SOBRE A NOSSA PARTICIPAÇÃO NA SEMANA
DA/O ASSISTENTE SOCIAL
Foi
realizada, na Una, nos dias 22, 23 e 24/05/2018 a Semana da/o Assistente Social cujo tema “Tempos de radicalização e resistência: caminhos para o fortalecimento
da democracia na cena contemporânea”. Foi organizada pelo Curso de Serviço Social, Diretório
Acadêmico do Curso de Serviço Social ‘Florestan Fernandes’ (DASS) e Centro
Universitário Una.
O Instituto
Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania participou do primeiro dia da Semana
da/o Assistente Social. Compuseram a mesa de abertura representações da Coordenação de
Curso, Diretório Acadêmico, Diretor do ICH e CRESS-MG (Rosane, Fatine e Ludson).
Em seguida, Andréia Roseno fez uma Intervenção cultural - “Resistência
e ancestralidade”.
Heloisa
Greco (Bizoca), como membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e
Cidadania, fez a conferência “Crise Contemporânea e
os impactos na democracia”. Fechando o primeiro dia foi realizado o painel: “Os rumos
das políticas sociais e da democracia no Brasil: olhares e intervenções do
Serviço Social” com Andrêza Almeida Fernandes Alves (assistente
social no CAPS Lagoa Santa). Gustavo
Teixeira (assistente social no INSS) e Ludson Rocha Martins (assistente
social na Prefeitura de Nova Lima, graduado pelo Centro Universitário Una,
mestre em Serviço Social pela UFJF. 2° secretário do CRESS-MG).
A
seguir as questões abordadas na conferência “Crise Contemporânea e os impactos na democracia”,
que foi realizada no dia 22/05/2018.
→INTRODUÇÃO
A discussão do tema proposto - Crise contemporânea e os impactos na democracia – se desenvolve aqui a partir de dois blocos de questões que estão na base também do
tema geral da Semana - Tempos de radicalização e resistência:
caminhos para o fortalecimento da democracia na cena contemporânea. Os
dois blocos de questões são os seguintes:
1)
- A constatação de que o
grande complicador aqui no Brasil é que a construção da cultura repressiva é
tradição de longo prazo levada ao paroxismo pela ditadura militar e que esta tradição
se consolidou e continua prosperando nesta longa transição sem ruptura em
andamento.
O fim da ditadura militar (1964-1965) dá início à
transição do Estado de Segurança Nacional para o Estado Penal, verdadeiro nome
do mal chamado Estado democrático de direito instituído pela Constituição de
1988.
Evidencia-se total incompatibilidade
entre democracia e capitalismo – este senhor que não gosta de ser chamado pelo
próprio nome, com diz Brecht, e agora é chamado de neoliberalismo. Democracia e capitalismo são dois termos se anulam mutuamente. Democracia
representativa é “democracia” burguesa (plutocracia).
Vivemos sob um Estado de exceção permanente.
2) - Como enfrentar a
indefectível questão – O que fazer? –
com um barulho destes - nestes tempos sombrios de escalada do processo
de fascistização, de destruição continuada do espaço público, de militarização
do Estado e da sociedade e de feroz criminalização da resistência e das lutas
populares.
A
exposição foi baseada, livremente, no acúmulo de nossas elaborações e discussões
no Instituto Helena Greco – inclusive citando trechos de alguns documentos; em
autores lidos ou relidos recentemente; e em artigos e
elaborações de Heloisa Greco(Bizoca).
1) - Do Estado de Segurança Nacional ao Estado Penal
É necessário, primeiro, problematizar a palavra crise, um dos termos fortes do tema
proposto para esta conferência. O outro é democracia. Este será problematizado durante toda a exposição.
A palavra crise tem qualquer coisa de imponderável
porque oscila entre o pólo positivo e o pólo negativo ao longo da história. Gerd
Bornheim questiona a carga negativa hoje definitivamente incorporada ao termo,
a partir da sua etimologia, afirmando que a origem grega da palavra nada tem de
negativo: o verbo de origem é krino, que significa escolher,
separar, distinguir, discernir o verdadeiro do falso; a palavra krisis
quer dizer escolha, julgamento, sentença e também debate, disputa. São palavras ligadas à forma do pensamento, à
criação da filosofia e da ciência – afinal, à construção do conhecimento.
