sexta-feira, 8 de março de 2019

8M ANTI-BOLSONARO E ANTIFASCISTA


8 DE MARÇO DE 2019 – DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES:
LUTA FEMINISTA ANTI-BOLSONARO E ANTIFASCISTA!

        Neste 8 de Março as lutas feministas, mais do que nunca, têm o imperativo de reforçar sua radicalidade e combatividade históricas contra a extrema-direita, o (neo)conservadorismo, o reacionarismo e o obscurantismo  que têm tomado de assalto o poder em todo o planeta. Aqui no Brasil, a reafirmação da energia autoemancipatória, internacionalista, classista, anticapitalista, antifascista e antirracista destas lutas constitui questão de sobrevivência física das mulheres e de resistência contra a obliteração do feminismo.  

       Misoginia, machismo, sexismo, lgbtqifobia, racismo, aversão à diversidade, ódio mortal aos direitos humanos, anticomunismo doentio, obscurantismo cultural são elementos essenciais do terrorismo de Estado e do capital - projeto burguês de dominação.  O modo fascista de governar acionado pelo projeto de poder de Jair Bolsonaro(PSL)/General Mourão(PRTB) tem levado tal dominação às máximas consequências de forma escancarada e explícita, sem qualquer tipo de escrúpulo ou mediação.  

       Não podemos perder de vista que o nefando presidente da república  foi eleito com esta plataforma, garantido pela execrável aliança entre fundamentalismo cristão e totalitarismo de mercado (ultraliberalismo) protagonizada também pelas bancadas boi/bala/bíblia/jaula –  maioria no congresso nacional.  Aliança devidamente galvanizada pelas Forças Armadas – sobretudo o exército. Os militares ocupam todo o primeiro escalão do governo e centenas dos principais postos estratégicos do aparelho de Estado. Nunca é demais insistir: as Forças Armadas são enormemente androcêntricas, golpistas e anticomunistas por definição, reacionárias por tradição, apologistas da tortura e do extermínio de opositores, praticantes do desaparecimento forçado, adeptas da censura e da moralização dos costumes, assassinas da memória.

       Assim, militares, empresários, banqueiros, latifundiários, fundamentalistas, entreguistas submetidos ao imperialismo estadunidense – machos, reacionários, brancos, ricos, machistas, misóginos, heteronormativos – reproduzem hoje a aliança de poder responsável pelos 21 anos de ditadura militar sangrenta no Brasil (1964-1985) e pelos 34 anos de transição imposta, pactuada, continuísta e sem ruptura que advieram (1985-2019).

       Neste cenário, um processo de fascistização em ritmo de escalada consolida-se em todo o aparato legislativo/jurídico/legal/repressivo do Estado. Este processo atinge sobretudo as mulheres, em triplo recorte muito preciso: opressão de gênero, opressão de etnia, opressão de classe. Os alvos principais são as trabalhadoras pobres, negras e indígenas. Afinal, o Brasil faz jus ao seu prontuário: nasceu como um grande negócio forjado pelo colonialismo predador, tem mais de 500 anos de patriarcalismo e de extermínio dos Povos Originários e mais de 350 anos de escravidão. Avança hoje o genocídio sistêmico de negros e indígenas.

       Modalidades nas quais o país se mantém há décadas como uma das lideranças mundiais dizem respeito à violência contra as mulheres: concentração de renda, desigualdade social, populações carcerárias masculina e feminina (terceiro lugar no ranking), violência policial, feminicídio, transfeminicídio, violência de gênero, número de estupros. A questão carcerária é dramática: de 2000 a 2014 o número de mulheres presas cresceu 567%, a de homens cresceu 220%. O encarceramento em massa e a guerra generalizada contra os pobres constituem política de Estado no Brasil. Tudo isto tem sido potencializado pelo discurso e política de ódio do governo Bolsonaro. Outra peculiaridade sinistra é a  promiscuidade da família Bolsonaro com as milícias/grupos de extermínio, dos quais são entusiastas. Por falar em milícias, a execução sumária de Marielle Franco completa um ano no dia 14 de março. Até agora não houve qualquer tipo de esclarecimento circunstanciado, qualquer atribuição de responsabilidades – resta a mais completa impunidade.

