quinta-feira, 1 de abril de 2021

DITADURA NUNCA MAIS! 1º DE ABRIL DE 2021 – 57 ANOS DO GOLPE DE 1964

       Neste ano de 2021, esta terrível efeméride dos 57 anos do golpe se reveste de caráter ainda mais abominável. O Brasil se consolida como epicentro da COVID-19. Em 24 horas, quase quatro mil pessoas morreram por sufocamento. O país caminha a passos largos para meio milhão de óbitos e 15 milhões de casos. É este o saldo da política sanitária genocida do governo de Bolsonaro/Mourão/Guedes e militares.

O golpe militar de 1º de abril de 1964 implantou a ditadura de 21 anos (1964-1985). Trata-se do projeto burguês de modernização conservadora do capitalismo. Seu núcleo é o terrorismo de Estado consolidado na Doutrina de Segurança Nacional. Foi montado gigantesco aparato repressivo para a contenção e eliminação dos inimigos internos as/os subversivas/os, as/os indesejáveis, as classes perigosas, as/os diferentes, as/os ativistas e militantes. Diz-se que é esta a sua maior semelhança com o fascismo: combinação de aceleração da acumulação capitalista e superexploração da classe trabalhadora com repressão desenfreada. Seus agentes constituem o seguinte bloco de forças: a burguesia associada ao capital internacional hegemonizado pelo capital financeiro, os latifundiários, as empreiteiras, a mídia corporativa, as Forças Armadas, a Igreja Católica, o fundamentalismo cristão. Destaque para a forte presença financeira, política e militar do imperialismo estadunidense.

 A ditadura militar brasileira foi a segunda mais longeva das ditaduras sangrentas do Cone Sul da América Latina. Tornou-se a referência de todas as outras, para as quais exportou know-how, como os desaparecimentos forçados. Com elas articulou a internacional do terror chamada Operação Condor. 

Nenhuma sociedade escapa incólume a 21 anos de ditadura. Menos ainda em um país que se fundou como um negócio vil baseado no tráfico negreiro. País que tem no prontuário mais de 500 anos de extermínio dos Povos Indígenas; mais de 350 anos de escravidão; e, a partir do período dito republicano (1889 para cá), Estado de exceção permanente para as/os  excluídos históricos de sempre, seja em governos ditatoriais ou constitucionais.

A ditadura sedimentou todo o lastro desta construção de longa duração da cultura repressiva: escravismo, patriarcalismo, misoginia, patrimonialismo, colonialidade. A tortura, o desaparecimento forçado, o obscurantismo, o negacionismo, a mentira organizada, a estratégia do esquecimento foram adotados como políticas de Estado. Consolidaram-se a dominação e desigualdade intransponíveis, a cultura do extermínio, o racismo estrutural, o genocídio institucional dos Povos Indígenas e do Povo Negro, o ódio à diversidade e aos Direitos Humanos.

Depois que o último dos generais-ditadores deixou o Palácio do Planalto, vieram 34 anos de uma transição conservadora, pactuada, continuísta e sem ruptura (1985-2018), forjada no próprio sistema. Há dois anos e três meses (1º de janeiro de 2019), deu-se o desfecho desta transição com o advento do governo extrema-direita Bolsonaro/Mourão. São autoevidentes o elo e a matriz comum que o ligam ao golpe de 1964 e à ditadura militar.

Foram os 21 anos de ditadura e os 34 anos de transição pactuada que criaram as condições para a consecução de um projeto de poder que mimetiza a ditadura, adota como agenda in totum o seu legado, tem como paradigmas torturadores contumazes e milicianos sanguinários. Sua composição é uma combinação de forças bastante indigesta: extrema-direita de todos os matizes representadas pelas bancadas Boi/Bala/Bíblia/Jaula (leia-se Centrão), ultraliberalismo (leia-se totalitarismo de mercado), fundamentalismo evangélico, Forças Armadas e milícias. Estas, para além da proximidade com a família Bolsonaro, têm presença orgânica no aparelho de governo.

O componente estruturante do projeto de poder bolsonarista é a  militarização do sistema.  Como na ditadura, o atual governo é dos militares. A recente dança de ministros não muda este cenário um milímetro. Mais de seis mil oficiais se apropriaram dos cargos estratégicos do executivo federal – só no Ministério da Saúde são 25. O vice-presidente é general. São sete ministros de Estado. Completa o quadro o recém nomeado ministro da justiça – delegado da PF, bolsonarista raiz da bancada da Bala.