Sob o signo do que pode ser considerado a tendência hegemônica da
autodenominada pós-modernidade, no
entanto, o termo foi brutalmente alienado da sua origem e assumiu acepção apocalíptica: passou a designar o fim das grandes causas, o fim da luta de classes, o fim das
ideologias, o fim da razão, o fim das grandes sínteses, o fim das utopias – o fim da história.
Tudo
isto faz parte do processo pós-moderno
de estabilização defeituosa da história, segundo o qual a mera
possibilidade de se admitir uma alternativa real para o projeto hegemônico é desqualificada
como irreal, patológica, caótica, inadmissível.
E olha que o projeto hegemônico é o capitalismo no seu último avatar
dito neoliberal – fora dele não há salvação. Trata-se da combinação de duas espécies de
fundamentalismo: o do mercado total e o do pensamento
único. Trata-se também da
criminalização da reflexão, do debate, do dissenso, da polêmica: é a tirania do
não-há-o-que-discutir. O presente se torna perene e absoluto: não
existe passado nem futuro, não há mais para onde ir, não há memória.
Podemos
dizer que crise e capitalismo se
confundem a tal ponto que acabaram por se tornar sinônimos - a
crise é a maneira de governar na racionalidade capitalista conclui
Acácio Augusto citando Foucault.
Esta racionalidade
capitalista urdiu no Brasil os longos 21 anos de ditadura militar e os 33
anos de transição controlada, ainda sem desfecho - transição pactuada, sem
ruptura, emanada das entranhas – ou dos intestinos, como vocês preferirem - da
própria ditadura. O golpe de 1964 veio para consolidar o modelo autocrático-burguês de
transformação capitalista, a tal modernização conservadora do capitalismo,
ainda em andamento. [Aqui, em homenagem ao D.A. Serviço Social
nos apropripriamos das elaborações de Florestan Fernandes sobretudo na sua obra
antológica de 1975, A revolução burguesa
no Brasil].
Trata-se
de uma contrarrevolução ao
mesmo tempo autodefensiva e preventiva:
autodefesa, autoafirmação e
autoprivilegiamento - projeto burguês de instauração aberta de uma oligarquia coletiva das classes
possuidoras. Florestan Fernandes destaca a indigência da burguesia
brasileira: ela não tem a menor tradição republicana. Sua tradição é regressiva,
oligárquica, patriarcal, patrimonialista, escravocrata e autocrática. Tradição
forjada ao longo de quatro séculos de monocultura,
latifúndio e escravidão (aqui é Caio Prado Júnior) e manejo de um capitalismo comercial tosco. Acrescentem-se 5
séculos de aniquilamento dos Povos Originários – hoje em fase final de
extermínio. É este o
passado que nos cerca (de novo Caio Prado Junior) e que não deixou de ser passado.
O
programa da contrarrevolução
preventiva implementada pela ditadura militar soa assustadoramente
familiar, de uma atualidade gritante:
- perenização da dominação burguesa pura, sem
mediação;
- consolidação de uma nova forma de submissão e
alinhamento com o imperialismo, sobretudo o americano;
- aceleração e aprofundamento da acumulação
capitalista;
- maior vinculação com o capitalismo financeiro
internacional;
- militarização do Estado e da sociedade;
- repressão feroz aos inimigos internos: os(as) trabalhadores(a)s, as massas populares e
os(as) opositores(as) – armados(as) ou não; toda a sociedade é colocada sob
suspeição;
- montagem de gigantesco, tentacular e ubíquo
aparato repressivo com a função precípua de monitorar, reprimir, prender,
torturar, eliminar e fazer desaparecer os corpos dos inimigos internos; [ver os documentos da CIA sobre a ditadura
revelados no último dia 15/05];
- erradicação do perigo vermelho/combate cerrado ao comunismo internacional;
- defesa dos
pilares da civilização cristã – aí cabem todos os fundamentalismos.
A Doutrina
de Segurança Nacional, arcabouço
ideológico da ditadura, sistematizou este programa a partir de uma concepção
cujo paradigma é o terrorismo de Estado em nome da garantia do binômio segurança e desenvolvimento. Foi implementada a institucionalização
da tortura, do extermínio, da exclusão e do controle da memória enquanto métodos
de governo. E tudo veio embalado em canhestro repertório discursivo em tom de
ufanismo, otimismo e autoenaltecimentoo. São recorrentes os termos pacificação, conciliação nacional, generoso
consenso, bom senso, moderação, os quais serão reproduzidos quase
literalmente pelos diversos governos estabelecidos depois do fim da ditadura
militar, ao longo da transição pactuada.
