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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

10 DE DEZEMBRO: DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS | No bolsonarismo e no capitalismo não há Direitos Humanos!

    O Dia Internacional dos Direitos Humanos é marcado por luto e luta: o Estado brasileiro segue mantendo sua tradição histórica como um dos maiores violadores dos Direitos Humanos do mundo. O Brasil tem a segunda maior população negra e mais de 350 anos de escravidão no prontuário. É o país do racismo estrutural, do genocídio institucional do Povo Negro e dos Povos Indígenas, do encarceramento em massa. Tem a terceira maior população carcerária. Tem um dos maiores índices de concentração de renda e desigualdade social. Tem a polícia mais violenta e mais letal do planeta. É o campeão mundial em transfeminicídio e violência contra LGBTQIA+.  Ocupa a quinta posição em casos de estupro, feminicídio e violência doméstica, que têm aumentado exponencialmente nestes tempos de pandemia. É campeão em destruição do ecossistema e em esbulho dos territórios indígenas e quilombolas. É um dos campeões em crimes do latifúndio. É vice-campeão em mortes e contaminação pela COVID-19, que atinge sobretudo a população negra, indígena e pobre.

    A tortura, os desaparecimentos forçados, as execuções sumárias, o negacionismo histórico, a fabricação do esquecimento – legados da ditadura militar (1964-1985) – permanecem como sólidas instituições por aqui. Na próxima segunda-feira, dia 14/12, completam-se 10 anos da condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos por estes crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura: torturas, mortes e desaparecimentos dos militantes da Guerrilha do Araguaia (1972-1974). A sentença determina o esclarecimento das circunstâncias destes crimes e sua publicização; a responsabilização judicial dos culpados; a abertura irrestrita dos arquivos da repressão; a localização e devolução dos restos mortais das/os guerrilheiras/os aos familiares; o resgate da memória e a reparação histórica. Ao longo de 10 anos o Estado brasileiro tem se recusado terminantemente a cumprir estas determinações. Agora, então, quando opera no modo fascismo, isto parece mais distante do que nunca.

    Estes dois anos de governo Bolsonaro/Mourão/Guedes têm levado ao paroxismo todas estas graves violações dos Direitos Humanos arroladas nos dois primeiros parágrafos, adotando-as como política de Estado. Os componentes do projeto de poder bolsonarista são a militarização sistêmica, o fundamentalismo evangélico, o conservadorismo, o neoliberalismo – a extrema direita. Torturadores contumazes e milicianos genocidas são seus paradigmas.

    A polícia mais violenta do mundo – que mata preta/o e pobre todo dia – é a manifestação mais imediata do racismo estrutural e do genocídio institucional vigentes. Estes são sustentados por dispositivos fascistas do aparato repressivo/jurídico/legislativo tais como o pacote anticrime de Sérgio Moro e o excludente de ilicitude (leia-se direito de matar) para as polícias e as forças armadas. E ainda: a draconiana Lei de Segurança Nacional (da época da ditadura), a lei do crime organizado e a lei antiterrorismo, que criminalizam manifestações e movimentos sociais.

    Crianças e adolescentes das favelas e periferias constituem agora o alvo principal da política de extermínio daí advinda. Só no Rio de Janeiro, 12 crianças negras foram executadas neste ano: Anna Carolina de Souza Neves, Douglas Enzo, Ítalo Augusto, João Pedro, Emily Vitória, Rebeca Beatriz, Kauã Vitor da Silva, Leônidas Augusto, Luiz Antônio de Souza, Maria Alice Neves, Rayane Lopes, João Vitor Moreira.

    Denúncias de execuções, torturas e maus tratos se multiplicam em todo o Brasil. No massacre de Paraisópolis (São Paulo/SP) há um ano, nove adolescentes negros foram mortos e dezenas feridos pela polícia. Até agora não houve qualquer tipo de reparação para vítimas e familiares. Nenhum policial foi responsabilizado. No dia 08/12, em Porto Alegre/RS, na Vila Grande Cruzeiro, a ativista dos movimentos negro, feminista e dos Direitos Humanos Jane Beatriz de Souza Nunes foi assassinada em abordagem truculenta e ilegal da 1ª Brigada Militar, que tentava invadir a sua casa. Toda a comunidade está mobilizada em protesto. No Rio Grande do Sul, só no primeiro semestre de 2020 foram 90 as mortes por policiais. Em Belo Horizonte/MG houve também significativo aumento da violência policial: no dia 07/12 duas meninas (11 e 16 anos) – que felizmente sobreviveram - foram baleadas pela Policia Militar na Vila Mariquinhas, região de Venda Nova. No dia 07/12 duas jovens (17 e 22 anos) foram feridas pelas famigeradas balas perdidas no Aglomerado da Serra. Em todos os fins de semana há notícias de vítimas da polícia nas vilas e favelas. O desmantelamento do aparato repressivo, assim, é elemento essencial da luta Antirracista.

