segunda-feira, 8 de março de 2021

8 DE MARÇO DE 2021 - DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES - LUTA FEMINISTA, ANTIPATRIARCAL, ANTIRRACISTA, ANTIFASCISTA E ANTICAPITALISTA!

        O Brasil adentrou o ano de 2021 como epicentro da pandemia de COVID-19: é o país mais mortífero do planeta, o que tem o maior número de casos para cada 100 mil habitantes, o segundo maior número absoluto de contaminadas/os e de óbitos e o que atingiu a maior velocidade de contágio. É este o saldo da estratégia de extermínio do governo Bolsonaro/general Mourão e seu hipermilitarizado Ministério da Saúde do general Pazuello. Ao atingir o pico de 1800 mortes diárias, Bolsonaro redobra a virulência do discurso de escárnio contra mais de um quarto de milhão de famílias em luto. Estas não tiveram sequer o direito de enterrar com dignidade seus entes queridos. Não há vacina, não há possibilidade de emprego, nem qualquer tipo de auxílio emergencial. O sistema sanitário está colapsado e as pessoas morrem em casa e na porta dos hospitais. Em janeiro dezenas foram chacinadas por sufocamento no Amazonas.

        A necropolítica, essência do projeto de poder bolsonarista – no qual todas as políticas públicas têm caráter eugenista, higienista e neomalthusiano – tornou-se perigosa também para o mundo. Trata-se de crime contra a humanidade de um governo que tem como plataforma o genocídio institucional. Seu paradigma é a ditadura militar sangrenta (1964-1985) e seus heróis são torturadores contumazes e milicianos assassinos.

        Em 2020-2021, o país tem batido diuturnamente os recordes mundiais negativos que detém e se consolida no topo do ranking das graves violações dos Direitos Humanos: desigualdade social; concentração de renda; lucratividade do sistema financeiro, do agronegócio, das empreiteiras e mineradoras; letalidade policial; número de casos de tortura e desaparecimentos forçados; racismo estrutural; genocídio sistêmico do Povo Negro e dos Povos Originários; destruição irreversível do meio ambiente; esbulho e espoliação institucionais dos territórios tradicionais de indígenas e quilombolas; aumento exponencial da população carcerária (terceira do mundo), sobretudo da feminina; níveis de desemprego, carestia, inflação e miserabilidade; fome endêmica. O Brasil é um dos campeões mundiais em feminicídios, estupros e violência contra a população LGBTQIA+. É primeiro do mundo em transfeminicídio. É autoevidente a misoginia da flexibilização institucional da compra, posse e porte de armas em um país com este prontuário. É igualmente autoevidente o caráter fascista da excludência de ilicitude/direito de matar no país cuja polícia é a mais violenta do mundo – aquela que de cada vez mais mata preto e pobre todo dia.

        A combinação das forças que compõem o governo – extrema direita de todos os matizes, empresários e financistas adoradores do ultraliberalismo, fundamentalismo evangélico e Forças Armadas - leva ao paroxismo a violência contra as mulheres no triplo recorte da opressão de gênero, de raça e de classe. Aprofunda-se processo galopante de fascistização do aparato repressivo/jurídico/legal/legislativo. As bancadas boi/bala/bíblia/jaula - maioria que sustenta o governo Bolsonaro/general Mourão no congresso - completam o quadro. O poder está nas mãos de machos reacionários, brancos, ricos, racistas, machistas, misóginos, heteronormativos. Todos têm ojeriza mortal aos Direitos Humanos, à diversidade, à classe trabalhadora, aos movimentos sociais. Não por acaso, o presidente da Câmara Federal Arthur Lira é praticante recorrente de violência doméstica, inclusive armada. Tem processos no Supremo Tribunal Federal e no Juizado de Violência Doméstica de Brasília.  Não por acaso a Assembleia Legislativa de São Paulo livra a cara de um deputado que assediou e apalpou a colega em plena sessão ordinária, com transmissão ao vivo e em cores.

        São os corpos femininos os mais atingidos pelo totalitarismo de mercado implementado por Paulo Guedes. Este potencializou a destruição dos direitos conquistados pela classe trabalhadora e pelos movimentos sociais ao longo de décadas. As mulheres constituem a maioria que ocupa os empregos terceirizados/precarizados. Constituem também a maioria dos empregos domésticos e do setor de serviços, os mais atingidos pelo desemprego e pelo arrocho salarial. O desmonte e o congelamento dos gastos em saúde e educação da Emenda Constitucional 95 (aquela do fim do mundo), o fim da aposentadoria, a porteira aberta para a superexploração do trabalho trazem a miséria absoluta que fatalmente atinge muito mais as mulheres. São ainda as mulheres aquelas que mais sofrem os despejos, remoções e devastações ambientais provocados pela reengenharia urbana excludente e segregadora praticada pelos governos, pela especulação, pelas empreiteiras e mineradoras.

