terça-feira, 14 de agosto de 2018

DEBATE NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO - UEMG SOBRE A DITADURA

 Imagem: palestra e debate sobre a ditadura militar no Brasil realizados no dia 25/06/2018 - Foto/Fonte: Fae - UEMG

NOTÍCIA DO DEBATE NA FAE - UEMG SOBRE A DITADURA NO BRASIL 
(1964 – 1985)
        Foi realizada na Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE - UEMG), no dia 25 de junho de 2018, das 13:00 às 15h, palestra seguida de roda de conversa sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985). O debate constituiu atividade do projeto interdisciplinar que congrega as/os professoras/es do 1º período do Curso de Pedagogia. A escolha do tema foi das/os estudantes, o que reflete a preocupação com a garantia de um espaço acadêmico voltado para o exercício da reflexão, da crítica, do questionamento, do dissenso. 
        Depois da palestra de Heloisa Greco (Bizoca), que participou como membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, houve intensa interação de estudantes e professoras/es na roda de conversa. Toda a discussão girou em torno da necessidade de lutar contra o que restou da ditadura militar e da necessidade de transformar a realidade na qual vivemos.
        Agradecemos o convite e a presença de todas e todos. A seguir, o conteúdo da palestra A ditadura militar no Brasil.
Introdução / Dinâmica
          Nosso objetivo aqui, como nos foi transmitido pela Profa. Daniela Passos, é  buscar entender o contexto atual levando em conta o que aconteceu no passado: problematizaremos as aproximações entre o golpe militar de 1964 e o tempo presente. Vamos nos basear, livremente, nos capítulos 1 e 2 da tese de doutorado de Heloisa Greco[1], no acúmulo das nossas elaborações e discussões no Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania e em autores lidos ou relidos recentemente.
        Organizarmos a discussão a partir de três blocos de questões:
    1)   Construção da cultura repressiva no Brasil: processo histórico de longa duração;
    2)  Caracterização da ditadura militar brasileira: a cultura do simulacro
   3)  Reatualização da discussão a partir do combate ao Estado de exceção permanente ao qual estamos todas/os submetidas/os - as marcas deixadas pelos 21 longos anos de ditadura militar e pelos 33 longos anos de transição controlada, ainda sem desfecho.
      1) A construção da cultura repressiva no Brasil: processo histórico de longa duração
        A história da República brasileira tem sido o que Henrique Samet chama com muita propriedade de construção da brasilidade excludente, uma ideologia baseada no pressuposto de que “Estado e nação precisam de povo, mas não obrigatoriamente de cidadãos”.  A exclusão estrutural e seus parceiros inseparáveis - a opressão econômica e o exercício da violência institucional - seriam a própria razão de ser da nacionalidade brasileira. Uma nacionalidade sem cidadania[2]forjada em nome da manutenção dos interesses das oligarquias dominantes.
        Caio Prado Junior identifica o núcleo duro deste processo no binômio herança escravocrata / estrutura fundiária baseada na grande exploração agrícola.  Trata-se, segundo ele, “daquele passado que parece longínquo, mas que nos cerca de todo lado” - “o passado que nos fez”[3]O Brasil contemporâneo é resultado dessa herança do escravismo, que se manifesta na desigualdade intransponível e na dominação irrestrita[4] geradas por uma economia presa desde o século XVI ao capitalismo europeu e assentada sobre o trabalho escravo.
        Com a construção do Estado nacional ao longo do século XIX confirma-se a hegemonia política das elites dirigentes. Consolida-se a legitimação da brutal desigualdade da sociedade escravista e a preservação das raízes portuguesas e da monarquia tida como única garantia da ordem, da unidade e da identidade nacionais[5] .  A nação foi construída segundo a imagem e semelhança das classes senhoriais latifundiárias e escravocratas: só elas tinham as prerrogativas da liberdade (leia-se propriedade). O resto da sociedade deveria ser mantido meticulosamente alijado - os mundos deveriam ser conservados rigorosamente separados.
        Tal construção se realiza através de um conjunto de representações - o que Cecília Coimbra chama de “constituição de subjetividades”[6] e Carlos Fico de “repertório de imagens e ideias que definem o Brasil”. Tal processo acabaria por configurar “um imaginário muito difícil de ser abalado”[7]Fico destaca a instituição do índio como símbolo da identidade nacional, resultado da combinação do “amálgama das três raças” - apontado por Von Martius[8] como núcleo da singularidade do país - com o indianismo do nosso romantismo literário[9].
        Este mito fundador da brasilidade, que é também “mito sacrificial” (Alfredo Bosi), fabrica uma das mais persistentes falácias das matrizes explicativas da nossa singularidade: aquela que define a boa índole, a cordialidade, a passividade e a informalidade como características ontológicas da população.  Esta questão é tipificada no homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda[10], o qual simboliza uma sociedade marcada pela promiscuidade entre público e privado com franco favoritismo do segundo em detrimento do primeiro. O homem cordial não se adequa de forma alguma à esfera pública: ele representa, ao contrário, o protótipo (arquétipo?) do não-cidadão; o seu locus  é a esfera do privado[11]. Subalternidade e heteronomia são alçadas ao estatuto de virtudes nacionais. A docilidade brasileira é colocada como representação de outra falácia: a docilidade da dominação.  A violência do opressor é ao mesmo tempo negada e legitimada como necessidade histórica, condição para a consecução de um bem maior: a moral, a religião, os bons costumes, a modernidade, a civilização - enfim, a construção da ordem. 
        Com o advento da República, a noção de excludência continua na centralidade.  Os fundamentos ideológicos anteriores são amplificados, devidamente adaptados à transição da ordem escravocrata para a ordem burguesa. Os criadores culturais do Estado e da nação republicanos realizam o princípio basilar dos colegas que os precederam – a interdição da incorporação das massas populares à sociedade brasileira. A lógica segregacionista dos urbanistas e da modernização produz modelos espaciais sempre baseados na exclusão. Seu objetivo primordial é proteger as elites contra as multidões.  A Cidade – representação da nação – tem cada vez mais a cara dos donos: ruas e praças são consideradas “áreas de risco”, “a grande escola do mal”[12] - objeto de regulação e quadriculação permanentes.  É nesse contexto de criminalização dos espaços públicos que se dá a emergência do conceito de classes perigosas.  
        As classes perigosas são as eternas classes indesejáveis, compostas por subversivos, marginais e desclassificados de todos os matizes, todos no mesmo balaio.  A noção de periculosidade incide sobre os excluídos históricos - o conjunto dos inimigos da ordem.  Estes não podem ser tolerados na versão  positivista da brasilidade excludenteOrdem e Progresso. Trata-se da construção do processo de estigmatização das classes populares e dos movimentos sociais enquanto suspeitos permanentes, fenômeno tão familiar para nós do final da segunda década do chamado terceiro milênio.
         Mais uma vez está colocada a necessidade histórica da violência – e da quadriculação – em nome da construção da ordem, que passa a ser materializada na montagem paulatina de aparelho repressivo policial e político inspirado ao mesmo tempo na violência da tradição escravocrata e no cientificismo então em voga. Haveria que se garantir a maior eficiência possível no combate ao perigo maior – as massas populares.  A matriz discursiva desse conjunto de representações articula “contaminação, nocividade e subversão” [13] a partir da semântica biologizante adotada pelo movimento higienista[14], cujo determinante racista foi levado aqui às máximas consequências: o alvo principal desta política é a massa de ex-escravos, estorvo e ameaça constantes[15], cuja incorporação ainda constitui problema no Brasil.