Trata-se de projeto geral para a sociedade
atingindo-a em todas as suas malhas, mesmo as mais finas - em todos os aspectos
da vida coletiva, em todas as decisões políticas do país. Dispositivo
totalitário certamente – significa a interdição do exercício da política. Um projeto
de Estado, como diz Florestan Fernandes, em conexão histórica direta com o fascismo.
Importante reiterar que tortura, extermínio, exclusão e controle
da memória não são fenômenos recentes nestas plagas. Temos no prontuário 350
anos de escravidão, 500 anos de extermínio dos Povos Indígenas. Durante a
ditadura militar, no entanto, a tortura tornou-se mais do que método de
governo. Tornou-se política de Estado. Tornou-se também o lócus do estabelecimento de um regime de verdade. E continua como tal.
A longa transição política sem desfecho –
iniciada quando o último general saiu do poder (1985) – incorporou esta cultura
repressiva de longa duração levada ao paroxismo pela ditadura militar. Donde
incorporou a Doutrina de Segurança Nacional. O que é mais sinistro: tal
incorporação não é entulho a ser retirado: é elemento essencial constitutivo do
mal chamado Estado democrático de
direito.
Muitos chamaram
e chamam esta longa transição de redemocratização.
Preferimos chama-la de normalização do modelo
autocrático burguês de transformação capitalista (como Florestan Fernandes). Ou
de normalização
da exceção brasileira (Paulo
Arantes e Emir Ab’Sáber). Ou, ainda,
de normalização defeituosa
deste projeto de Estado (Irene Cardoso).
Realiza-se
assim o terrível telos da teoria de
Karl Schmitt, ideólogo do nazismo: a inscrição do Estado de exceção num
contexto jurídico para dar sustentação técnica e política ao totalitarismo de
mercado agora dito neoliberal. É este
o papel do judiciário. Daí o reacionarismo intransponível da magistratura como
um todo e dos tribunais ditos superiores em particular com destaque para o Supremo
Tribunal Federal. O mesmo que respaldou o impeachment
(golpe parlamentar), ungiu o governo Temer e consagrou a inimputabilidade dos
torturadores e assassinos de presos políticos (indeferimento da ADPF 153). São
proverbiais a sua subserviência perante o poder e o seu papel ex
oficio de garantidor da propriedade capitalista, do latifúndio e de
mantenedor das relações de dominação e opressão. É esta a lógica do judiciário no
Brasil: histeria punitiva para pobres e pretos, criminalização dos movimentos
sociais, da diversidade e das lutas dos(as) trabalhadores(as) e a mais total
impunidade (e até inimputabilidade) para os perpetradores de graves violações
de direitos humanos e crimes contra a humanidade – o Estado, seus asseclas e
seus agentes.
As
ditaduras são intrinsecamente transitórias. Elas têm prazo de validade por mais
longas e sangrentas que sejam, como foi o caso do Brasil. O Estado de direito/democracia representativa
é a melhor cobertura para o aprofundamento da exploração, opressão e
espoliação capitalistas. Ele garante a legitimação, a resiliência, a
sustentabilidade e a governabilidade da dominação burguesa – a possibilidade de
perenizarão. É sabido que a função
do direito é fazer com que a dominação não pareça violência. Consolida-se o modelo autocrático-burguês de
transformação capitalista de que falava Florestan Fernandes, projeto
que saiu vitorioso da longa ditadura militar brasileira.
Estamos em 2018 - ano do cinquentenário do
AI-5 e dos 39 anos da lei de anistia parcial. Continua marcado pela reciclagem
nefasta da Doutrina de Segurança Nacional. Permanece sem equacionamento todo o
contencioso da ditadura militar. A destruição do espaço público continua a ser
praticada. O controle da memória também.
A tortura e o extermínio se mantêm como sólidas instituições. O aparato
repressivo continua operante. São incrementados os instrumentos de violência
acumulados durante a ditadura militar. Os inimigos a serem abatidos são os
mesmos indesejáveis e as mesmas classes perigosas
e torturáveis de sempre.
O
Estado Democrático de Direito - sucedâneo do Estado de Segurança Nacional –
constitui-se cada vez MAIS em Estado Penal. Ele é racista, genocida, misógino e
tem horror à diversidade. É caracterizado por um dos maiores índices de desigualdade social e concentração de renda
do planeta, pela guerra
generalizada contra os pobres; pelo genocídio institucionalizado contra o Povo
Negro e os Povos Indígenas; pela política de encarceramento em massa: 3ª
população carcerária do planeta; 5ª população carcerária feminina.
