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O GOLPE DE 1964 – 55 ANOS! DITADURA NUNCA MAIS!
No dia 1º de abril de 2019 aconteceram duas
efemérides nefastas: o golpe de 1964 completou 55 anos e o governo de extrema-direita
de Jair Bolsonaro (PSL)/general Mourão (PRTB) completou três meses. Na última
semana de março, Bolsonaro tentou emplacar obscena proposta de celebração em
louvor ao golpe a ser realizada no dia 31 de março, a qual repudiamos
fortemente.
A partir de 1º de abril de 1964, a ditadura
militar (1964-1985) monitorou,
perseguiu, demitiu, cassou, censurou, prendeu, sequestrou, torturou e matou
aqueles que considerava seus inimigos. Fechou e destruiu sindicatos, entidades
culturais, populares e estudantis. O golpe de 1964 veio para garantir o projeto
burguês de consolidação da chamada modernização
conservadora do capitalismo, ou seja, a aceleração da acumulação, da
concentração da renda, da desigualdade, da miséria e da opressão. Para a
consecução deste projeto era preciso aniquilar as conquistas, as lutas e os
canais de militância da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Era
preciso também extinguir a memória histórica, as experiências, as narrativas, a
diversidade, a criatividade e o repertório cultural e artístico construídos
coletivamente.
Soa assustadoramente familiar hoje o
programa do Estado de Segurança Nacional,
operado pelos militares e articulado pela mesmíssima extrema-direita e
pelas mesmíssimas forças conservadoras e reacionárias que hoje estão no poder.
Trata-se dos princípios da Doutrina de
Segurança Nacional, arcabouço ideológico da ditadura militar:
-
política econômica baseada no arrocho salarial, na precarização e na
superexploração da mais valia;
- submissão
definitiva ao capital financeiro internacional (o inefável mercado) e ao imperialismo estadunidense – o cenário era a guerra
fria;
-
militarização do Estado e da sociedade;
-
defesa dos pilares da civilização
ocidental cristã a partir do lema Deus,
pátria e família;
-
combate cerrado ao comunismo
internacional;
-
repressão feroz às classes perigosas e torturáveis
de sempre (no jargão dos militares: subversivos,
marginais, periféricos, diferentes, minorias e desclassificados);
- montagem
de gigantesco aparato repressivo e de ubíqua comunidade de informações para
aniquilar os inimigos internos (todos
que fizessem algum tipo de oposição ao regime – armados ou não). Este aparato
repressivo era comandado pelo Exército em parceria com a Marinha e a
Aeronáutica. Articulava as polícias (civil, militar, federal), o Corpo de
Bombeiros, o Serviço Nacional de Informações/SNI e grupos parapoliciais e
paramilitares, esquadrões da morte experientes. Havia 236 centros de tortura
ativos em todo o país. Estes aplicavam sistematicamente 285 modalidades de
tortura. O DOPS, situado na Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, é um dos
principais. Daí a importância de lutarmos para que ele seja preservado e
ocupado como um lugar de memória - um memorial da resistência e dos direitos
humanos na perspectiva daquelas/es que sofreram a opressão e combateram a
ditadura militar;
-
montagem de aparato legislativo-jurídico (justiça militar, atos institucionais,
decretos leis, decretos secretos) para dar suporte aos desígnios do aparato
repressivo.
Assim, o terrorismo de Estado é a característica
essencial do regime. Dele é emanada a cultura do sigilo, do medo, da suspeição.
A tortura sistêmica, o extermínio, o desaparecimento forçado, a destruição do
espaço público, a censura, o obscurantismo político e cultural, a mentira organizada, a fabricação do esquecimento, o negacionismo
histórico foram institucionalizados e adotados como política de Estado. Dezenas
de milhares de pessoas foram trucidadas pelas engrenagens do aparato repressivo,
dezenas de milhares foram caçadas, presas, exiladas - 130 foram banidas. Outras tantas sofreram o terrível exílio no
próprio país que é a clandestinidade. Quatrocentos e trinta e cinco foram
mortas sob tortura nos porões da ditadura ou executadas sumariamente. A
categoria desaparecidos políticos foi
instituída e exportada para as outras ditaduras do cone sul da América Latina.