          Vem do higienismo brasileiro a noção de periferia social, geográfica e demográfica e o estabelecimento de fronteiras profiláticas separando as zonas civilizadas das zonas selvagens para evitar o alastramento da degradação moral inerente às classes perigosas. Vem daí também o “discurso da invasão”, o qual estabelece que a nocividade da população nativa sem defesa (anticorpos) é transmitida pelo estrangeiro (corpo estranho), vetor de decadência e subversão.   Seu desdobramento é o que Henrique Samet considera o próprio “cerne da construção da brasilidade excludente”: espaço para a criação de conceitos que compreendem a existência do inimigo interno e a necessidade de sua eliminação[16].     
        São implantados a violência bruta como medida de assepsia social e o tratamento da questão social como caso de polícia[17].  A massa de ex-escravos, os pobres, os miseráveis, os indigentes, os marginais - que sempre constituíram a maioria da população - nunca deixaram de viver sob o jugo da exceção e do terror. Este se manteve em todas as formas de regime político, constitucionais ou ditatoriais.
        Eliane Dutra aponta a existência de uma “disposição totalitária” no Brasil dos anos 1930 (Getúlio Vargas), a qual deixou marcas e efeitos renitentes[18]. Esta disposição totalitária se concretiza na montagem de aparelho repressivo adequado à mais extrema violência policial e política e de  gigantesca máquina de propaganda - monopolização dos meios de comunicação , instrumentalização  da instrução pública e regulação  vida cultural pelo Estado. Não por acaso o primeiro partido nacional de massas, que atuou legalmente no país de 1932 a 1938, vem a ser a Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, de doutrina abertamente fascista[19].
        Florestan Fernandes afirma que, desde a década de 1930, “... as classes e estratos de classe burgueses desenvolveram uma solidariedade de classes que se tornou abertamente totalitária e contrarrevolucionária, em suma, o fermento de uma ditadura de classe preventiva”, que se efetivaria com o golpe de 1964[20].
      2) Caracterização da ditadura militar brasileira: a cultura do  simulacro
         A que veio, então, o golpe de 1964? Trata-se da implementação do projeto de modernização conservadora e acelerada do capitalismo no Brasil, baseado na “compulsão no sentido de aprofundar a estruturação monopolística da economia”: aceleração das taxas de acumulação, do processo de concentração da renda e da exploração da mais valia cuja contrapartida é a “aceleração da desigualdade”[21]. Daí o aumento exponencial da miséria e da opressão - projeto tornado possível através da mais terrível repressão contra as/os trabalhadoras/es e o povo. Também para Francisco de Oliveira, o pós-64 é uma contrarrevolução. É aí que está “sua semelhança mais pronunciada com o fascismo, uma combinação de expansão econômica e repressão”[22]. Assim, a brasilidade excludente é metamorfoseada em modernização excludente[23]. Como diz Florestan Fernandes, trata-se da implementação do projeto permanente da burguesia: a consolidação do modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. Uma contrarrevolução autodefensiva e preventiva – autodefesa/autoafirmação/autoprivilegiamento. A burguesia brasileira é historicamente regressiva, oligárquica, patriarcal, escravocrata e autocrática.
        O programa da contrarrevolução preventiva garantida pela ditadura militar soa assustadoramente familiar. Sua atualidade é gritante:
- perenização da dominação burguesa nua e crua, sem mediação;
- consolidação de nova forma de submissão e alinhamento com o imperialismo, sobretudo o americano;
- aceleração e aprofundamento da acumulação capitalista;
- maior vinculação com o capitalismo financeiro internacional;
- militarização do Estado e da sociedade;
- repressão feroz aos inimigos internos: as/os trabalhadoras/os, as massas populares e as/os opositoras/os – armadas/os ou não;
- montagem de gigantesco, tentacular e ubíquo aparato repressivo com a função precípua de monitorar, reprimir, prender, torturar, matar e fazer desaparecer os corpos dos inimigos internos;
- erradicação do perigo vermelho/combate cerrado ao comunismo internacional, defesa dos pilares da civilização cristã – aí cabem todos os fundamentalismos.
        Para garantir esta modernização conservadora do capitalismo, o Estado de Segurança Nacional implantado com o golpe de 1964 procede ao arremate do processo de longa duração de consolidação no Brasil da nacionalidade sem cidadania. Seu paradigma é o terrorismo de Estado: urgia destruir todas as conquistas da lutas das/os trabalhadoras/es desde os anos 1900. O arcabouço ideológico do Estado de Segurança Nacional (ESN) é a Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Esta se baseia no desmonte metódico do espaço público e veio para atualizar a disposição totalitária que já apontamos. A DSN não se limita à Lei de Segurança Nacional, que é apenas um de seus instrumentos jurídicos, como os atos institucionais, os decretos-leis, os decretos secretos. Trata-se de projeto geral para a sociedade. Compreende todos os aspectos da vida coletiva e todas as decisões políticas do país.  Seus princípios, sintetizados por Golbery do Couto e Silva, principal ideólogo da ditadura militar, são os seguintes: o Ocidente como ideal; a ciência como instrumento de ação; o cristianismo como paradigma ético. A partir do combate ao comunismo internacional, adota-se o conceito de “guerra de subversão interna” e a noção de “fronteiras ideológicas” em oposição a “fronteiras territoriais”. É, assim, estatuída a categoria de “inimigos internos” cuja contenção e eliminação se tornam a razão de ser do Estado de Segurança Nacional
        A Doutrina de Segurança Nacional sofreu influência direta das Forças Armadas dos Estados Unidos no contexto da guerra fria. Sua elaboração e difusão são de responsabilidade da Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949. Esta, a partir de 1964, passa a ser o grande celeiro de quadros para a ditadura.  Em 1951 foi criada a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), órgão de vinculação permanente dos ex-estagiários da ESG, os quais funcionam como multiplicadores. Uma de suas características fundamentais é a organicidade entre empresários e militares (vide IPES e IBAD). São produtos da ESG o Serviço Nacional de Informações (SNI), um curso de informações (1965-1972) e boa parte da legislação da ditadura [24].
        A definição da nação como sujeito da história é um dos principais traços totalitários res-significados pela Doutrina de Segurança Nacional.  A nação, universal abstrato representado pela “Revolução vitoriosa”, é sujeito exclusivo e sujeito absoluto.  Esta representação opera um sistema de inversões político-ideológicas, como analisa Marilena Chauí, que se manifesta na ênfase dada à noção de legalidade e legitimidade, levando à sua profunda subversão e à institucionalização da tortura, a qual se torna a mais genuína representação do Estado de Segurança Nacional. O terror é a pedra de toque da Doutrina de Segurança Nacional, que consolida de vez o conceito de inimigos internos – todas e todos que fazem algum tipo de oposição ao regime - e a necessidade de sua eliminação. Toda a população é colocada sob suspeição.