O
Estado Penal vigente tem como paradigma a doutrina
da pacificação total (Eduardo Tomazine). Na verdade, o paradigma da
guerra: duas nações em confronto/corrida armamentista/demarcação do
território com bandeiras: viabilização de uma cidade dos megaeventos e dos
negócios/projeto do capital. As
UPPs, a naturalização das invasões dos morros e favelas pelas polícias e forças
armadas, a escabrosa intervenção federal/militar no Rio de Janeiro, o infame
projeto do SUSP/Sistema Único de Segurança Pública (já aprovado na Câmara dos
deputados no dia 11 de abril) e o desmonte das conquistas da lutas dos(as)
trabalhadores(as) da cidade e do campo, dos movimentos feministas, das comunidades LGBTs, da luta antimanicomial são
dispositivos totalitários que evidenciam verdadeira situação de barbárie:
política de extermínio/terrorismo de Estado; política de higienização e
eugenia; política de apartheid social e segregação.
As UPPS
constituem por excelência “o” projeto de reengenharia das cidades que se torna
política de Estado – campos de concentração a céu aberto/exacerbação do aparato
repressivo: normalização e naturalização do extermínio; execução em massa – no
atacado e no varejo – de jovens negros em nome da guerra contra as drogas. Baseiam-se
na Doutrina da Contra-insurgência (Afeganistão, Iraque Haiti). Trata-se da
generalização do paradigma da segurança como forma de governo. As UPPs como
projeto de cidade operam na lógica da cidade, da Parceria Público Privado do
Estado e dos gestores do capital: depois da invasão da polícia, a invasão dos
serviços – ou seja, serviços pagos. E também na lógica da captura e usurpação
da função dos profissionais do Serviço Social.
Nesta
lógica, aqueles que devem ser pacificados passam de consumidores clandestinos a
clientes: é a valorização capitalista das favelas por meio da ocupação
territorial permanente da polícia – não contra os traficantes, mas contra a
população/os moradores. Este é o sentido
da doutrina da pacificação: imposição
de um pacto desigual e desproporcional para a garantia da acumulação
capitalista neste novo avatar – o
neoliberalismo, ou melhor, o totalitarismo
do mercado/capitalismo de espoliação - garantia da nova dinâmica global da
acumulação capitalista. Esta prevê: trabalhadores(as)
sem terra, sem teto, sem emprego; institucionalização
da barbárie e do terrorismo de Estado/crescimento exponencial do terrorismo do
capital; rebaixamento do senso comum/aviltamento das relações de convivência; aprofundamento
do processo de fascistização e militarização do Estado.
O
evento farsesco do impeachment - o golpe parlamentar promovido pelo chamado Estado democrático de direito - e a
consequente instalação do governo espúrio de Michel Temer/Henrique Meirelles
imprimem a tal processo ritmo de escalada. O congresso que o levou a cabo é o
mais inepto, mais corrupto e o mais reacionário desde os tempos da ditadura
militar, sendo galvanizado pelo obscurantismo insuperável das bancadas
Boi/Bíblia/Bala/Jaula. Procedeu-se, então, o advento do governo direto, sem
qualquer tipo de mediação, do mesmíssimo bloco de classes responsável pelo
golpe militar de 1964, pela ditadura e pela transição política – donos de
empreiteiras, bancos, oligopólios industriais, latifúndios/agronegócios,
mineradoras e oligopólios midiáticos (encabeçados pela Folha de São
Paulo e a Rede Globo). Estes, aliados ao fundamentalismo
cristão e a protofascistas de todas as espécies (adeptos dos Cunha/PMDB,
Bolsonaro/PSC/PSL/Patriotas, Feliciano/PSC, Ronaldo Caiado/DEM, MBL et
caterva), se livraram do incômodo intermediário/aliado/cúmplice, o Partido dos
Trabalhadores (PT).
