves violações dos direitos humanos, em
concentração de renda e desigualdade social. Temos a quarta população
carcerária mundial – maioria absoluta de negros e pobres. Temos a quinta
população carcerária feminina. O genocídio do Povo Negro é sistêmico. O racismo
é institucional. O governo e o latifúndio/agronegócio praticam também política
de extermínio contra os Povos Indígenas, os(as) Quilombolas e os(as)
trabalhadores(as) do campo. A polícia
militar brasileira é a que mais mata entre todas as polícias do planeta. A
tortura e o desaparecimento forçado continuam a ser sólidas instituições por
aqui. As chacinas periódicas praticadas pelo aparato repressivo – no atacado
e no varejo – adquirem sistematicidade assustadora. Como se não bastasse, as
Forças Armadas são chamadas a reprimir manifestações e a ocupar ruas, cidades, morros
e favelas.
Para completar o quadro, o Brasil é o campeão
mundial de crimes contra LGBTs: foram 343 mortes em 2016, uma a cada 25 horas.
O país ocupa a quinta posição no ranking global de feminicídio. A situação não
é melhor quanto ao número de estupros: segundo dados oficiais, há um estupro a
cada 11 minutos e 10 estupros coletivos por dia. Sabe-se que há subnotificação de pelo menos
30% nesses dados. A tragédia é, portanto, ainda maior.
O famigerado ovo da serpente shakespeariano/bergmaniano já está fecundo. A
defesa explícita da intervenção militar vinda da hierarquia das Forças Armadas
é um dos sinais mais eloquentes. As investidas parlamentares e governamentais
que levaram à interdição de manifestações artísticas e as tentativas
sistemáticas de fazer censura com as próprias mãos por parte do fundamentalismo
cristão arrematam o processo. Estão em pauta - além da intervenção militar e do
esbulho dos direitos dos(as) trabalhadores(as) - a criminalização da
criatividade e do dissenso, a guetização das questões LGBTs, a Escola sem Partido, a cura gay, a aniquilação das religiões de
matriz africana. Senão, vejamos.
No dia 15/09/2017, o general Antônio
Hamilton Martins Mourão, em palestra em um clube maçônico de Brasília, pregou
abertamente a intervenção militar imediata dizendo: “... a minha visão coincide
com a dos companheiros que estão no alto comando do exército”. O general
Antônio Mourão está na ativa e ocupa o alto cargo de Secretário de Economia e Finança
do Exército. Incontinenti, ele foi contemplado pelo entusiasmo histérico de
Jair Bolsonaro. Em seguida, foi respaldado e reforçado por ninguém menos que o
comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, e pela Procuradoria Geral
da Justiça Militar. Em 19/09, o general Villas Bôas declarou com a maior
desfaçatez: “A possibilidade de intervenções militares ocorre permanentemente,
[já que] as Forças Armadas têm mandato para fazer na iminência de um caos”.
Trata-se de interpretação selvagem do nefasto artigo 142 da Constituição
Federal, o qual atribui às Forças Armadas – que, sabemos, são golpistas por tradição
e definição - “a defesa da Pátria, a garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”
(?????). Aí veio o general Edson Leal Pujol (26/09) que, em palestra a
empresários na Associação Comercial de Porto Alegre, incitou “as pessoas
insatisfeitas a se manifestarem nas ruas”. O general Pujol almeja, certamente,
reedição das infames Marchas da Família com Deus pela Liberdade (19/03/1964 e
08/06/1964), manifestações públicas organizadas com o objetivo precípuo de criar
as condições imediatas para o golpe de 1964 e apoiá-lo depois de sua
consecução. No dia
28/09/2017, apareceu em Brasília um banner gigante em homenagem ao general
Mourão, erguido por guindaste. Desnecessário dizer que o Ministro da Defesa,
Raul Jungmann (PPS) tem se mantido calado e submisso aos seus superiores militares. Mais emblemático ainda é o fato de que a
declaração golpista do general Mourão foi dada logo depois de um sinistro
Encontro do Alto Comando do Exército em Brasília (11/09) que reuniu seis
generais quatro estrelas e a totalidade dos comandantes militares. Pauta: a
necessidade de tomada de posição efetiva (leia-se intervenção) dos militares no
cenário político brasileiro. Os três generais
citados neste parágrafo estavam presentes.