        Para eliminar os inimigos internos é montado um aparelho repressivo estruturado em três grandes sistemas[25]: o SISNI (Sistema Nacional de Informações), o SISSEGIN (Sistema de Segurança Interna) e a CGI (Comissão Geral de Investigações).  O SISNI, instituído em 1970, é integrado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI, criado em maio de 1964), pelos Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios Civis, Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios Militares, Subsistema de Informações Estratégicas Militares (SUSIEM) e por outros órgãos setoriais.  O papel do SNI, seu órgão central, é a produção e coordenação das atividades de informações em todo o território nacional e no exterior, sobretudo nos países do Cone Sul da América Latina, o que configura a montagem de uma internacional da repressão, com destaque para a Operação Condor e para a forte presença oficial dos EUA.  O SNI é protegido por legislação especial contra todo e qualquer controle externo.  Seu chefe tem status de ministro e faz assessoria direta ao presidente (?) da república. O SISSEGIN é o sistema repressor por excelência, instituído por diretrizes sigilosas (decretos secretos) do Conselho de Segurança Nacional aprovadas pelo presidente (?) da República. Articula organicamente a Polícia Federal, os DOPS estaduais, os centros de informação de cada uma das três armas – Cie (Exército), Cenimar (Marinha) e Cisa (Aeronáutica) – e o Estado Maior das Forças Armadas (EMFA).  É estabelecida também relação sistemática com grupos paramilitares e parapoliciais clandestinos e semiclandestinos, especialmente o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o Movimento Anticomunista (MAC) e o Esquadrão da Morte.  A criação da Operação Bandeirante (OBAN) em 1969, em São Paulo, pelo governo Abreu Sodré associado a grandes grupos empresariais, serviu de referência para a implantação dos Destacamentos de Operações e Informações e Centros de Operações e Defesa Interna (DOI-CODIs), em janeiro de 1970.  Estes comandos são centralizados no Exército e englobam as outras duas armas.  Além disso, o Decreto-lei 667 de 2 de julho de1969 regulamenta  as polícias militares de todo o país, submetendo-as diretamente ao Estado Maior do Exército através da Inspetoria Geral da Polícia Militar, transformando-as, assim,  em apêndices dos  CODIs.  A policia civil já havia feito o giro  para a repressão política.  Está dada, assim, a configuração definitiva do aparelho repressivo da ditadura militar, cuja estrutura básica até hoje continua montada. O Sistema CGI foi concebido como tentativa de realização do discurso pretensamente legitimador dos golpistas, que vinculava subversão, comunismo e corrupção.  Foi criado em dezembro de 1968, logo depois do AI-5, no âmbito do Ministério da Justiça; foi extinto no final do governo Geisel (1978).
        Esta “estrutura policial-burocrático-totalitária”[26]  formalizou a convivência dos trâmites jurídicos e burocráticos com os porões da ditadura: “à confissão na cadeira do dragão[27]  sucedia ou o inquérito policial ou o ritual processual da justiça militar que formaliza as acusações obtidas ilegalmente” [28]. Chegamos, assim, aos elementos essenciais da ditadura militar, compreendidos no binômio violência e terror acondicionado no invólucro do simulacro de legalidade (Irene Cardoso). É esta a tradução do slogan oficial ‘Desenvolvimento e Segurança’, título da revista da ADESG e lema do governo Médici (1969-1974)[29]. O Estado de Segurança Nacional institucionaliza a tortura adotando-a como método de governo/política de Estado e tornando-a a instituição central da ditadura militar.
        O Projeto ”Brasil: Nunca Mais” (BNM) reproduz a totalidade dos processos contra presos políticos na instância do Superior Tribunal Militar (1964-1978) com os depoimentos das 1 843 pessoas (2 847 páginas) que fizeram em juízo a denúncia das violências que sofreram. Em três volumes (Tomo V, v. 1, 2 e 3 As torturas) são descritas as torturas sofridas por estas pessoas e listados cerca de 260 tipos de tortura e 246 centros de tortura ativos durante a ditadura.  O BNM chega à seguinte conclusão:
        ... a leitura dos relatos das vítimas serve como refutação dos argumentos geralmente usados no sentido de fazer crer que as violências nos organismos de repressão policial-política eram excessos de uns poucos. Na verdade os relatos trazem consigo a convicção inabalável que a aplicação da tortura havia sido deliberadamente determinada e adotada, fazendo parte essencial do aparelho de repressão montado pelo Regime Militar. Decorre dos testemunhos a certeza de que o uso da tortura contra opositores políticos é parte integrante dos regimes calcados na Doutrina de Segurança Nacional.
        Quanto a isto, o manual confidencial de interrogatório do Centro de Informações do Exército (Cie), produzido em 1971 sob a responsabilidade do gabinete central Ministério do Exército, não deixa margem para dúvidas.  Nele pode-se ler o seguinte:
        Uma agência de contrainformação não é um Tribunal da Justiça.  Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques.  Disso se conclui que o objetivo  de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a Justiça Criminal processá-los;  seu objetivo é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário, frequentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência.  É assaz importante que isto seja muito bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do direito[30].
        Os atos institucionais constituem a representação mais evidente da radical distorção da noção de legalidade imposta pela ditadura. São eles figuras jurídicas anômalas de competência exclusiva do presidente (?) da república, que passam a representar a nova constitucionalidade do Estado.  São em número de dezessete, tendo sido editados de abril /1964 a outubro/1969.  O AI – 1(9 de abril de 1964)  e o AI-2 (27 de outubro de 1965), depois incorporados à Constituição de 1967,  instituem o Estado de Segurança Nacional e institucionalizam a figura do inimigo interno  da  Doutrina  de Segurança Nacional.   O AI – 5 (13 de dezembro de 1968) é o mais discricionário deles outorgando ao presidente (?) da república poder absoluto sobre a Federação e sobre os outros dois poderes, extinguindo sumariamente direitos civis e políticos, inclusive o habeas corpus para crimes políticos.  Institui o terrorismo de Estado, garante a impunidade deste e de seus agentes, sendo o único a não ter prazo para acabar.   Foi extinto em dezembro/1978, mas boa parte de seus dispositivos foram incorporados, sob a forma de salvaguardas políticas, à constituição e à nova Lei de Segurança Nacional (Lei 6 620, de 17 de dezembro de 1978). Segundo Irene Cardoso, esta preocupação com a legalidade e a legitimidade “incorpora um traço dos regimes totalitários: (...) uma aparência de normalidade deve ser mantida para que a sua eficácia se realize. Tudo deve aparecer como verossímil, mesmo que a verossimilhança seja construída a partir de um simulacro”.
        Trata-se de uma ditadura que não se assume enquanto tal. Isto fica evidente, como aponta Carlos fico, no caráter apócrifo de sua propaganda, constituída por peças não assinadas, atribuídas ao conjunto da sociedade. Os inimigos e o público-alvo não são nomeados. O esquema é ancorado na combinação da mística do Brasil grande com a mística do amor, da esperança, do otimismo, da ausência de conflitos e da conciliação - isto tudo numa conjuntura de repressão sangrenta e rigorosa censura. Segundo Fico, essa propaganda se apropria de vasto  material histórico de longa duração constituído sobretudo pelas matrizes ideológicas do Estado Novo: exuberância natural, democracia racial, congraçamento social, integração nacional, passado incruento, alegria  e festividade do povo brasileiro.  A Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), criada pelo Decreto 62 119, de 15 de janeiro de 1968, coordena esta operação de construção de uma “teoria de Brasil” baseada na autolegitimação e no auto-reconhecimento[31]. 
         A busca compulsiva de legitimação a partir de pretensa legalidade e de êxitos no campo econômico produz efeitos deletérios: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada intelligentsia vão dar conta de fazê-lo.  Daí o caos terminológico promovido pela hegemônica teoria do autoritarismo, de que falava Florestan Fernandes: nele têm vida longa termos como regime autoritário, regime militar, movimento militar, movimento cívico-militar, regime burocrático-militar, regime burocrático-autoritário. A palavra ditadura é cuidadosamente evitada, ou só empregada, mesmo hoje, com alguma parcimônia.
         Repressão generalizada, tortura institucionalizada, prisões clandestinas, assassinatos e desaparecimentos políticos, censura em todos os níveis, aniquilamento dos canais de expressão e manifestação, militarização da guerra contra a subversão - uma parte do mundo comum simplesmente vai se perder neste quadro. Implementa-se a demolição dos espaços e instâncias tradicionais de  militância política e sociabilização[32]:  liquidação dos sindicatos e dos movimentos de trabalhadoras/es rurais e urbanas/es;  dissolução dos partidos políticos  e das agremiações culturais;  proscrição das entidades estudantis;  descaracterização do legislativo, militarização do judiciário – e desqualificação de ambos -  paralelas à hipertrofia do executivo;  controle draconiano de fábricas, escolas e universidades;  interdição das manifestações de rua; tentativa de aniquilação  das oposições de esquerda, armadas ou não. O consequente enclausuramento dos indivíduos na esfera privada alimenta uma cultura da desconfiança e do medo.