       São também as mulheres as mais atingidas pela ofensiva no sentido do aniquilamento dos direitos conquistados pela luta da classe trabalhadora e dos movimentos sociais ao longo de décadas. É a lógica das mal chamadas políticas de austeridade, de ajuste fiscal e da reforma da previdência em andamento. Estas consolidam a terceirização/precarização do trabalho, o congelamento/arrocho salarial, o fim da aposentadoria, a pauperização daí resultante e a imposição da miséria absoluta que fatalmente virá sobretudo para as mulheres.

       O mesmo se dá com a política de privatização e sucateamento da educação, saúde, transportes e do espaço público: são as mulheres as principais vítimas. O projeto do governo Bolsonaro é a militarização total cujo paradigma é o campo de concentração: quer transformar o Brasil numa enorme UPP. Isto vale para o espaço urbano – alvo de remoções e despejos em favor da especulação imobiliária. Vale também para as terras ancestrais de indígenas e quilombolas – cuja demarcação tem sido alvo preferencial do esbulho e espoliação institucionais em favor do agronegócio, das empreiteiras e das empresas de mineração. Estas, por sua vez, praticam sistematicamente a política de terra arrasada. A devastação irreversível provocada pela Vale em Mariana (novembro/2015) e Brumadinho (janeiro/2019) – em conluio com o judiciário, os governos e os legislativos federal, estaduais e municipais - tem dimensão de crime contra a humanidade. Até agora não houve responsabilização efetiva da empresa nem qualquer tipo de reparação às milhares de pessoas atingidas e aos familiares das centenas de mortas/os e desaparecidas/os. A maioria destes familiares ficará privada inclusive do direito ancestral de enterrar seus entes queridos.

       Da mesma forma, são as mulheres as mais atingidas pelo pessimamente chamado pacote anticrime e anticorrupção de Sérgio Moro.  O caráter misógino da flexibilização da posse de armas em país campeão mundial em feminicídio e transfeminicídio é autoevidente. O mesmo vale para o caráter fascista da tal excludência de ilicitude – leia-se institucionalização da execução extrajudicial/direito de matar – em país que já tem a polícia mais violenta do mundo, aquela que mata preto e pobre todo dia, no atacado e no varejo. O aprofundamento histérico do rigor punitivo e a ampliação das penas restritivas de liberdade completam o quadro.

       Vamos agora à questão que é a própria razão de ser do movimento feminista, a qual só as mulheres podem articular, construir e  protagonizar – só elas sabem realmente do que se trata: a luta contra a dominação sexual da sociedade patriarcal retroalimentada pela exploração de gênero, de etnia e de classe. Trata-se da construção permanente da consciência feminista forjada coletivamente na luta. Inclui o direito ao aborto e à contracepção; os direitos sexuais e reprodutivos como escolha e não como dever; o livre exercício da sexualidade, o direito ao prazer, a desconstrução da reificação sexista do corpo feminino pelo sistema; o combate à violência de gênero (desde aquela inapropriadamente chamada simbólica até o espancamento, o estupro e o assassinato) e a todos os tipos de assédio aí incluídos; o direito a salário igual por trabalho igual, muito longe de ser atingido; a libertação dos grilhões do trabalho doméstico, invisibilizado, alienado e desqualificado pelo sistema como improdutivo. Inclui ainda o entendimento de que são as instituições lar e família que garantem a reprodução continuada da cultura hegemônica patriarcal – sem elas não haveria como manter a opressão e a alienação sistêmicas das mulheres. E não percamos de vista que é no seio do lar e da família que ocorrem a maioria dos casos de estupros, de pedofilia, de feminicídios e a totalidade dos casos de violência doméstica.

       O moralismo fundamentalista, cada vez mais potencializado pela escalada fascista em andamento, empreende cruzada feroz contra esta luta. Podemos listar os infames estatutos da família e do nascituro, a estultice do binarismo heteronormativo até na (não)escolha da palheta de cores de determinadas indumentárias, a abjeta Escola Sem Partido e a ojeriza literal às palavras gênero e sexualidade. Podemos citar a longevidade perversa da imposição do paradigma da mulher recatada e do lar – que até hoje tem certa eficácia.