De nada valeu ao
PT – já a partir da Carta aos brasileiros (2002) - ter seguido
à risca a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI) e executado a mais
colaboracionista conciliação de classes e a mais subserviente cooptação dos
movimentos sociais e sindicais nos 13 anos em que atuou como gerente do Estado
burguês, ombro a ombro com PCdoB/PMDB/PR/PP e outros partidos de direita. De
nada valeu ao PT – antes, durante e depois do impeachment – incorporar a
ortodoxia do discurso neoliberal, inclusive usando e abusando da palavra
pacificação. De nada adiantou ao PT insistir em estabelecer alianças espúrias
com os golpistas. Primeiro em nome da governabilidade a
qualquer preço, depois na tentativa de salvar o mandato de Dilma Rousseff
dizendo-se em defesa da democracia – mas que democracia?
O projeto Temer em
andamento é a implementação do totalitarismo de mercado sem qualquer tipo de
escrúpulo. Trata-se de clássico golpe de classe: seu objetivo é retirar todos
os obstáculos interpostos à consecução – se possível, instantânea - dos
desígnios do mercado total cujo maior beneficiário é o capital financeiro.
Sabemos qual é a essência dos tão propalados ajuste fiscal e
superávit primário (controle de gastos públicos, reforma
previdenciária, reforma trabalhista e privatizações generalizadas) – carros
chefes deste projeto: arrocho salarial e desemprego implacáveis; aumento
exponencial da exploração e da opressão; desmonte radical das já sofríveis
políticas públicas de educação, saúde, moradia, saneamento básico, transporte e
assistência social; tentativa de aniquilação de todos os direitos conquistados
pelos(as) trabalhadores(as) ao longo de décadas; aumento da repressão aos(às)
trabalhadores(as) do campo em luta contra o latifúndio; esbulho das terras dos
Povos Indígenas e dos Quilombolas; aprofundamento radical da repressão policial
e militar com a naturalização do extermínio; privatização e militarização das
cidades a partir do modelo racista e segregacionista das UPPs; reforço da
criminalização das ocupações urbanas e rurais, dos movimentos sociais e das
manifestações populares; intensificação do genocídio do Povo Negro e das
populações indígenas; ofensiva reacionária sobre as lutas femininas/feministas
e as comunidades LGBTs.
O obscurantismo político
e cultural foi exacerbado com projetos infames como a Escola sem
Partido/Lei da Mordaça e a draconiana reforma do ensino médio –
leia-se precarização/ terceirização/privatização/mercantilização devastadoras
da educação - imposta por medida provisória. Tudo isto tem levado a
níveis insuportáveis o rebaixamento das relações de convivência e o aviltamento
do senso comum.
A burguesia, sempre
assombrada por crises, está permanentemente em busca de ajustes cirúrgicos a
serem pagos pelos(as) trabalhadores(as). O Estado penal
configura-se,então,em Estado de
emergência econômica permanente ou Estado oligárquico de direito com destaque para as
afinidades históricas entre capitalismo e exceção, entre Estado e crime
organizado/corrupção, como denuncia Paulo Arantes. Evidência empírica deste
quadro – aqui e agora - é a dantesca corrupção sistêmica, que abarca todas as
malhas do Estado, dos mercados e do capital e escancara a
promiscuidade e a retro alimentação que os interliga. Confirma-se o vaticínio
de Florestan Fernandes: vitória do modelo
autocrático-burguês de transformação capitalista.
A composição
do governo Temer reflete com clareza meridiana o conluio mercado total/Estado
penal. A ausência de mulheres e negros(as) já dá a medida. Mas vejamos os nomes
mais emblemáticos: o banqueiro Henrique Meirelles (Ministro da Fazenda),
o rei da soja Blairo Maggi (Ministro da Agricultura) -
sucedâneos respectivamente do Chicago boy Joaquim Levy e
da ruralista Kátia Abreu do governo Dilma -, o xerife Alexandre de
Morais (Ministro da Justiça) e o general Sérgio Westphalen Etchegoyen (chefe do
Gabinete de Segurança Institucional/GSI, que passa a comandar também a Agência
Brasileira de Inteligência/ABIN). Ou seja: a
militarização total do governo e do Estado.
Há o arsenal policial-legislativo:
continua em vigor a Lei de Segurança Nacional promulgada pela ditadura militar
(Lei 7170/1983), continua em vigor a Justiça Militar. A Constituição
Federal de 1988 que legitima as Forças Armadas como guardiãs da constituição. incrementou
o processo. E ainda:
* Legislação
repressiva atual:- LSN (1983) da ditadura militar;
- DEC.7974/2013,
Garantia da Lei e da Ordem;
- Lei de
Organizações Criminosas, agosto/2013;
- Lei de máscaras,
setembro/2013;
- Lei
antiterrorismo, março 2016 (gov. Dilma).