         Esta política de desertificação social começa a mostrar sinais de esgotamento - mas ainda com boa reserva de fôlego - a partir de meados da década de 1970, sob a égide dos dois últimos generais- ditadores, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Batista Figueiredo (1979-1985).  A insatisfação da sociedade, demonstrada de forma inequívoca pela vitória plebiscitária da oposição consentida nas eleições de 1974, pode ser atribuída às seguintes motivações[33]:
- deslegitimação da repressão aos olhos das classes médias - cujos filhos perdem a imunidade e se tornam alvos do aparelho repressivo sobretudo a partir de 1968 - reforçada pela configuração de situação de ausência de inimigos plausíveis com a dizimação  da guerrilha e  da oposição não-institucional, armada ou não;
- multiplicação no país e no exterior de denúncias dos crimes da ditadura militar (a situação dos presos políticos, exilados e banidos; a questão da tortura, dos assassinatos e desaparecimentos) e consequente aumento da pressão nacional e internacional no sentido da apuração e punição dos responsáveis[34];
- publicização de escândalos no primeiro escalão, envolvendo diretamente o próprio  ditador Geisel (caso Lutfalla);
- desmistificação do chamado milagre brasileiro com a agudização de sua essência real: inflação galopante, recessão, opressão econômica, arrocho salarial, crescimento exponencial da dívida externa, aumento brutal dos níveis de miserabilidade.
A conjuntura que se abre, então, é marcada pelo despertar dos setores médios[35] - como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – além da insurgência da ala progressista da hierarquia da Igreja Católica, que tem representação significativa na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nesta fase ainda não há mobilizações de massa, à exceção do movimento estudantil que reinicia as greves a partir de 1975 e começa a romper os limites dos campi universitários.  Neste ano é desencadeada também a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita com o lançamento do Manifesto da Mulher Brasileira pelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), organizado primeiro em São Paulo sob o comando de D. Terezinha Zerbini. Foram constituídos núcleos em Minas Gerais (presidido por D. Helena Greco), Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Sergipe, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Cabe, às mulheres, portanto, o pioneirismo na luta pela anistia; mais uma vez são elas que jogam o papel de vanguarda na história. O MFPA acumula forças e abre espaço para a constituição dos Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs).  Num primeiro momento, são as mães, irmãs, companheiras e filhas dos atingidos que se aglutinam em torno de um objetivo comum – a busca dos familiares desaparecidos ou a defesa dos familiares presos.  Em seguida a luta pela Anistia vai se ampliar, politizar e envolver os mais diversos setores da sociedade em combate aberto à ditadura atingindo-a no seu âmago: a Doutrina de Segurança Nacional. É importantíssimo o protagonismo das/os presas/as políticas/os e das/os exiladas/os e banidas/os que levaram a luta para os países que as/os acolheram.
Uma nova conjuntura se abre em 1977-1978, agora com a retomada das manifestações de massa.  É o tempo das grandes greves dos metalúrgicos do ABCD paulista, que contagiam outras categorias (professores, construção civil, médicos, funcionários públicos, bancários, petroleiros, carreteiros).  A mobilização estudantil se faz definitivamente extramuros, em torno da recriação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e das Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) – as entidades de base (Centros de Estudo, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais de Estudantes) foram reconstruídas ainda durante os chamados anos de chumbo, na primeira metade da década de 1970.   Rearticula-se o movimento popular em torno da luta contra a carestia.  As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as comissões pastorais populares potencializam o peso político da Igreja Católica. É neste contexto que a luta pela Anistia ganha as ruas, a partir das mobilizações impulsionadas pela criação dos Comitês Brasileiros de Anistia (1978) Brasil adentro e afora.
        A repressão é levada a mudar de tática para assegurar a perpetuaç voltando a utilizar as instalações oficiais do aparelho de Estado e incrementando a sua articulação com grupos parapoliciais e paramilitares. No período imediatamente anterior, quando foi criada a figura dos desaparecidos políticos, eram usadas prioritariamente instalações clandestinas, “devidamente equipadas e adaptadas para toda sorte de torturas”[36] onde os presos políticos eram mantidos e interrogados depois de terem sido sequestrados.  Existiam dezenas em funcionamento no Brasil, sobretudo entre 1969 e 1975.  Com a extinção definitiva da esquerda armada, os órgãos repressivos se voltam mais uma vez para o reformista Partido Comunista Brasileiro (PCB); para o que sobrou do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) depois do massacre contra a guerrilha do Araguaia (1972-1974), onde foram assassinados 69 guerrilheiros; e daí para organizações menores (1977) como o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP).  O giro é dado, sobretudo, em direção às lutas das/os trabalhadoras/es e dos movimentos sociais.   Entidades legais, órgãos da chamada imprensa alternativa e até as bancas de revistas que os vendiam tornam-se objeto prioritário do aparelho repressivo e das organizações terroristas intimamente vinculadas a ele, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o Movimento Anti Comunista (MAC), o Grupo Anti Comunista (GAC), o Comando Delta, a Falange Pátria Nova, a Aliança Anticomunista Brasileira  et caterva[37]De 1977 a 1981, ocorrem cerca de 100  atentados em todo o país, contemplados com a mais completa impunidade: não houve apuração das responsabilidades ou qualquer tipo de punição,  poucos foram os inquéritos abertos e nenhum deles prosperou.  Belo Horizonte foi palco de trinta e seis atentados, mais de 1/3 do número total estimado - o movimento pela anistia foi alvo de meia dúzia deles[38] e de intimidações diversas (bilhetes, cartas, divulgação de documentos apócrifos, telefonemas obscenos, ameaças, violações de correspondência, provocações de todos os gêneros). Os episódios da OAB-RJ (27/agosto/1980) e do Riocentro (30/abril/1981) têm maior repercussão porque, no primeiro caso, a secretária que recebeu a carta-bomba, D. Lida Monteiro da Silva, morreu em consequência da explosão. No caso Riocentro revela-se o comprometimento do Exército e do aparelho de Estado com este tipo de prática. O flagrante foi toscamente descaracterizado. A bomba explodiu literalmente no colo dos terroristas que a levavam, dois militares do DOI-CODI/RJ, matando um e mutilando o outro.  O inquérito foi aberto, mas sumariamente esvaziado e concluído. 
Assim, o terrorismo de Estado continua ativo: além de Vladimir Herzog (25/outubro/1975), Manoel Fiel Filho (17/janeiro/1976) e dos três dirigentes do PCdoB executados na Chacina da Lapa (16/ dezembro/1976), doze militantes foram mortos pela repressão entre 1975 e 1980 e houve nove desaparecimentos políticos ( incluindo dois argentinos). Entre os mortos, estão três metalúrgicos (Benedito Gonçalves, Guido Leão e Santo Dias da Silva), um operário da construção civil (Orocílio Martins Gonçalves) por participarem de mobilizações grevistas e quatro líderes sindicais rurais em áreas de conflito de terra (Raimundo Ferreira Lima e Wilson de Souza Pinheiro e Margarida Maria Alves, esta morta em 1983). Destaca-se ainda o caso pouco conhecido de Pedro Jerônimo de Souza, também militante do Partido Comunista Brasileiro, morto no DOI-CODI de Fortaleza um mês antes de Herzog (17/setembro /1975), em circunstâncias similares: suicídio por enforcamento com a própria toalha de rosto[39]. E mais: no final de 1978, os uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias foram sequestrados em Porto Alegre por policiais brasileiros em operação conjunta com a repressão uruguaia.  A denúncia deste caso constitui uma das principais campanhas dos CBAs.