O regime fez desaparecer os corpos de pelo menos 179 companheiras e
companheiros. Estas contas definitivamente não estão fechadas, uma vez que até
hoje não foram abertos os arquivos da repressão. Elas não incluem os nomes de
milhares de indígenas, trabalhadores rurais e camponeses assassinados e/ou desaparecidos. Um pacto de silêncio e
impunidade foi firmado pela transição política pactuada sem ruptura, articulada
nas próprias entranhas da ditadura militar a partir de 1985.
Cinquenta e cinco anos depois do golpe,
nada deste contencioso foi equacionado: o aparato repressivo continua ativo e
tem sido incrementado; os desaparecimentos
políticos não foram resolvidos; a tortura, o extermínio e o desaparecimento
forçado institucionais permanecem; os arquivos da repressão continuam
interditados; a Lei de Segurança Nacional e a justiça militar seguem em vigor; não houve responsabilização nem punição dos
torturadores e assassinos de opositores. A fabricação do esquecimento avança,
sobretudo a partir da infame interpretação prevalente do caráter recíproco da
insuficiente Lei de Anistia parcial (Lei 6683/1979) – confirmada pelo Supremo
Tribunal Federal/STF (indeferimento da ADPF 153, de 29 de abril de 2010): anistia
ampla, geral e irrestrita somente para o Estado e os agentes da repressão.
Estes, que cometeram crimes contra a humanidade, têm sido contemplados com a mais completa inimputabilidade. São
premiados com cargos públicos, promoções, comendas, nomes de ruas e de locais
públicos. Diferença abissal em relação aos países vizinhos que também passaram
por ditaduras sangrentas, mas têm efetivado devidamente a responsabilização dos
agentes da repressão e o resgate da memória das lutas. Lembremos que o Estado
brasileiro foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos por crimes contra a humanidade: em dezembro de 2010 (caso da chacina
dos guerrilheiros do Araguaia entre 1972 e 1974) e em julho de 2018 (caso do
assassinato sob tortura de Vladimir Herzog, em 1975, no DOI-CODI de São Paulo).
Este quadro sinistro de permanência do
legado da ditadura é agravado pelo projeto de poder de Jair Bolsonaro. Este
traz no seu bojo o negacionismo histórico, a fabricação do esquecimento, a
cultura do sigilo e a mentira organizada características da ditadura militar. O
discurso de ódio de Jair Bolsonaro indica o objetivo de levar às máximas
consequências o combate aos inimigos
internos. Seus alvos principais são os adeptos do chamado marxismo cultural
(sobretudo professoras e professores), as esquerdas, a classe trabalhadora, as/os
sem terras, as/os sem teto, os Povos Indígenas, o Povo Negro, as/os
quilombolas, as comunidades tradicionais, as mulheres, a população LGBTQI.
Trata-se de flagrante reciclagem da Doutrina de Segurança Nacional.
Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro,
ainda em janeiro, visava tornar o sigilo mais rigoroso que o imposto pela ditadura.
O objetivo da tentativa de mudança da Lei de Acesso à Informação (Lei 12
527/2011) era aumentar o número de documentos ultrassecretos dos arquivos
oficiais. Emblematicamente esta foi iniciativa do então
presidente interino general Hamilton Mourão. Tal medida não vingou por causa da
sua inconstitucionalidade e, sobretudo, pelos protestos de movimentos sociais,
pesquisadoras/es e vários setores da sociedade. A tentativa revelou claramente o
lastro do regime ditatorial presente neste governo.
Na
mesma linha, Bolsonaro tem como herói declarado o chefe sanguinário do DOI-CODI
do 2º Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (1970-1974) – o único no Brasil
com sentença declaratória de torturador transitada em julgado. Também são seus
heróis o ditador chileno Pinochet (1973-1990) e o ditador paraguaio Stroessner
(1954-1989). Além disso, a família Bolsonaro tem histórico de exaltação das
milícias e de manutenção de relações promíscuas com elas, o que inclui
comendas, homenagens, nomeações para os gabinetes, convescotes, tráfico de
influência. É sobejamente conhecido que são estes grupos de extermínio os
responsáveis pela execução de Marielle Franco e de Anderson Gomes (14 de março
de 2018), ainda sem solução.