       A problemática do aborto e da cultura do estupro é, contudo, a mais emblemática neste campo. Aborto livre, seguro e gratuito é questão de princípio – exigência histórica do movimento feminista, condição imprescritível e inegociável na luta pela autoemancipação das mulheres. No Brasil é considerado verdadeiro anátema pela cultura patriarcal hegemônica: estamos no estágio medieval da criminalização do aborto. O sistema insiste em manter as entranhas e a genitália femininas sob controle cerrado. Os insuficientes três casos de admissibilidade do aborto (anencefalia, risco de vida para a mãe e estupro – gestação de até 12 semanas) constituem árdua conquista da luta tenaz das mulheres. Também esta questão é perpassada pela opressão de etnia e de classe: são as mulheres pobres e negras as principais vítimas fatais dos abortos ilegais praticados em condições absolutamente insalubres. As mulheres que têm mais condições também são submetidas às iniquidades da clandestinidade do procedimento, mas o fazem em clínicas particulares caras que oferecem condições menos arriscadas do ponto de vista físico e jurídico.

        Quanto à cultura do estupro, esta se tornou hoje virulenta pandemia. Tal fenômeno tem ligação direta com o alastramento planetário da deterioração das condições de vida e trabalho das mulheres a partir da precarização e pauperização promovidas pelo neoliberalismo triunfante. Na reificação da mulher é, mais uma vez, revelada a opressão etnia e de classe. Sexismo, racismo e opressão econômica sistêmicos estão no cerne deste processo. Como diz Angela Davis, a estrutura de classes do capitalismo globalizado fortalece a supremacia dos homens detentores do poder, o que leva à naturalização do exercício cotidiano da violência sexual. Ao mesmo tempo, a cultura do estupro traz em seu bojo o terrível lastro histórico de sua utilização generalizada como método de extermínio nas guerras étnicas e religiosas e nas políticas segregacionistas e concentracionárias pelo mundo afora.  No caso do Brasil, há a sobrevivência do racismo paroxístico da colonização baseado no extermínio dos Povos Originários e na tradição escravocrata estrutural institucionalizada. Com o agravante indigesto de um presidente eleito, abertamente de extrema-direita, que se põe a reiterar alegre e impunemente um discurso de ódio cujo componente essencial é a apologia do estupro, da tortura, do preconceito, do racismo, do extermínio. Tal discurso é reproduzido por legiões nas chamadas redes sociais – tanto que impregna e se banaliza. Banalização do horror, portanto.

       Assim, todas as lutas e denúncias que compõem esta nota são incontrastáveis princípios do feminismo. Elas não podem ser tratadas como fenômenos isolados porque estão inextricavelmente imbricadas - como os direitos humanos, são universais e internacionalistas. Trata-se da negação resoluta das condições que engendram e reproduzem todas as formas de opressão de gênero, etnia e classe - luta contra-hegemônica, anticapitalista e antifascista por excelência.

Viva a autoemancipação feminina!

Viva a luta feminista anticapitalista e antifascista!

Todo apoio às trabalhadoras do campo e da cidade!

Todo apoio às moradoras das ocupações, periferias e favelas!

Todo apoio às quilombolas e indígenas!

Todo apoio às vítimas do massacre da Vale. Todo nosso repúdio à Vale, assassina!

Marielle Franco: Presente!

Aborto livre, seguro e gratuito já!

Pelo fim da violência contra as mulheres, do feminicídio, do transfeminicídio e da cultura do estupro! Nem uma a menos!

Abaixo o machismo, a misoginia, o sexismo, a lgbtqifobia e o racismo!

Fora Bolsonaro e seu governo fascista! Não à reforma da  previdência! Mulheres na luta para barrar o conservadorismo e a extrema-direita! Não passarão!

Nenhum direito a menos!

Belo Horizonte, 8 de Março de 2019
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG


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