    O assassinato de Beto Freitas (40 anos) por seguranças do Carrefour em Porto Alegre/RS desvelou mais uma vez, ao vivo e em cores, o racismo estrutural contido na consubstancialidade entre terrorismo de Estado e terrorismo do capital. Revelou também a promiscuidade e organicidade entre segurança pública e segurança privada. As empresas de segurança privada têm geralmente como proprietários policiais e/ou militares, que constituem também a maioria dos seus quadros. São treinadas pela Polícia Militar e monitoradas pela Polícia Federal. Um dos executores de Beto Freitas é policial temporário, outra ilegalidade flagrante. O fato de ter acontecido em pleno Dia Nacional da Consciência Negra (20/11) acabou conferindo destaque a uma prática sistemática corriqueira e protocolar – banalizada ao extremo no país. Desvelou ainda o processo crescente de fascistização da sociedade: Beto Freitas foi executado publicamente sob tortura em área social bastante movimentada de uma das maiores transnacionais que atuam no país. Funcionários da empresa participaram diretamente do crime. Houve plateia a favor e indiferente. Foram feitas gravações, transmitidas em tempo real nas chamadas redes sociais. Algo muito semelhante à execução de George Floyd nos Estados Unidos, em maio deste ano. No dia 07/12, o jovem negro Alex Junior Alves de Souza (28 anos) foi agredido verbalmente e violentamente espancado pelo dono e seguranças do supermercado Guaicuí, em Várzea das Palmas/MG, acusado indevidamente de roubo.  

    No dia 08/12, completaram-se 1000 dias da execução sumária de Marielle Franco e Anderson Gomes.  Até hoje o processo se arrasta sem desfecho. Além do racismo estrutural, aí fica escancarada a peculiaridade mais abjeta do governo bolsonarista: a presença orgânica das milícias no Palácio do Planalto. O miliciano escritório do crime atua ao lado do gabinete do ódio. Ambos estão muito bem instalados no centro do poder. O crime organizado, a mentira organizada e a militarização sistêmica se retroalimentam. O governo é miliciano.

    A necropolítica neoliberal completa este quadro aterrador ao agravar a destruição que do que restou das conquistas de décadas de luta da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Trata-se agora do aniquilamento definitivo dos direitos trabalhistas, das políticas públicas de previdência social, saúde, educação, moradia, saneamento básico, segurança alimentar, seguridade social. O sucateamento do SUS é uma das medidas mais deletérias. Tudo é transformado em commodities para atender aos desígnios do mercado total, cujo maior beneficiário é o capital financeiro. De novo, os mais atingidos são as/os negras/os, indígenas e pobres. A luta Antirracista é necessariamente Anticapitalista.

    Na perspectiva da mercantilização desenfreada, em parceria com donos de hospitais psiquiátricos privados (leia-se manicômios) - organizados na Associação Brasileira de Psiquiatria, no Conselho Federal de Medicina e na Associação Brasileira de Medicina - o governo Bolsonaro quer agora determinar com uma canetada o desmonte sumário e cabal da Política de Saúde Mental. Esta é baseada na Luta Antimanicomial e Antiproibicionista. Constitui acúmulo de décadas de luta pelo fim das prisões e dos manicômios. Tem como princípios os Direitos Humanos, a prática comunitária, a horizontalidade, o protagonismo das/os usuárias/os e das trabalhadoras/es dos serviços de Saúde Mental. As/os negras/os - a grande maioria dos usuários – mais uma vez serão as grandes vítimas desta iminente retomada da lógica do confinamento, dos choques elétricos, das práticas de contenção, hospitalização e medicalização. Trata-se de mais uma investida eugenista e genocida do supermilitarizado Ministério da Saúde bolsonarista, responsável também pelo massacre provocado pela COVID-19, por negar prevenção e atendimento às comunidades indígenas e quilombolas, por boicotar as vacinas em andamento, por retirar a população carcerária das futuras listas de vacinação. A essência de tudo isto é o racismo estrutural. Fica evidente, portanto, a interface entre luta Antirracista e luta Antimanicomial.

    Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos reafirmamos mais uma vez nossas homenagens a todas as vítimas do terrorismo de Estado e a todas/os  que combatem o racismo estrutural e o genocídio institucional. Sabemos que estas são iniquidades constitutivas do sistema capitalista, o qual forjou o colonialismo, o escravismo, o patriarcalismo, o imperialismo e o fundamentalismo. Trata-se, portanto, de luta internacionalista contra-hegemônica e decolonial. É preciso articular Feminismo, direito à Diversidade, Antirracismo, Antifascismo e Anticapitalismo. É esta a nossa concepção da luta pelos Direitos Humanos.

Pelo fim do genocídio do Povo Negro e dos Povos Indígenas!

Pelo fim das execuções, dos desaparecimentos forçados e da violência policial nos morros, vilas, favelas e ocupações!

Pelo desmantelamento do aparato repressivo!

Abaixo o terrorismo de Estado e do capital!

Anna Carolina de Souza Neves, Douglas Enzo, Ítalo Augusto, João Pedro, Emily Vitória, Rebeca Beatriz, Kauã Vitor da Silva, Leônidas Augusto, Luiz Antônio de Souza, Maria Alice Neves, Rayane Lopes, João Vitor Moreira: Presentes, hoje e sempre!

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2020

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG


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