Na
prática, o país tem sido governado por uma junta militar em aliança com o fundamentalismo
cristão (igrejas evangélicas) e o totalitarismo de mercado (ultraliberalismo). São
nove militares a ocupar cargos no primeiro escalão, oito deles da chamada turma do Haiti. Centenas ocupam cargos
estratégicos no aparelho de governo. São todos – sem exceção - ferozes defensores
da ditadura militar. É este o tom da ordem
do dia em celebração ao
aniversário de 55 anos do golpe, assinada pelo Ministro da Defesa general
Fernando Azevedo juntamente com os comandantes das três armas, por determinação
de Bolsonaro. O documento é um primor de narrativa negacionista que visa o
assassinato da memória, componente essencial da ideologia fascista.
Os
militares da cúpula do governo Bolsonaro são também inimigos ferrenhos dos Direitos
Humanos. Foi o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete Institucional) - tido
como o agente consciente do poder, tutor de Bolsonaro - quem cunhou a infame fórmula
Direitos Humanos para os humanos direitos.
É este o lema da extrema-direita, dos fascistas e da mídia conservadora. Tal
fórmula é uma das responsáveis pelo aviltamento do senso comum que tem levado à
criminalização da luta pelos Direitos Humanos. Os militares da turma do Haiti deixaram um rastro de sangue nas comunidades pobres
durante os 13 anos de ocupação da ilha caribenha (2004-2017). De volta ao
Brasil, aplicaram esta reciclagem repressiva na invasão dos morros e favelas,
na reintegração de posse de áreas rurais e urbanas, na contenção de manifestações
populares (não esqueçamos 2013), nas definitivamente banalizadas operações de garantia da lei e da ordem. O que é
pior: a própria constituição de 1988 comete a desfaçatez de delegar às Forças
Armadas golpistas o papel de garante da lei e da ordem constitucionais.
Também
a justiça está militarizada. O atual presidente do STF, Dias Toffoli, reproduz a
narrativa negacionista do bolsonarismo e das forças armadas: para ele tampouco houve
golpe ou ditadura militar. Nomeou um
general como assessor especial para fazer a ponte direta com a caserna. Além
disso, a segurança da chamada suprema
corte foi reforçada com um arsenal de balas de borracha, gás de pimenta e
carros blindados.
O
Ministério da Justiça de Sérgio Moro avança neste processo de militarização.
Seu pacote dito anticrime traz o
dispositivo fascista da isenção de
ilicitude – direito de matar - para
uma polícia que é aquela que mais mata no mundo. Traz ainda o dispositivo
misógino da flexibilização da posse
de armas em um país que é um dos campeões mundiais em feminicídio e
transfeminicídio. Além disso, há o aprofundamento da política de encarceramento
em massa com a histeria punitiva ali contida - o Brasil já tem as terceiras
populações carcerárias masculina e feminina do planeta. Por sua vez, o
secretário de segurança pública de Moro, general Guilherme Theóphilo, é
defensor ardente da ditadura e detrator virulento da Comissão Nacional da
Verdade (CNV) e dos Direitos Humanos.
Para
arrematar, o tenente brigadeiro Ricardo Machado Vieira acaba de ser nomeado
para secretário executivo do Ministério da Educação, segundo cargo mais
importante da pasta. Não há combinação mais indigesta: militarismo explícito
com o mais canhestro moralismo fundamentalista representado por Vélez
Rodríguez. Este é responsável pelo desmonte acelerado da pasta e de uma série
de medidas fascistizantes tão desastradas que nem vale a pena enumerar – destaque
para a Escola Sem Partido (lei da mordaça).
Este senhor ultrarreacionário propôs a substituição dos livros didáticos pelos
que dizem que não houve golpe nem ditadura, negando a História. Vélez Rodrigues foi trocado agora por certo
Abraham Weintraub, financista de extrema-direita, também seguidor de Orlando de
Carvalho.