Enquanto isto, acontecem os maiores
descalabros de norte a sul do Brasil. Em 10/09/2017, a exposição
Queermuseu, Cartografias da
Diferença na Arte Brasileira, foi cancelada em Porto Alegre/RS pelo Banco
Santander a partir de pressões das redes sociais sempre comandadas pelo MBL e
fundamentalistas de todos os matizes. Esta exposição mostra obras consagradas
de artistas como Portinari, Volpi, Pedro Américo, Lygia Clark, Adriana Varejão,
Bia Leite. Mais recentemente (01/10), o prefeito do Rio de Janeiro Marcelo
Crivella (PRB) vetou a realização da mesma exposição no Museu de Arte do
Rio/MAR dizendo que, por conta dele, esta exposição seria jogada no fundo do
mar (sic).
Em 14/09/2017, por iniciativa dos deputados
Paulo Siufi (PMDB), Herculano Borges (Solidariedade) e Coronel Davi (PSC), a
obra-denúncia intitulada Pedofilia,
de Alessandra Cunha, foi apreendida pela Delegacia Especializada de Proteção à
Criança e ao Adolescente no Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande/MS. Os deputados
exigiam ainda que a artista fosse incluída no cadastro estadual de pedófilos, o
que obviamente, não aconteceu. A obra de arte voltou para o museu no dia 16/09
sob a classificação de 18 anos.
Em 15/09/2017, certo juiz chamado Waldemar
Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, concede liminar que
libera a realização de pseudoterapias de reversão
sexual (leia-se cura gay). Desde
março de 1999, o Conselho Federal de Psicologia/CFP erradicou esta prática
(resolução 01/99). Tal liminar atende parcialmente a ação movida contra o CFP
pela psicóloga (?) e missionária evangélica fundamentalista Rosângela Alves
Justino. Agora fortalecida, ela lidera cruzada contra as medidas progressistas
e a política de direitos humanos do CFP.
Em
22/09/2017, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), bane por
decreto (Decreto 16 717/2017) políticas de combate à discriminação de gênero
nas escolas municipais da cidade. Suprime as palavras gênero e diversidade sexual
do plano de trabalho da Secretaria Municipal de Educação. Tudo isto por pressão
da Bancada Cristã, liderada pelo
vereador Jair di Gregório (PP). Além disso, tramita na Câmara Municipal de
Belo Horizonte, também patrocinado pela Bancada
Cristã, projeto de lei (PL 274, de 12/07/2017), que visa a implantação da Escola Sem Partido, assinado por 26 dos
41 vereadores desta bancada. Tal projeto é rejeitado radicalmente por
significativa parcela de estudantes, professores(as) e da comunidade escolar. Na
semana passada foi rejeitado por unanimidade pela Comissão de Educação, mas sua
tramitação em primeiro turno prossegue.
Em 26/09/2017, a performance de abertura
do 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu
de Arte Moderna/MAM de São Paulo sofreu investidas reacionárias do aparato midiático,
das redes sociais, de Bolsonaro e do Avança
Brasil. Esta performance evoca a obra La
bête (O bicho), de Lygia Clark. O Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão corrobora a censura ao
MAM em reunião com a Bancada da Bíblia da Câmara Federal liderada pelo deputado
Sóstenes Cavalcante (DEM). O prefeito João Dória (PSDB), espécie de Bolsonaro
gourmetizado, e o governador Geraldo Opus
Dei Alkmin (PSDB), cada um a seu modo, reforçaram a censura à exposição. É
caso de indignação, mas não de surpresa: ao tomar posse, em janeiro deste ano,
Dória aniquilou os grafites e pichações das ruas de São Paulo e desencadeou política
agressiva de privatização do espaço público e de repressão, criminalização e
segregação dos usuários de crack.