* Incremento
do aparato repressivo: Força Nacional de Segurança Pública (2004) e Guarda
Municipal armada e militarizada.
* 15/10/2017:
Temer sanciona o PLC de Espiridião Amin/PP que estabelece a Justiça Militar
como foro para julgar crimes de militares contra civis durante operações de
segurança pública (como no RJ e no ES).
2) - Agora, caminhando
para a conclusão: Como enfrentar a indefectível questão – O que fazer? – com um barulho destes - nestes tempos sombrios de
fascistização galopante, nesta situação de extremos?
É por estas e por outras que nunca é demais repetir
que a nossa luta e, mais particularmente, a luta pelos direitos humanos é,
ontologicamente, contra-hegemônica.
A nossa prática necessariamente tem que fazer
o exercício permanente de reflexão e da perplexidade sobre esta realidade para
que possamos desnaturalizá-la e transformá-la.
O que equivale a construir mecanismos de contrapoder, de contradiscurso
e de contramemória e resgatar disposição para a revolta para que a gente possa
se manter no campo da radicalização e da resistência – como propõe o
tema desta Semana – no campo da luta de classes. É preciso praticar a negação resoluta. Não podemos nos render à mera administração das iniquidades do capitalismo e às
limitações da democracia representativa/burguesa. Devemos construir a
democracia direta, que não passa pela representação de gabinetes, governos, Estado
e institucionalidade – a partir da base (abaixo e por fora) realizada/protagonizada
pelo povo (Trabalhadores/as e demais oprimidos/as e explorados/as) de forma
independente.
O caminho para isto é o combate
cerrado a este modelo de Estado forjado pela sacralização do mercado e da
propriedade cuja verdadeira face é o totalitarismo, como diz Chico de Oliveira.
É preciso praticar a negação resoluta.
Para
concluir, façamos a análise da seguinte forma: a dialética – para o bem ou para
o mal - mais cedo ou mais tarde joga a nosso favor. Onde há contradição,
há espaço para a luta. Na história, nada vem para ficar. Afinal, toda aquela reengenharia
política de Haussmann não conseguiu evitar as barricadas da comuna de Paris.
Lembremos que neste ano há o sinistro cinquentenário do AI-5. Mas nós
comemoramos o aniversário do maio de 1968, da Passeata dos 100 mil, das greves
de Contagem e Osasco. Há o aniversário das revoluções de 1848 - a primavera dos
povos. Um viva para os cinco anos das belas jornadas de junho de 2013.
Saudemos as Marielles, os Amarildos, os Rafael Braga.
Rendamos homenagem aos camponeses massacrados pelo latifúndio na chacina de Pau
D’Arco, Pará, que completa um ano agora (24 maio).
Atendamos o chamado de Franz Fanon à insurgência, ao dissenso,
à ruptura, à negação intransigente. Não
percamos de vista que continuidade e permanência, constituem dois lados da
mesma realidade – propriedade do tempo histórico – e também das geografias. Como diria Brecht:
“Fôssemos infinitos, tudo
mudaria.
Como somos finitos, muito
permanece.”
Foi Walter Benjamin, no entanto, o
primeiro a nos alertar para a situação de barbárie engendrada naquela meia noite da história, no começo de
1940, quando ele redige o clássico Sobre
o conceito de história, pouco antes de optar pelo suicídio, ao ver fracassada
a sua tentativa de escapar da Gestapo, na fronteira da França com a Espanha. É
ele que nos ensina que a prática revolucionária é a organização do pessimismo. Retomemos
ao pé da letra a sua Tese VIII:
“A tradição dos oprimidos nos ensina
que o ‘Estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos
construir um conceito de história que corresponda a esta verdade. Neste
momento, percebemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de
exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este
se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do
progresso, considerado como norma histórica. O assombro com o fato de que o
episódio que vivemos no século XX ‘ainda’ sejam possíveis, não é um assombro
filosófico. Ele não gera nenhum
conhecimento, a não ser o conhecimento de que na concepção histórica da qual
emana semelhante assombro é insustentável.”[1]
Belo Horizonte,
02 de junho de 2018
Instituto Helena Greco de Direitos
Humanos e Cidadania
[1] BENJAMIN, Walter. Obras
escolhidas Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993 (6ª ed.), p. 226.
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