Completa o quadro do processo
galopante de militarização a nomeação de generais para várias secretarias
estaduais Brasil afora. Os casos mais
drásticos são Rio de Janeiro e São Paulo com os governadores linha dura Wilson
Witzel (PSC) e João Doria (PSDB). Eles exacerbam o discurso explícito do abate. Os resultados deletérios foram
imediatos: em janeiro e fevereiro houve aumento exponencial das denúncias de
tortura nestes dois estados. No Rio, o
número de mortes por policiais bateu o próprio recorde: 145 mortes em 28 dias –
média de cinco por dia. As chacinas e o varejão destas mortes se multiplicam
desbragadamente na cidade, no campo e na floresta. Também em Minas, o
governador Zema (Novo) tem um general na segurança pública.
Falta
mencionar que a turma dos civis do
primeiro escalão do governo bolsonarista é tão linha dura quanto os militares,
bem ao estilo da ditadura. A fundamentalista Damares Alves pontifica no
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, onde imprime linha
antifeminista, misógina, lghbtqifóbica e racista. Faz investidas constantes
contra os direitos das mulheres e dos Povos Indígenas. Tem o projeto de
aniquilar a Comissão de Anistia e o seu acúmulo no que diz respeito ao resgate
da luta contra a ditadura, às reparações devidas aos familiares de mortos e
desaparecidos, às vítimas da ditadura e à memória das mesmas. O titular do
Ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é talvez o mais reacionário
e anticomunista de todos. Vem de uma linhagem de simpatizantes do nazismo: seu
pai, Henrique Fonseca de Araújo, procurador geral da República durante a
ditadura (nomeado pelo general Geisel), impediu a extradição do genocida nazista
Gustav Franz Wagner, responsável por 250 mil mortes entre 1942-43 no campo de
extermínio Sobibor (Polônia). Ernesto Araújo, Vélez Rodrígues e Abraham Weintraub
são seguidores fidelíssimos do reacionário supremacista branco Olavo de Carvalho,
colega de Steve Bannon, guru supremo do bolsonarismo desvairado.
Se a política de segurança de Sérgio Moro institui
a guerra generalizada contra os pobres, a política econômica do Chicago boy Paulo Guedes – capitaneada
pela mal chamada reforma da previdência
– institucionaliza o direito absoluto de exploração da classe trabalhadora cujos
limites são a exaustão e a morte. A lógica é a mesma da política econômica da
ditadura. A referência é o modelo de previdência adotado no Chile pelo ditador
Pinochet. Seu legado é uma legião de miseráveis - sobretudo idosos - e lucros
estratosféricos do capital financeiro.
A
linha de continuidade que liga as duas efemérides em questão é evidente: uma
matriz comum une o golpe de 1964 ao governo Bolsonaro. Trata-se de repetição da
história no modo pesadelo: mantém-se o paradigma da Doutrina de Segurança Nacional.
Por esta proximidade, este governo fascista está a entoar odes de louvor ao
golpe e à ditadura militar. Trata-se de apologia do horror. À insuportável persistência
das monstruosidades da ditadura - incorporadas pelo governo Bolsonaro - devemos
opor a negação resoluta; a luta pelo direito à História, à Memória, à Verdade e
à Justiça; a defesa radical dos Direitos Humanos; o combate antifascista ao
terrorismo de Estado e do capital. A classe trabalhadora e os movimentos
sociais não estão a tolerar o intolerável. Manifestações de repúdio se
multiplicam em todo o país. O governo Bolsonaro já dá sinais de exaustão. Sua
popularidade artificial e espúria começa a se dissolver. Há ainda, contudo, muita luta pela frente, longo
caminho a percorrer.
Golpe,
ditadura e tortura NUNCA MAIS!
Pelo
direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça!
ABAIXO
o terrorismo de Estado!
NÃO à reforma da
previdência! NÃO ao fim da aposentadoria!
Nenhum direito a menos!
FORA
Bolsonaro e seu governo fascista! FORA militares!
Belo Horizonte, 08 de abril de 2019
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
– BH/MG