O governo Geisel vai enfrentar as duas conjunturas apontadas – o despertar das classes médias (1974-77) e a retomada do movimento operário e popular (1977-78) - com a combinação de quatro tipos de procedimento:
- ofensiva no sentido de regulação do aparelho repressivo, na tentativa de garantir sua previsibilidade e refrear a tendência à autonomização – as medidas concretas se limitam à divisão da sua competência com o poder judiciário e a Procuradoria Geral da República; o objetivo não é a desativação, mas o controle. O aparelho repressivo, sobretudo a comunidade de informações, é incrementado neste período[40];   
- contenção de toda e qualquer veleidade de radicalização da oposição institucional, o que é demonstrado pela onda de cassações em 1977-78, verdadeira operação de saneamento do legislativo com expurgo da chamada oposição autêntica;
- todo rigor em relação à oposição não institucional – o movimento estudantil e o movimento das/os trabalhadoras/es são os mais atingidos: a tentativa de realização do III Encontro Nacional de Estudantes em Belo Horizonte (junho/1977) e a sua realização clandestina na PUC/SP em 1978 são ferozmente reprimidas;  o dec.-lei 1632, de 1978, se superpõe à Lei de Segurança Nacional proibindo as greves nos setores essenciais, incluindo aí os bancários;
- ofensiva de cooptação de setores da sociedade civil, aqueles considerados domesticáveis e formadores de opinião como OAB, ABI, CNBB, SBPC.
A ditadura procura se normalizar com o projeto de consolidação do regime cujo núcleo é o assim chamado generoso consenso proposto pelo general Geisel. Ele preconiza a abertura lenta, gradual e segura; a construção de “um consenso básico e de salvaguardas eficazes para a institucionalização acabada dos princípios da Revolução de 64 e a implantação definitiva de nossa doutrina revolucionária” [41].  Trata-se, portanto, de esquema de negociação interna – entre os blocos que participam do poder - cuja contrapartida é o reforço da criminalização daqueles que estão de fora, da interdição do dissenso, da exclusão  das oposições não consentidas ou não domesticáveis.
        A centralidade deste projeto é a garantia de governabilidade, entendida naquele momento como necessidade de substituir a violência explícita pela coerção legalizada sem abrir mão do “potencial de ação repressiva” acumulado, o que se daria através de medidas a serem incorporadas à constituição.  O controle total das manifestações políticas com o seu emparedamento nos estreitos limites do parlamento e das agremiações partidárias e o “minucioso estabelecimento de garantias para o exercício cotidiano do poder”[42] constituem as principais preocupações. Avança o processo de normalização defeituosa (Irene Cardoso), marcado por um projeto de abertura política gerado em contexto de encolhimento severo do espaço público e concebido para impedir a reconstituição e reocupação do mesmo[43].
        O ditador Geisel menciona também certa “imaginação política criadora” a qual certamente está na base do Pacote de Abril de 1977.  Este impõe o fechamento do Congresso nacional por 15 dias (1 a 15/4) para a outorga de um conjunto de emendas constitucionais e decretos-leis como a Emenda Constitucional  7, que determina a reforma do Judiciário; e a Emenda Constitucional 8 (14/4/1977), que introduz a eleição indireta para governadores ( antes esta era estabelecida por legislação ordinária, agora é incorporada à constituição), amplia para seis anos o mandato presidencial, muda o número de deputados federais para dificultar o desempenho da oposição, cria a figura do senador biônico,  eleito indiretamente para consolidar a maioria no parlamento e no colégio eleitoral e evitar vetos a iniciativas do executivo. O efeito principal destas iniciativas é a garantia de fluidez na tramitação dos decretos-leis e das emendas constitucionais, o que permitiria ao governo prescindir da edição de novos atos institucionais.
        No mês de novembro/1978 abre-se a temporada de implementação das tais salvaguardas eficazes, que tem seus melhores momentos na incorporação à constituição do estado de sítio e das medidas de emergência e na nova Lei de Segurança Nacional (Lei 6620, aprovada por decurso de prazo a 27 de novembro e promulgada a 17 de dezembro de 1978). Segundo Sandra Starling, trata-se de tentativa de jurisdicização deste dispositivo, que emerge dos porões da ditadura para se alçar às altas cortes[44].  A Nova Lei de Segurança Nacional implementa na prática  a institucionalização do AI-5 caracterizada nas seguintes determinações: atribuição de poderes quase ilimitados ao ministro da Justiça, cabendo a ele a censura, proibição e apreensão de todo e qualquer material considerado nocivo à segurança nacional – está institucionalizada a censura prévia (art. 50); abrandamento das penas máximas paralelo ao agravamento das penas mínimas para garantir maior eficácia das punições; tipificação de elenco maior de crimes como aqueles “contra a organização do trabalho” e os “delitos de imprensa” (art. 14) e  da  responsabilização criminal de jovens de 16 anos  (art.4); institucionalização da incomunicabilidade e das prisões clandestinas na figura da “comunicação reservada ao juiz” (art. 53);  criminalização de qualquer tipo de vinculação com entidades estrangeiras que “exerçam atividades prejudiciais à segurança nacional “(art,12); proibição de “divulgar por qualquer meio de comunicação social notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas” (art. 14). 
        Endereço certo destes dois últimos artigos: a imprensa – sobretudo a imprensa alternativa - e os movimentos que denunciam as graves violações dos direitos humanos – um dos mais representativos deles era o movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A nova Lei de Segurança Nacional levanta clamores de indignação em todos os setores de oposição - instituídos ou instituintes, liberais ou de esquerda. Ela vai, apesar disso, cumprir à risca o destino de sustentar institucionalmente o propalado gradual mas seguro aperfeiçoamento democrático em andamento. É arrematado, assim, o esquema que proporciona ao general Geisel dispositivos legais, burocráticos e militares de tal ordem, que ele passa a se qualificar como aquele que acumulou a maior concentração de poderes entre todos os ditadores do regim militar[45]. O AI - 5 vai ser abolido logo depois, no final de dezembro de 1978.  Afinal de contas, com as salvaguardas eficazes agora incorporadas à constitucionalidade do Estado, já não é necessário um dispositivo excepcional, portanto forçosamente transitório: estão dadas a constitucionalização da exceção e a internalização da repressão e da truculência na cultura política nacional[46].  Grande campeão da centralização política, Geisel prepara cuidadosamente e garante o controle de sua própria sucessão:  em março de 1979, o general João Batista Figueiredo, ministro-chefe do SNI,  assume a presidência da República para mandato de seis anos, imbuído da missão de levar em frente o projeto político urdido sob a chancela da normalização defeituosa.
        Continuarão intocados o modelo econômico – a modernização excludente cuja consolidação é tributária exatamente do AI-5 - e, sobretudo, a essência mesma do regime -  a Doutrina de Segurança Nacional e seus corolários imediatos, a estrutura do aparelho repressivo e a tortura institucionalizada. O principal ideólogo da Doutrina de Segurança Nacional, Golbery do Couto e Silva, é também o principal articulador do projeto de distensão política e, a seguir, do projeto de anistia parcial do governo. Tudo isto foi engendrado, portanto, nas entranhas mesmo do regime, como diz Eliezer Rizzo Oliveira [47]. E é o próprio Geisel quem defende, sem meias palavras, em entrevista concedida a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro: “Acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para obter confissões... Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior”[48]
Estas questões levam à desmistificação da indefectível tipologia convencional, aquela que estabelece oposição mecânica entre dois blocos conflitantes - militares duros X militares moderados. Trata-se, ao contrário, de permanente processo de acomodação entre setores que, com certeza, têm suas nuances, mas não divergem em questões de fundo: não há questionamento de coisa alguma que se refere ao arcabouço ideológico traduzido, como vimos, no binômio desenvolvimento e segurança, ou aos elementos que constituem o terror, muito menos em relação ao modelo econômico do regime.  
