Reconstrução
do Fórum Permanente
de Solidariedade às Ocupações - BH
(...)Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
o país de todo homem.
(Carlos Drummond de Andrade,
A cidade prevista em A rosa do povo)
Este documento é uma proposta de discussão: constitui reflexão sobre o papel de um coletivo que se propõe a reconstruir um Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH. Tal reflexão envolve duas questões fundamentais:
• o caráter deste coletivo; e
• este é o ponto mais delicado – a relação estabelecida entre as esquerdas nesta construção.
A seguir, um pequeno histórico. Começamos a nos articular quando várias famílias das comunidades Dandara, Camilo Torres, Irmã Dorothy e Torres Gêmeas acamparam em frente à Prefeitura de Belo Horizonte, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 2010. Estas famílias foram ali covardemente agredidas pela Guarda Municipal e a tropa de choque da PMMG, não foram poupadas sequer mulheres e crianças. Fez-se necessário, então, unir as esquerdas e os movimentos populares para apoiar e garantir a resistência destas comunidades quanto aos ataques promovidos pela Prefeitura, o Governo do Estado, o poder judiciário e o capital imobiliário, os quais expulsam os pobres da cidade para torná-la propriedade exclusiva da burguesia. Nesta luta foi constituído o Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH como um coletivo político que se organiza de modo horizontal, formado por moradores destas comunidades, movimentos populares, movimentos sociais, coletivos autônomos e independentes, sindicatos e centrais sindicais, entidades e organizações de esquerda. O Fórum colocou-se contra este modelo excludente, segregacionista e militarizado de cidade, fundamentado na criminalização dos movimentos sociais e na guerra generalizada contra os pobres. Todo este dispositivo – que joga, sistematicamente, milhares de homens, mulheres, jovens, crianças e idosos nas ruas, espoliados de tudo – foi concebido para privilegiar uma minoria que lucra através da especulação imobiliária e da exploração sobre a classe
trabalhadora.
O Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH atuou efetivamente em BH por mais de um ano. A partir e por meio da própria intensidade
da luta, contribuiu para a denúncia e ampliação da visibilidade do problema e para a discussão de sua causa: a hegemonia de governos que beneficiam o capital. Parte das entidades propôs o avanço no debate sobre questões de fundo – como o combate
à remuneração da propriedade - para produzir democraticamente uma perspectiva estratégica. Esta discussão apontava para a superação do taticismo e do imediatismo que limitam nossas ações. Houve discordâncias que levaram ao não cumprimento dos princípios e normas de atuação coletiva decididas em reuniões do próprio Fórum.
Como isso não foi debatido política e fraternalmente, não se consolidou o desejado caráter sistemático e permanente da luta. O saldo organizativo foi esvaziado, além disso, por certa idéia de territorialidade - incorporada por alguns companheiros – que nos parece incompatível com os princípios de horizontalidade, transparência e unidade
na ação, que são aqueles defendidos pelo Fórum.
De outubro de 2010 para cá, o processo evoluiu, mas, por tratar-se de processo histórico, não o fez de maneira linear. Mais duas ocupações foram realizadas – a Zilah Spósito Helena Greco (2011) e a Eliana Silva (abril/2012). A Comunidade Dandara - que fez agora 3 anos - se firmou como a maior ocupação de MG. A Camilo Torres (a mais antiga) e a Irmã Dorothy continuam, como as outras, resistindo às investidas do capital. Houve uma violenta ofensiva por parte deste: todas as ocupações estão sob ameaça iminente de despejo, os mandados de reintegração
de posse foram expedidos e estão ativos. A proximidade dos chamados mega-eventos– Olimpíadas e Copa do Mundo – exacerbou a sanha do governo municipal de Márcio Lacerda, do governo estadual de Anastasia e do governo federal de Dilma
Roussef, na perspectiva da higienização da cidade e da privatização do espaço público. Sabemos, por outro lado, tratar-se de questão estrutural – por isto mesmo nossa luta deve ser permanente na perspectiva da construção de um projeto socialista
para a cidade.