São todos inimigos ferrenhos dos Direitos Humanos. São todos saudosistas da ditadura, do AI-5, da Doutrina de Segurança Nacional. Muitos daqueles que ocupam o primeiro escalão são da turma do Haiti. Lá, o comando brasileiro das forças da ONU (2004-2017) adquiriu experiência na doutrina da contra insurgência (doutrina da pacificação) ao combater selvagemente as forças oponentes (leia-se inimigos internos) em vilas, favelas e comunidades. O general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança institucional) é o responsável pelo massacre de Cité Soleil (Port au Prince, julho de 2005). Perdeu o comando da missão por causa disto. É dele o infame bordão da extrema-direita, dos fascistas e da mídia conservadora: direitos humanos para humanos direitos.

A turma do Haiti trouxe a doutrina da pacificação para o Brasil. Aqui ela é implementada nas invasões policiais e militares dos morros, vilas e favelas, nas operações de garantia da lei e da ordem, nas chacinas cotidianas. O general Braga Netto (Ministério da Defesa) usou e abusou desta lógica do confronto e do abate no comando da intervenção federal no Rio de Janeiro (fevereiro a dezembro de 2018). Neste período houve a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes (14 de março de 2018), nenhum avanço das investigações deste crime e aumento brutal da letalidade policial.

A partir de 2019, a polícia mais letal do planeta tem batido o próprio recorde em morticínio diuturnamente. Tem crescido também exponencialmente o número de casos de tortura, desaparecimentos e execuções por militares das forças armadas. Alvo principal: negros, pobres e periféricos. A novidade estarrecedora é o grande aumento de crianças atingidas. O aparato repressivo legado pela ditadura – que nunca foi desmontado – tem sido incrementado por outros dispositivos totalitários como os autos de resistência, a excludência de ilicitude (pacote anticrime do Sérgio Moro), a facilitação e incentivo de posse e porte de armas.

       A manutenção do legado da ditadura militar é princípio fundante do projeto de poder em vigor.  No dia 18 de março, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região anulou a liminar contrária e autorizou o exército brasileiro e a presidência da república (¿) a celebrarem o golpe militar de 1964. Assim, o Estado brasileiro institucionalizou a celebração do aniquilamento da história e da memória das dezenas de milhares de pessoas que foram perseguidas, monitoradas, cassadas, presas, exiladas, banidas, torturadas, estupradas, mortas e desaparecidas. Institucionalizou a celebração das graves violações dos Direitos Humanos e dos crimes contra a humanidade perpetrados pela ditadura. Reforçou os atos de ódio das hordas bolsonaristas pelo Brasil afora a exigir AI-5, ditadura, tortura e terror.

Esta postura anti-direitos humanos não constitui novidade no judiciário. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou a constitucionalidade da interpretação imposta pelos militares da lei de anistia. Foi consagrada a anistia de mão dupla - a inimputabilidade de torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres de opositoras/es da ditadura. Não por acaso, neste mesmo ano o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos por crimes de lesa humanidade cometidos pelas forças armadas no massacre à guerrilha do Araguaia (1972-1975). Em 2018, foi de novo condenado pelo assassinato de Vladimir Herzog.

A pastora fundamentalista evangélica Damares Alves – titular do dito Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos leva ao paroxismo a postura anti-direitos humanos. Ela tem desanistiado centenas de companheiras e companheiros vítimas da ditadura e desconstruído os mecanismos de prevenção e combate à tortura e as conquistas da luta por Memória, Verdade e Justiça. Agora quer aniquilar o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3).

Nos últimos três anos, o STF tem se tornado cada vez mais militarizado. Seu esquema de segurança foi reforçado com um arsenal de balas de borracha, gás de pimenta e blindados. Seu alvo, certamente, não haveria de ser a invasão da turma do PIB sob a liderança de Bolsonaro e Paulo Guedes, em março de 2020.

 Em 2018, quando presidente da corte, o ministro Dias Toffoly fabricou o cargo de assessor especial para assuntos militares. Seu primeiro titular foi o general Fernando Azevedo e Silva, indicado por ninguém menos que o então comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas – aquele que tuitou a mensagem golpista intimidando o próprio STF. Toffoly declarou que não houve golpe em 1964, houve movimento militar.