É em tom de perplexidade que Maria Celina D’Araújo corrobora esta avaliação ao analisar a documentação do acervo pessoal de Geisel doado, em 1998, ao Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas:
Tendo em vista este histórico de politização, era de se esperar que, durante o governo Geisel, a pasta da Justiça se convertesse em espaço especialmente relevante para o processo de abertura, sendo tal governo o que mais se destacou pelo esforço de ‘transição’ do regime autoritário para um de ‘normalidade institucional’ para usar o arcabouço conceitual do próprio Geisel em suas memórias.  No entanto quando se examinam os documentos relativos ao Ministério da Justiça que integram o arquivo do ex-presidente, a impressão que fica é bem diferente.  Segundo estes registros, as medidas de endurecimento do regime teriam prevalecido sobre aquelas que preconizavam a democratização. (...) Conhecido pela liderança do processo de abertura política, a imagem do governo Geisel que sai desses papéis é a que enfatiza o controle político, a repressão à esquerda e à oposição, e a censura à imprensa.  O ministério ali retratado situa-se mais como espaço de ação da ‘linha dura’ do que como a esfera que comandou a mudança.  Dito de outra forma, espelha mais o lado duro da ação do governo, pois efetivamente o governo Geisel usou os poderes excepcionais da ditadura, fechou o Congresso, cassou mandatos e comandou operações violentas contra os comunistas[49].
É nesta conjuntura que os movimentos sociais retomam a ofensiva política atropelando o projeto de normalização da ditadura, sabotando e subvertendo a lógica do generoso consenso e escancarando os limites impostos. O espaço urbano é reocupado e a Cidade é resgatada enquanto locus de exercício da cidadania.  Greves operárias, rearticulação do movimento popular, ascenso do  movimento estudantil: tudo isto reforça e aumenta a visibilidade da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. É exatamente na negação resoluta do projeto de institucionalização da ditadura militar que os Comitês Brasileiros pela Anistia vão operar.  
3) Reatualização da discussão: as marcas deixadas pelos 21 longos anos de ditadura
        A longa transição política sem desfecho – iniciada quando o último general deixou o poder (1985) – incorporou a cultura repressiva de longa duração levada ao paroxismo pela ditadura militar. Donde incorporou a Doutrina de Segurança Nacional. Não se trata de entulho, mas de elemento essencial constitutivo do Estado democrático de direito instituído pela Constituição de 1988. Muitos chamaram e chamam esta longa transição de redemocratização. Nós preferimos chamá-la de normalização da exceção brasileira (como Paulo Arantes e Tales Ab’Sáber); ou  de normalização defeituosa  (como Irene Cardoso). 
        As ditaduras são intrinsecamente transitórias, têm prazo de validade por mais longas e sangrentas que sejam como foi o caso do Brasil. O Estado de direito é a melhor cobertura para a consolidação e o aprofundamento da exploração, da opressão e da espoliação capitalistas. Como denuncia Paulo Arantes, este Estado de direito configura-se em Estado oligárquico de direito com destaque para as afinidades históricas entre capitalismo e exceção, entre Estado e crime organizado/corrupção. Ele garante a legitimação, a resiliência, a sustentabilidade e a governabilidade da dominação burguesa – a possibilidade de sua perenização. Consolida-se o modelo autocrático-burguês de transformação capitalista de que falava Florestan Fernandes, projeto que saiu vitorioso da ditadura militar. O Estado democrático de direito dá plena sustentação técnica e política ao totalitarismo de mercado. É este o papel do judiciário. Daí o reacionarismo intransponível do judiciário como um todo e da magistratura em particular. O judiciário respaldou o impeachment, ungiu o governo Temer e consagrou a inimputabilidade dos torturadores e assassinos de presos políticos (indeferimento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal, em 29 de abril de 2010). São proverbiais a sua subserviência perante o poder e o seu papel ex oficio de mantenedor das relações de dominação e opressão. É esta a lógica do judiciário no Brasil: histeria punitiva para pobres e negras/os; criminalização dos movimentos sociais, da diversidade e das lutas das/os trabalhadoras/os; total impunidade para os perpetradores de graves violações de direitos humanos e de crimes contra a humanidade – o Estado, seus asseclas e seus agentes.
        Estamos em 2018 - ano do cinquentenário do AI-5, dos 33 anos de transição controlada e dos 39 anos da lei de anistia parcial. Permanece sem equacionamento todo o contencioso da ditadura militar. Permanece a reciclagem nefasta da Doutrina de Segurança Nacional. A destruição continuada do espaço público continua a ser praticada. A tortura e o extermínio se mantêm como sólidas instituições. O aparato repressivo continua operante. Os arquivos da repressão continuam fechados. Prospera a estratégia do esquecimento e de controle da memória pelo Estado. A questão dos mortos e desaparecidos está longe de ser solucionada. O Estado democrático de direito produz aos borbotões novos mortos e desaparecidos – no atacado e no varejo. São incrementados os instrumentos de violência acumulados durante a ditadura militar. Os inimigos a serem abatidos são os mesmos indesejáveis, as mesmas classes perigosas e torturáveis de sempre.
        O Estado Democrático de Direito é racista, genocida, misógino e tem horror à diversidade. Leva ao paroxismo a sua condição de Estado Penal: tem um dos maiores índices de desigualdade social e concentração de renda do mundo, faz guerra generalizada contra os pobres; pratica genocídio institucionalizado contra o Povo Negro e os Povos Indígenas; exerce política de encarceramento em massa (3ª população carcerária do planeta; 5ª população carcerária feminina); potencializa cada vez mais seu arsenal repressivo policial- militar-jurídico- legislativo; tem a polícia que mais mata entre todas as polícias do planeta.  Seu paradigma é a doutrina da pacificação total (Eduardo Tomazine). As UPPs, a naturalização das ocupações dos morros e favelas pelas polícias e forças armadas, a escabrosa intervenção militar no Rio de Janeiro constituem dispositivos totalitários. O infame projeto do SUSP/ Sistema Único de Segurança Pública e o desmonte das conquistas das/os trabalhadoras/os da cidade e do campo, dos movimentos feministas, das comunidades LGBTs, da luta antimanicomial evidenciam verdadeira situação de barbárie: política de extermínio/terrorismo de Estado, política de higienização e eugenia, política de apartheid social e segregação, aprofundamento do processo de fascistização e militarização do Estado. O obscurantismo político e cultural é reforçadp por  projetos escabrosos como a Escola sem Partidos/Lei da Mordaça e a draconiana reforma do ensino médio – leia-se precarização/ terceirização/privatização/mercantilização devastadoras da educação - imposta por medida provisória.  Tudo isto tem levado a níveis insuportáveis o rebaixamento das relações de convivência e o aviltamento do senso comum.
        Ainda bem que na história nada vem para ficar. Neste ano há o sinistro cinquentenário do AI-5. Mas nós comemoramos o aniversário de 50 anos de maio de 1968, da Passeata dos 100 mil, das greves de Contagem e Osasco. Comemoramos o aniversário de 170 anos da primavera dos povos - as revoluções de 1848 - e os cinco anos das nossas belas jornadas de junho de 2013. Saudamos estas lutas e aqueles que nelas tombaram: Edson Luiz de Lima Souto (Rio de Janeiro, 28 março 1968), Douglas Henrique de Oliveira Souza, Luiz Felipe Aniceto de Almeida, Luis Estrela e Lucas Daniel Alcântara Lima (Belo Horizonte e grande BH, jornadas de junho 2013). Saudamos Amarildo Souza (Rio de Janeiro,13 julho 2013/ Operação Paz Armada da UPP da Rocinha) e os 15 moradores executados pela PM no Bairro Nova Holanda no Complexo da Maré (Rio de Janeiro,24 de junho 2013). Nossas homenagens aos camponeses massacrados pelo latifúndio na chacina de Pau D’Arco (24 de maio 2018). Um viva para Marielle Franco e Anderson Silva (14 de março 2018) e para Marcos Vinicius da Silva, o colegial de 14 anos executado por operação conjunta Polícia Civil/ Exército, também da Maré (20 de junho 2018). Liberdade para Rafael Braga!  A lista seria interminável: a polícia que mais mata no mundo, repetimos, prende e mata pobre todo dia.