Em 03/10/2017, começa a tramitar na
Câmara Federal projeto de lei (PL 8615/17) que visa proibir a profanação de símbolos religiosos (sic)
em shows, exposições, espetáculos, apresentações circenses, peças, filmes,
músicas, games – ao vivo e em todos os suportes – e garantir classificação
indicativa. Esta iniciativa abre ainda mais espaço aos crimes de ódio contra as
religiões de matriz africana, demonizadas
pelos fundamentalistas. Só em Nova
Iguaçu, nos últimos meses, sete terreiros e centros foram depredados. O projeto
de lei é de iniciativa do indefectível pastor Marco Feliciano (PSC), que o
apresentou em 19/09, sempre em nome da
moral e dos bons costumes. Tal medida remete à política funesta de censura
prévia da ditadura militar e lembra o Parenthal
Advisory, etiqueta introduzida nos Estados Unidos pela Recording
Association of America (1985) e, na Inglaterra, pela British Phonographic
Industry (2011). Seus alvos preferenciais são o rock, bandas de metal, punk,
hardcore e música negra como o funk, o hip-hop e rap.
Voltando a Belo Horizonte: em
04/10/2017, o deputado estadual João Leite (PSDB) - candidato derrotado à
prefeitura da cidade, mistura indigesta de conservadorismo tucano com fundamentalismo
evangélico - investe contra a exposição Faça
você mesmo sua Capela Sistina, de Pedro Moraleida (1977-1999). Nesta
investida, João Leite faz dobradinha com o já citado Jair di Gregorio, vereador
do PP. Este tem mobilizado a
Assembleia de Deus da qual é liderança. Ele se autoproclamou “o defensor das famílias de Belo Horizonte”.
Os dois parlamentares deram a deixa para uma onda de manifestações fascistas
na porta do Palácio das Artes, local da exposição. Chegou-se ao absurdo da
detenção pela PM do jovem pedreiro negro Arlee Douglas Rosa (23 anos), que se
manifestava a favor da exposição. Arlee
foi acusado de... racismo pelo evangélico Ronan Ferreira (25 anos). Quem
deu voz de prisão foi o pastor Leonardo Alvim de Melo da Comunidade Evangélica
Projeto Viver. Mobilizações
de resistência também estão ocorrendo diariamente. Nesta segunda-feira (09/10),
acontece uma grande manifestação de repúdio a esta pavorosa escalada reacionária.
Em dezembro de 2011, ano da morte de D. Helena Greco, o Instituto Helena Greco
de Direitos Humanos e Cidadania realizou pequena mostra independente de obras
de Pedro Moraleida como parte da programação Semana Internacional de Direitos Humanos – Casa D. Helena Greco: Espaço
de Resistência.
João Leite e Jair di Gregorio investiram
também contra a apresentação em BH da peça O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu, encenada na FUNARTE como
parte da Ocupação Transarte, de 05/10 a 08/10. Em setembro, a peça foi proibida
por liminar em Jundiaí/SP. A liminar foi cassada em 03/10. Trata-se de monólogo
da trans escocesa Jo Clifford, protagonizado pela atriz trans Renata Carvalho.
A peça foi encenada em BH sem problemas e com sucesso em 2016.
Em 06/10/2017, no Rio de Janeiro, a
prefeitura Marcelo Crivella interdita o Castelinho de Ipanema impedindo a
estreia da Exposição Curto Circuito e
das peças Bicha Oca e Nascituros. A Ocupação Oduvaldo Vianna
Filho denuncia o sumiço de algumas obras da mostra e tentativa flagrante de
criminalizar e guetizar a pauta LGBT, além da criação de preconceitos e
disseminação do ódio.
Aí está um terrível inventário – que não
é exaustivo - da escalada do processo de fascistização em curso. Repudiemos
alianças com as direitas. À política de terra arrasada dos protofascistas de
todos os matizes e às suas pretensões totalitárias nos cabe contrapor um acúmulo
que resgate um repertório radical de lutas anticapitalistas, classistas,
independentes e emancipatórias. Só assim será possível erradicar as condições
favoráveis à eclosão do ovo da serpente: precisamos destruí-las para que a
serpente do fascismo cesse de proliferar.
Liberdade de manifestação e expressão!
Censura Nunca Mais!
Ditadura militar Nunca Mais!
NÃO PASSARÃO!
Belo Horizonte, 9
de outubro de 2017
INSTITUTO HELENA
GRECO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
|
Não Passarão!!! |