No ano passado, ele suspendeu a determinação da justiça federal de retirar do site oficial do Ministério da Defesa a ordem do dia alusiva ao 31 de março de 2020. Esta é assinada pelo então ministro da defesa (general Fernando Azevedo e Silva) e pelos comandantes das três armas, por determinação de Bolsonaro. Trata-se dos quatro generais recém-demissionários/demitidos, os quais, nos últimos dias, estão a ser incensados  pela mídia corporativa, que os considera salvadores da pátria. O teor do documento é o mesmo das ordens do dia de 1º de março de 2019 e de 2021(assinada pelo general Braga Neto, atual ministro da defesa). Todas as três exalam o negacionismo e o autoenaltecimento mais infames, típicos do canhestro léxico da caserna: o movimento de 1964 é apresentado como marco para a democracia brasileira; as forças armadas como grandes defensoras da pátria, garantidoras dos poderes constitucionais e da paz social. É o dia da liberdade, arremata Bolsonaro. O general Mourão também comemora entusiasticamente o golpe de 1964.

A mesma suprema corte que enquadra na Lei de Segurança Nacional um deputado fascista por causa de um vídeo, nada faz a respeito a institucionalização da apologia de crimes contra a humanidade, da comemoração do golpe de 1964 e da celebração da barbárie pelo Estado brasileiro. Além disso, a Lei de Segurança Nacional é dispositivo da ditadura militar contra o qual lutamos há décadas. O governo Bolsonaro/Mourão e seu ministro da justiça têm multiplicado as iniciativas de enquadramento de estudantes, professoras/es, jornalistas, chargistas, militantes de movimentos sociais, dos Direitos Humanos e de esquerda.  

Ao banalizar o entusiasmo das Forças Armadas em relação à ditadura, a mídia corporativa tem reproduzido literalmente a narrativa dos generais, jogando o papel de porta voz do alto comando – exatamente como fazia durante a ditadura. Militares saudosistas da ditadura, admiradores de torturadores sanguinários, entusiastas do golpe estão empenhados em tentativa frenética minimizar seu enorme comprometimento com o projeto de extermínio em andamento – e não só no que se refere à carnificina sanitária. Para isto forjam movimento de descolamento do presidente genocida. Trata-se de reciclagem da cultura do simulacro característica da ditadura militar.

Foram os militares que, durante a ditadura, institucionalizaram a tortura e o desaparecimento forçado, ainda hoje práticas sistêmicas. Foram eles, as forças policiais e grupos de extermínio parapoliciais e paramilitares que construíram o gigantesco e ubíquo aparato repressivo para aniquilar os inimigos internos. Este aparelho continua montado, não tem como ser desinventado. Ao contrário, só tem sido incrementado ao longo destes 57 anos. Os arquivos das Forças Armadas, da Polícia Federal, das polícias estaduais, da comunidade de informações, do Itamarati não foram abertos. Há lacunas, portanto, na história da repressão. Não há como fechar o número de torturadas/os, mortas/os e desaparecidas/os. A totalidade das/os indígenas e a imensa maioria das/os trabalhadoras/es do campo sequer foram nomeadas/os nas listas existentes. Em avaliação conservadora, apenas em uma região, as/os indígenas massacradas/os pela ditadura podem chegar a 10 mil. Hoje os Povos indígenas constituem um dos alvos preferenciais da política genocida do governo Bolsonaro/Mourão. As mortes e os desaparecimentos não foram resolvidos: os familiares continuam a buscar os restos mortais dos seus entes queridos. Não houve esclarecimento circunstanciado nem responsabilização de agentes de Estado responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos. Não houve a responsabilização das grandes corporações empresariais e financeiras que respaldaram e financiaram a ditadura. Há um longo caminho a percorrer para a conquista do direito à História, Memória, Verdade e Justiça.

- ABAIXO O GOLPE DE 1º DE ABRIL DE 1964! ABAIXO A DITADURA! TORTURA NUNCA MAIS!

- COMPANHEIRAS/OS MORTAS/OS E DESAPARECIDAS/OS: PRESENTES, HOJE E SEMPRE!

- PELO DIREITO À HISTÓRIA, À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!

- ABAIXO O TERRORISMO DE ESTADO E DO CAPITAL!

- FORA GOVERNO BOLSONARO/MOURÃO!

- FORA MILICOS E MILÍCIAS DE ONTEM E DE HOJE!

- PELO FIM DO GENOCÍDIO!

- FASCISTAS NÃO PASSARÃO!

Belo Horizonte, 1º de abril de 2021

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG

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