        Procuramos ao longo desta exposição reforçar a desconstrução de certas falácias em torno da ideia de que os anos 1960/1970 pertencem a um passado remoto, que o golpe militar é coisa do passado: afinal já se passaram 54 anos. Esta noção não se sustenta nem do ponto de vista cronológico, nem do ponto de vista político: estamos falando do tempo histórico, que é feito de continuidades/permanências e rupturas/transformações. Temos visto que as continuidades têm sobrepujado as rupturas nesta matéria.  
        É por estas e por outras que nunca é demais repetir que devemos fazer o exercício permanente de reflexão, da perplexidade e da indignação para que possamos desnaturalizar e transformar esta realidade. Devemos nos manter no campo da radicalidade e da resistência na luta pelos direitos humanos, que entendemos como combate ao terrorismo de Estado e do capital. Atendamos, portanto ao chamado de Franz Fanon que nos convoca à insurgência, ao dissenso, à ruptura, à negação intransigente da situação de barbárie que nos oprime.
Belo Horizonte, junho/agosto de 2018
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania


[2] SAMET, Henrique.  “A construção da brasilidade excludente”.  In: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA.   DOPS, a lógica da desconfiança. 1993, p. 46-55.  Estou me apropriando do conceito de brasilidade excludente, colocando-o na centralidade deste capítulo, que será calcado neste texto de Samet.
[3] PRADO JUNIOR, Caio.  Formação do Brasil contemporâneo.  São Paulo: Brasiliense, 1976, p.9.
[4] D’INCAO, Maria Ângela.  “Estrutura e desigualdade”. In: D’INCAO, Maria Ângela (org.).  História e ideal. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.327.
[5] CARVALHO, J.M., op. cit., p.448. Há boa síntese do papel do IHGB em: SCHWARCZ, Lilia Moritz.  O espetáculo das raças Cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., p.101-140 (“O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro); e GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos Trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional”. Estudos históricos, MCT, CNPq, FINEP, 1988/1, p. 5-27.
[6] COIMBRA, Cecília.  Operação Rio O mito das classes perigosas Um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública.  Rio de Janeiro, Editora do Autor, 2001, sobretudo cap. III “Espaços urbanos e classes perigosas”, p. 79-134.  
[7] FICO, Carlos, op. cit., cap. 1 “Otimismo e pessimismo no Brasil”, p. 28-52.  As expressões entre aspas se encontram às p. 28 e 31.
[8] VON MARTIUS, Carl F. P. “Como se deve escrever a história do Brasil?” (“O Estado do Direito entre os autóctones do Brasil”).  Ferri, Marcos Guimarães (dir.).  COLEÇÃO RECONQISTA DO BRASIL (Nova Série), v. 58.  Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda. / Editora da USP, p. 89-107.
[9] Id. ibid, p. 30.
[10] A expressão (homem cordial), de Ribeiro Couto, é empregada por Sérgio Buarque de Holanda – “em seu sentido exato e estritamente etimológico”- para designar o tipo ideal que representa a articulação entre a herança ibérica e a estrutura social brasileira, marcada pelo “culto à personalidade”, a incapacidade de abstração e a predominância de “contatos primários”.  V. HOLANDA, Sérgio Buarque.  Raízes do Brasil. São Paulo, Editora Schwarcs, 1998, cap. 5 “O homem cordial”, p. 139-152.
[11] GRECO, Heloisa.  “O ‘passado que nos cerca’ e a promessa do futuro: considerações sobre a questão da cidadania em Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda”. Fronteiras Revista de História, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, v. 5, n. 10, 2001, p.63-80.
[12] COIMBRA, Cecília, op.cit., p. 93-97.
[13] SAMET, Henrique, op. cit., p. 49.  O autor se refere explicitamente a Afrânio Peixoto, José Duarte e Jimenez de Ásua. 
[14] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista, que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de 1920. A construção da nação baseada no saneamento moral constitui a missão civilizadora da elite científica.    A autora cita Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil. José Murilo de Carvalho considera o darwinismo social como “a versão do final do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales, “o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte”.  COIMBRA, Cecília.  Op. cit., p. 88-89; CARVALHO, José Murilo.  A formação das almas, p.24-25. V. tb.: SCHWARCZ, Lilia Moritz, op. cit., p.43-66 (Cap. 2: “Uma história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[15] Carlos Fico agrupa Raymundo Nina Rodrigues, Sylvio Romero, Euclydes da Cunha e Viana Moog, entre outros, nesta tendência racista e cientificista, à medida que todos eles consideram negros, índios e mestiços como “raças inferiores”, responsáveis pelas “anomalias nacionais”.  V. FICO, Carlos, op. cit., p.31.
[16] SAMET, Henrique, op. cit., p. 48-51.
[17] Famosa máxima de Washington Luís – que retrata tão bem o espírito do seu tempo - cujos efeitos ainda se fazem presentes na formulação das atuais “políticas de segurança pública”.
[18] DUTRA, Eliane.  O ardil totalitário: o imaginário político no Brasil dos anos 30.  Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997, p. 24-28.  Dutra também trabalha a representação do Uno, referida na nota 35, colocando-a como núcleo desta tentativa de construção de uma “ordem totalitária” no período em questão.
[19] TRINDADE, Hélgio.  “O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista”. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D’ARAÚJO, M. Celina (orgs). 21 anos de regime militar.  Rio de janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1994, p.123.
[20] Florestan.  A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p.316.- 317.Grifos do autor.
[21] OLIVEIRA, Francisco.  A economia da dependência imperfeita.  Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 122-131.
[22] Id. ibid.   p. 71.  Francisco de Oliveira polariza explicitamente com Fernando Henrique Cardoso, que analisa as “consequências revolucionárias” do golpe de 64 no plano econômico.  V. na mesma publicação: CARDOSO, Fernando Henrique.  “O regime político brasileiro”, p.83- 118.
[23] O termo é de Ermínia Maricato.  V. MARICATO, Ermíria.  Metrópole na periferia do capitalismo.  São Paulo, Hucitec, 1996.
[24] Esta síntese da Doutrina de Segurança Nacional baseia-se em: Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.  Projeto ’Brasil: Nunca Mais’. O regime militar, Tomo I p. 53-57;  COMBLIN, Joseph.  A ideologia de Segurança Nacional, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978; SILVA, Golbery do Couto e.  Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1967: e SCALERCIO, Márcio.  “A têmpera e a espada”.  In: Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v.II, n. 1, jan./dez. 1998. P. 110-111; DREYFUSS, René e DULCI, Otávio Soares.  “As Forças Armadas e a política”.  In: SORJ, Bernardo e ALMEIDA, M. Hermínia Tavares de (org.), op. cit, p. 91.
[25] Sobres a montagem do aparelho repressivo ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.   Projeto “Brasil: Nunca Mais”, op. cit, p. 70-75 e, sobretudo, FICO, Carlos.  Como eles agiam Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71, 111, 149 et passim.  V. tb:  BICUDO, Hélio.  Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte. São Paulo, Comissão de Justiça e Paz, 1976; D’ARAÚJO, M. Celina et al. (org.), op. cit.   p.14-31; e GORENDER, Jacob.  Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987, p. 215-234.