        O moralismo e o obscurantismo fundamentalistas característicos da escalada fascista em andamento atingem o âmago do que constitui a própria razão de ser do feminismo: a luta contra a dominação da sociedade hegemônica patriarcal machista, racista, colonialista e patrimonialista. Estamos falando do direito ao aborto; dos direitos sexuais e reprodutivos como opção, não como imposição; do direito ao parto humanizado; do livre exercício da sexualidade; do combate à prisão do trabalho doméstico alienante, invisibilizado e desqualificado pelo sistema como improdutivo. Estamos falando da denúncia das instituições lar e família como garantidoras da manutenção e reprodução do patriarcalismo e como as maiores perpetradoras de estupros, feminicídios, pedofilia e violência doméstica.

        A mencionada escalada fascista é liderada por Bolsonaro e Damares Alves, sua dita ministra da mulher, da família e dos direitos humanos (?). O direito ao aborto livre, seguro e gratuito - questão de principio histórica, imprescritível e inegociável da luta pela autoemancipação feminina – continua sendo anátema no Brasil. Estamos no estágio medieval da criminalização do aborto. O caráter hediondo da cruzada anti-aborto adotada por Bolsonaro e Damares Alves como método de governo se escancarou em agosto de 2020, a partir do caso aterrador da menina capixaba de 10 anos que engravidou depois de passar metade de sua vida a ser estuprada por um tio. Pois ela foi, de novo, violada por Bolsonaro e Damares. Estes não só tentaram impedir o aborto previsto em lei (risco de vida para a mãe e resultado de estupro), como vazaram o nome da criança e do hospital onde seria feito o procedimento. Acossada pelas hordas bolsonaristas, ela teve que viajar clandestinamente para Recife onde finalmente foi realizado o aborto em um hospital referência, cujos profissionais também sofreram represálias. Desde então, Bolsonaro/Damares Alves publicaram uma profusão de medidas, portarias, recomendações que reforçam a criminalização do aborto e a exiguidade dos casos permitidos. Bem na linha do reacionarismo bolsonarista, o próximo passo é destruir o PNDH3 (Programa Nacional de Direitos Humanos) articulado em 2008 e publicado em 2009. Na mesma linha, podemos enumerar aqui uma sequência de iniciativas infames do sistema como os estatutos da família e do nascituro, os 52 projetos contra o aborto que tramitam no congresso, a lei de alienação parental, a abjeta Escola Sem Partido e sua estridente rejeição às palavras gênero e sexualidade.

        No dia 14 de março, a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes completa três anos. Até agora não houve esclarecimento circunstanciado. Ninguém foi responsabilizado. Trata-se também de caso emblemático: Marielle Franco é mulher negra, periférica, lésbica e defensora dos Direitos Humanos. Representa totalmente os alvos principais do genocídio institucional e do racismo estrutural. A sua execução desvelou também mais uma peculiaridade sinistra do governo Bolsonaro/general Mourão: para além da promiscuidade da família Bolsonaro com milicianos assassinos, fica patente a presença orgânica das milícias no Palácio do Planalto. Tanto quanto os militares, os milicianos estão no poder.

        Para concluir: onde buscar o positivo em meio a tanta negatividade e iniquidade? O positivo é a própria luta, a negação resoluta da banalização do horror. Esta luta é contra-hegemônica, permanente e estrutural. A história do 8 de Março nos ensina que a luta feminista – assim como a luta pelos Direitos Humanos - visa a transformação radical da sociedade na perspectiva classista. É, por definição, Antipatriarcal, Antirracista, Antifascista, Anticapitalista e Decolonial. Retomemos as energias rebeldes e revolucionárias das mulheres que, há 150 anos, construíram a Comuna de Paris e das mulheres que, há 85 anos, combateram na Revolução Espanhola. Recuperemos as lutas autônomas e emancipatórias das indígenas e das zapatistas do México e a radicalidade radiante das guerrilheiras curdas de Rojava. Saudemos fortemente as feministas argentinas que, desde abaixo, acabaram de conquistar o direito ao aborto livre, seguro e gratuito. Saudemos fortemente as companheiras chilenas - com destaque para as indígenas Mapuche - que estão à frente do levante  contra o neoliberalismo. São também as mulheres que protagonizam agora a luta contra o golpe militar em Mianmar e as manifestações que já provocaram a queda do Ministro da Saúde no Paraguai.

        Saudemos fortemente as companheiras trabalhadoras – pobres, negras, indígenas, quilombolas, lésbicas e trans – que se organizam na luta cotidiana tenaz contra o terrorismo de Estado e do capital. Nosso reconhecimento às trabalhadoras da saúde, as quais estão na ponta da linha de frente no enfrentamento da COVID-19. Nossa solidariedade às mais de 265 mil famílias que choram a perda dos seus entes queridos para a pandemia e para a necropolítica do governo Bolsonaro/Mourão.

 

Fora o governo Bolsonaro/Mourão! Pelo fim do genocídio!

 

Vacinação imediata para todas/os!

 

Auxílio emergencial e renda básica universal já!

 

Direito ao aborto livre, seguro e gratuito!

 

Todo apoio às trabalhadoras da saúde!

 

Todo apoio às trabalhadoras do campo e da cidade!

 

Todo apoio às indígenas e quilombolas!

 

Todo apoio às moradoras de ocupações, vilas, favelas e periferias!

 

Machistas, misóginos, racistas, fascistas: NÃO PASSARÃO!

 

Belo Horizonte, 08 de março de 2021

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania

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