Com o esvaziamento organizativo do Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH continuamos articulados em uma rede de apoio às ocupações. Esta procurou responder, da maneira mais satisfatória possível, às demandas imediatas colocadas pela luta das comunidades. Conseguimos acumular alguns avanços, mas não equacionar a questão fundamental de imprimir sistematicidade, permanência e horizontalidade à nossa ação.
Precisamos forjar um patamar de discussão e convivência política que passe pelo estabelecimento de princípios dos quais não podemos abrir mão: todos eles dizem respeito à luta contra o capital e à construção de um projeto socialista. Dizem respeito também à ética, lealdade e companheirismo: as divergências que existem, mais do que reais, são desejáveis, mas devem ser tratadas politicamente.
Não podemos perder de vista que temos um poderoso inimigo comum, que não tem cessado de vencer. A luta continua. Propomos a retomada do Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH para que possamos realizá-la com maior eficácia. Este Fórum não só deve apoiar e solidarizar, como também
defender, resistir e combater pelo direito à moradia - sempre a partir da perspectiva dos moradores destas comunidades, respeitando suas próprias decisões. Lutamos contra o latifúndio urbano e rural. Somos , consequentemente, a favor da realização radical da reforma agrária e urbana. Lutamos contra o despejo destes trabalhadores e trabalhadoras que construíram suas casas com as próprias mãos e povoaram de sonhos terrenos abandonados. Lutamos por um modelo de cidade socialista e libertário, que incorpore as necessidades e as conquistas da classe trabalhadora: uma cidade sem portas, de casas sem armadilhas, como previu o poeta.
Assinam este documento: Associação dos Geógrafos Brasileiros/AGB-BH, Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas/AMES-BH, Brigadas Populares/BPs, DCE-Fumec, Fórum Social Mundial-MG/FSMMG, Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania/IHG, Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas/MLB, Movimento Marxista 5 de Maio/MM5, Partido Comunista Brasileiro/PCB, Partido Socialismo e Liberdade/PSOL, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado/PSTU, União da Juventude Revolucionária/UJR.
Belo Horizonte, 8 de maio de 2012
(...)Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
o país de todo homem.
(Carlos Drummond de Andrade,
A cidade prevista em A rosa do povo)
Este documento é uma proposta de discussão: constitui reflexão sobre o papel de um coletivo que se propõe a reconstruir um Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH. Tal reflexão envolve duas questões fundamentais:
• o caráter deste coletivo; e
• este é o ponto mais delicado – a relação estabelecida entre as esquerdas nesta construção.
A seguir, um pequeno histórico. Começamos a nos articular quando várias famílias das comunidades Dandara, Camilo Torres, Irmã Dorothy e Torres Gêmeas acamparam em frente à Prefeitura de Belo Horizonte, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 2010. Estas famílias foram ali covardemente agredidas pela Guarda Municipal e a tropa de choque da PMMG, não foram poupadas sequer mulheres e crianças. Fez-se necessário, então, unir as esquerdas e os movimentos populares para apoiar e garantir a resistência destas comunidades quanto aos ataques promovidos pela Prefeitura, o Governo do Estado, o poder judiciário e o capital imobiliário, os quais expulsam os pobres da cidade para torná-la propriedade exclusiva da burguesia. Nesta luta foi constituído o Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH como um coletivo político que se organiza de modo horizontal, formado por moradores destas comunidades, movimentos populares, movimentos sociais, coletivos autônomos e independentes, sindicatos e centrais sindicais, entidades e organizações de esquerda. O Fórum colocou-se contra este modelo excludente, segregacionista e militarizado de cidade, fundamentado na criminalização dos movimentos sociais e na guerra generalizada contra os pobres. Todo este dispositivo – que joga, sistematicamente, milhares de homens, mulheres, jovens, crianças e idosos nas ruas, espoliados de tudo – foi concebido para privilegiar uma minoria que lucra através da especulação imobiliária e da exploração sobre a classe
trabalhadora.
O Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH atuou efetivamente em BH por mais de um ano. A partir e por meio da própria intensidade
da luta, contribuiu para a denúncia e ampliação da visibilidade do problema e para a discussão de sua causa: a hegemonia de governos que beneficiam o capital. Parte das entidades propôs o avanço no debate sobre questões de fundo – como o combate
à remuneração da propriedade - para produzir democraticamente uma perspectiva estratégica. Esta discussão apontava para a superação do taticismo e do imediatismo que limitam nossas ações. Houve discordâncias que levaram ao não cumprimento dos princípios e normas de atuação coletiva decididas em reuniões do próprio Fórum.
Como isso não foi debatido política e fraternalmente, não se consolidou o desejado caráter sistemático e permanente da luta. O saldo organizativo foi esvaziado, além disso, por certa idéia de territorialidade - incorporada por alguns companheiros – que nos parece incompatível com os princípios de horizontalidade, transparência e unidade
na ação, que são aqueles defendidos pelo Fórum.
De outubro de 2010 para cá, o processo evoluiu, mas, por tratar-se de processo histórico, não o fez de maneira linear. Mais duas ocupações foram realizadas – a Zilah Spósito Helena Greco (2011) e a Eliana Silva (abril/2012). A Comunidade Dandara - que fez agora 3 anos - se firmou como a maior ocupação de MG. A Camilo Torres (a mais antiga) e a Irmã Dorothy continuam, como as outras, resistindo às investidas do capital. Houve uma violenta ofensiva por parte deste: todas as ocupações estão sob ameaça iminente de despejo, os mandados de reintegração
de posse foram expedidos e estão ativos. A proximidade dos chamados mega-eventos– Olimpíadas e Copa do Mundo – exacerbou a sanha do governo municipal de Márcio Lacerda, do governo estadual de Anastasia e do governo federal de Dilma
Roussef, na perspectiva da higienização da cidade e da privatização do espaço público. Sabemos, por outro lado, tratar-se de questão estrutural – por isto mesmo nossa luta deve ser permanente na perspectiva da construção de um projeto socialista
para a cidade.
Com o esvaziamento organizativo do Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH continuamos articulados em uma rede de apoio às ocupações. Esta procurou responder, da maneira mais satisfatória possível, às demandas imediatas colocadas pela luta das comunidades. Conseguimos acumular alguns avanços, mas não equacionar a questão fundamental de imprimir sistematicidade, permanência e horizontalidade à nossa ação.
Precisamos forjar um patamar de discussão e convivência política que passe pelo estabelecimento de princípios dos quais não podemos abrir mão: todos eles dizem respeito à luta contra o capital e à construção de um projeto socialista. Dizem respeito também à ética, lealdade e companheirismo: as divergências que existem, mais do que reais, são desejáveis, mas devem ser tratadas politicamente.
Não podemos perder de vista que temos um poderoso inimigo comum, que não tem cessado de vencer. A luta continua. Propomos a retomada do Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações-BH para que possamos realizá-la com maior eficácia. Este Fórum não só deve apoiar e solidarizar, como também
defender, resistir e combater pelo direito à moradia - sempre a partir da perspectiva dos moradores destas comunidades, respeitando suas próprias decisões. Lutamos contra o latifúndio urbano e rural. Somos , consequentemente, a favor da realização radical da reforma agrária e urbana. Lutamos contra o despejo destes trabalhadores e trabalhadoras que construíram suas casas com as próprias mãos e povoaram de sonhos terrenos abandonados. Lutamos por um modelo de cidade socialista e libertário, que incorpore as necessidades e as conquistas da classe trabalhadora: uma cidade sem portas, de casas sem armadilhas, como previu o poeta.
Assinam este documento: Associação dos Geógrafos Brasileiros/AGB-BH, Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas/AMES-BH, Brigadas Populares/BPs, DCE-Fumec, Fórum Social Mundial-MG/FSMMG, Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania/IHG, Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas/MLB, Movimento Marxista 5 de Maio/MM5, Partido Comunista Brasileiro/PCB, Partido Socialismo e Liberdade/PSOL, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado/PSTU, União da Juventude Revolucionária/UJR.
Belo Horizonte, 8 de maio de 2012
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