[26] GORENDER, Jacob.  Prefácio.  In: FICO, Carlos.  Como eles agiamSão Paulo: Record, 2000, p.10.
[27] A cadeira do dragão é “uma cadeira extremamente pesada, cujo assento é de zinco e tem na parte posterior proeminência por onde é introduzido um magneto da máquina de choque: a cadeira apresenta uma travessa de madeira que empurra as pernas para trás, de modo que a cada espasmo de descarga elas batam na travessa, provocando ferimentos profundos”.  Depoimento de José Milton Ferreira de Almeida, 31 anos, engenheiro, Rio de Janeiro, auto de qualificação e interrogatório, 1976.  ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”, As torturas Tomo V, Vol. 1, p. 421-430.  Neste volume há descrição minuciosa dos métodos de tortura adotados: são arroladas cerca de 285  modalidades (p.66-71) e listados 246 centros de tortura ativos durante todo o período ditatorial (p.16).
[28] SAMET, Henrique, op. cit,. P.53.
[29] V. DREIFUSS, René Armand e Dulci, Otávio Soares.  “As Forças Armadas e a política”.  In: Sorj, Bernardo e Almeida, M. Hermínia Tavares, op. cit., p.91.
[30] Gabinete do Ministro, Centro de Informações do Exército – Manual de Interrogatório, p.18 (22). Este documento foi encontrado nos arquivos do DOPS do Paraná pela professora Derley Catarina de Luca. Há uma cópia xerografada no arquivo de D. Helena Greco. É sugestiva a observação estampada em box na sua folha de rosto:  “Atenção.  Estas notas correspondem a uma tradução adaptada de documentação sigilosa de país amigo.  Em consequência e por acordo entre governos, o seu manuseio deve respeitar as prescrições do RSAS no tocante à classificação sigilosa recebida.  São proibidas as cópias”.  V. tb. a matéria: Técnica de interrogatório de Hélio Zolini no jornal Hoje em dia, 22/8/1999, p. 19. Reportagem especial ‘Manual do Exército admite tortura – O documento, de 1971, contém um detalhado roteiro com as principais técnicas de interrogatório de presos políticos’ de Sandra Carvalho, Zero hora, Porto Alegre, 3a feira, 22 de maio de 1995, p.4-5.
[31]  V. FICO, Carlos.  Reinventando o otimismo, p. 19-20 e124-129.
[32] TELLES, Vera.  “Anos 70: experiências, práticas e espaços políticos”.  In: KOVARICK, Lúcio (org.).  As lutas sociais e a cidade.  São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 254 (p. 247-283).  V. tb. CARDOSO, Irene.  “Há uma herança de 1968 no Brasil?”.  In: GARCIA, M.ª e VIEIRA, M.ª (org.), op. cit., p.135-142.
[33]  Esta análise de conjuntura é baseada sobretudo em: STARLING, Sandra.  As salvaguardas visíveis e ‘invisíveis’ do projeto de distensão (governo Geisel: 1974-1979).  1983.  Dissertação Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, mimeo.  E também nos autores: CRUZ, Sebastião C. Velasco e MARTINS, Carlos Estêvão, op. cit., p. 46-71; OLIVEIRA, Eliézer Rizzo.  “Condicionantes militares da distensão política”, p. 23-66; e ALVES, Maria Helena Moreira.  Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, sobretudo p. 203  et passim.    
[34] Além de reiteradas denúncias de organismos como a Anistia Internacional (v. relatórios anuais 76-77 e 77-78), o Tribunal Russel e a Liga pelos Direitos dos Povos, entre outros, a matéria de capa da insuspeita revista Time August 16, 1976 “‘TORTURE as state policy” (p. 9 a e b –10) coloca o Brasil como um dos grandes violadores dos direitos humanos, com destaque para a invenção brasileira tornada produto de exportação, o pau-de-arara  (“parrot’s perch”).  Diz a matéria da revista americana à p. 9:  “... last year alone there were more than 40 violating states.  From Chile, Brazil, Argentine, Uruguay and Paraguay to Guinea, Uganda, Spain, Iran and the Soviet Union, torture has become a common instrument of state policy practiced against almost anyone ruling cliques see as a threat to their power.”
[35] STARLING, Sandra, op. cit., p.56.
[36] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: nunca mais”. A tortura. Tomo V, v. 1, p. 16.
[37] V. síntese do histórico destes organismos em: MOTTA, Rodrigo Patto Sá.  Em guarda contra o ‘perigo vermelho’: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).  ( Doutorado em História Econômica) -  Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000,  mimeo, p.194-201 ( “Organizações terroristas”).
[38] Dois documentos fazem o relato minucioso e circunstanciado desses atentados: o dossiê A quem interessa o terror, elaborado por diversas entidades e personalidades que os sofreram (MFPA-MG, Em Tempo, De fato, DCE-UFMG, Dr. Geraldo Magela de Almeida, D. Helena Greco, Grupo de Padres pelos Direitos Humanos, Igreja São Francisco das Chagas),editado pela Editora Aparte de Belo Horizonte em set/1978 e publicado pelo jornal Em Tempo, 31, 2 a  8 de outubro de 1978,p. 4,  sob a manchete: “Governo nega solidariedade às vítimas do terror”.   O segundo documento é o Relatório das atividades da CPI criada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com o objetivo de apurar denúncias de omissão e desinteresse do governo na elucidação e punição dos atentados terroristas praticados contra pessoa e entidades no estado de Minas Gerais, elaborado pela oposição ( PP e PMDB) a título de Denúncia à nação,outubro/1980, mimeo.  
[39] GRUPO TORTURA NUNCA MAIS – RJ e PE, INSTITUTO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DO ESTADO e COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS. Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Pernambuco: CEPE Governo de Estado de Pernambuco, 1995, p.211-230; e MIRANDA, Nilmário e TIBÚRCIA, Carlos.  Dos filhos deste solo Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado.  São Paulo: Fundação Perseu Abramo e Boitempo, 1999, p.591-625. Voltaremos à questão dos mortos e desaparecidos no cap. 5.
[40] O ápice da expansão e fortalecimento do SNI – que passa a ser considerado como “uma quarta força armada” - se dá sob a chefia do general Otávio Medeiros, no governo Figueiredo.  ANTUNES, Priscila Carlos Brandão .  SNI & ABIN Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX.  Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 62-63.  V. tb. STARLING, Sandra, op. cit., p. 137.  E, principalmente: SOARES, Gláucio Ary Dillon, DÁRAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (orgs.). A memória militar sobre a abertura, p.11.
[41] GEISEL, Ernesto.  Discursos, v.1 1974.  Brasília: Assessoria de Imprensa e RELAÇÕES Públicas da Presidência da Republica, 1975, p.38-39.  Grifos meus.
[42] STARLING, Sandra, op. cit., p. 127.
[43] CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?”, p.139.
[44] STARLING, Sandra, op. cit., p.133.
[45] LAMOUNIER, Bolivar. “O ‘Brasil autoritário’ revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura”.  In: STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil, p. 126.
[46] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As leis repressivas, Tomo IV, p.8.  
[47] OLIVEIRA, Eliezer Rizzo, op. cit., p.32.
[48] D’ÁRAÚJO, M.Celina e CASTRO, Celso (orgs.).  Ernesto GeiselRio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 225.
[49] D’ARAÚJO, Maria Celina. “Ministério da Justiça, o lado duro da transição”. In: CASTRO, Celso e D’ARAÚJO, M. Celina (orgs). Dossiê GeiselRio de Janeiro: FGV Editora, 2002, p.22-23. V. tb.: SCARLECIO, Márcio. “A têmpera e a espada”. In: Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v.II, n. 1, jan./dez. 1998. 

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