A necropolítica ultraneoliberal
vigente tornou-se a tumbeira do país: adotou a morte e a destruição como políticas
de Estado. Os Direitos Humanos constituem objeto de ódio visceral do governo genocida,
militarista, miliciano e ultraconservador Bolsonaro (PL)/Mourão (PRTB). Este
governo é a cara de sua base no congresso, o centrão, apelido que camufla seu caráter de classe. É a bancada das
finanças, dos empresários, dos latifundiários, dos policiais, dos militares,
das milícias e dos fundamentalistas evangélicos – a bancada boi/bala/bíblia/jaula.
Operando no modo fascista, o Estado
brasileiro se firmou como um dos campeões mundiais em graves violações dos
Direitos Humanos. Estamos falando do genocídio sanitário provocado por um
negacionismo abjeto – o Brasil é o segundo no mundo em contaminação e óbitos
por COVID-19. Estamos falando sobretudo do genocídio institucional do Povo Negro
e dos Povos Indígenas emanados do racismo estrutural, da colonialidade
sistêmica, do patriarcalismo e escravismo históricos; e ainda, a miséria
vigente.
Este negacionismo
abjeto está contido no obscurantismo cultural - o ataque feroz ao ensino, à
pesquisa, às universidades, à ciência, às manifestações artísticas. Seu
subproduto mais deletério é a mentira organizada, também adotada como política
de Estado. Sua manifestação principal é a negação da História: o “aniversário”
do golpe – chamado movimento no
jargão da caserna – passou a ser oficialmente comemorado todo dia 31 de março
pelas Forças Armadas. Afinal de contas, este governo tem como paradigmas
declarados a ditadura militar (1964-1985), o AI-5, torturadores contumazes e
milicianos (grupos de extermínio). Daí partiu o processo de desmonte das
políticas públicas de Direitos Humanos e daquelas voltadas para Memória e
Verdade. Questões sobre a ditadura foram banidas do ENEM. Em novembro deste ano
veio chumbo grosso: foi nomeado diretor-geral do Arquivo Nacional, certo
Ricardo Borba D’Água Braga. Seu currículo: ex-chefe de segurança do Banco do
Brasil, ex-subsecretário de segurança pública do Distrito Federal, campeão de
tiro, é CAC (Caçador, Atirador desportivo, Colecionador) e colaborador emérito do exército. Trata-se de verdadeira queima de
arquivo administrativa. Houve repúdio geral das associações de arquivologia do
Brasil; foi aberta investigação sobre a nomeação pelo Ministério Público
Federal. A maior instituição de preservação da memória histórica do país corre
risco de sofrer uma queima de arquivos administrativa se o recém-nomeado for
mantido no cargo. Também em novembro, o governo federal anunciou o leilão do
prédio da FAFICH-UFMG onde estava sendo construído o Memorial da Anistia, mais
um ataque flagrante à luta por Memória, Verdade e Justiça.
Dispositivos
fascistas, armamentismo exacerbado, punitivismo penal, discursos de ódio têm
levado ao extremo a violência policial cuja letalidade é – há tempos - a maior
do mundo. Têm levado ao extremo também o transfeminicídio (primeira posição
entre 82 países), o feminicídio, os estupros, a violência doméstica, a
violência contra LGBTQIA+ (quinta posição). Este cenário se agrava nesses
tempos de pandemia.
A violência
policial é sustentada pelo incremento do aparato repressivo/ jurídico/legislativo:
a política antidrogas, o pacote anticrime de Sérgio Moro (Podemos), a isenção de ilicitude, a lei
antiterrorismo e as constantes tentativas de endurecimento dela. Não podemos
perder de vista que, na sua essência, o aparelho de Estado foi mantido na mesma
estrutura que tinha na ditadura, sobretudo o aparato repressivo. A nova lei dos crimes contra o Estado Democrático de
Direito (02/09/21) e as mudanças no Código Penal têm a lógica daquela que
vieram a substituir - a Lei de Segurança Nacional de 1983. O objetivo é eliminar
os inimigos internos de sempre: trabalhadoras/es, Povo Negro, Povos Indígenas,
pobres, periféricas/os, marginalizadas/os, as/os diferentes e os movimentos sociais. A partir de 2019, os casos de
tortura e desaparecimentos forçados – que já eram muitíssimos – cresceram ainda
mais.
Em 2020, a polícia
quebrou o próprio recorde em letalidade. O número de mulheres executadas
dobrou; aumentou também o número de crianças mortas. Os negros constituem a
maioria das vítimas, como sempre (78%). Também é negra a maioria das vítimas da
COVID-19. A maioria da população carcerária é negra – a terceira do planeta (tanto
masculina quanto feminina).
As chacinas aqui têm periodicidade
assustadoramente regular. No dia 6 de maio deste ano, houve a chacina do Jacarezinho,
a maior da história do Rio de Janeiro – a PM executou 28 moradores com
requintes de crueldade. Nos dias 20 e 21 de novembro foi a Chacina do Salgueiro
(São Gonçalo/RJ). Vinte e dois policiais do BOPE perseguiram, torturaram e
executaram nove pessoas. Dispararam os fuzis 1514 vezes e acertaram 42 tiros. Depois
jogaram os corpos no manguezal, fizeram churrasco e roubaram dinheiro e armas. Foram
os próprios moradores que resgataram os corpos. Claudio Castro (PL), o
governador bolsonarista do Rio de Janeiro, escarneceu das vítimas mortas e
ofendeu seus familiares e a comunidade do Salgueiro. Na tarde de 30 de
novembro, Jhonny Ítalo da Silva foi algemado na moto e arrastado por um
policial militar nas ruas do centro de São Paulo, cena que automaticamente
remete à escravidão - prática rotinizada pelo aparato repressivo.
As graves violações dos Direitos Humanos
se multiplicam também na Floresta e no campo. O governo Bolsonaro/Mourão tem
cumprido à risca seus princípios programáticos: interdição absoluta de
demarcação de terras indígenas, esbulho daquelas já demarcadas e destruição dos
principais biomas. Os índices de desmatamento da Amazônia foram para a
estratosfera. O Pantanal e o Cerrado também estão em chamas. Houve pesada
militarização dos mecanismos de controle para o desmonte total das políticas
públicas do meio ambiente. Isto absorveu parte dos seis mil militares – todos
saudosos da ditadura - incrustados no aparelho de Estado.
Todo o aparato
repressivo/burocrático/jurídico/legislativo/militar se colocou à disposição do
agronegócio/latifúndio, das mineradoras e das empreiteiras na Amazônia. Hoje estão
em andamento megaprojetos de abertura de estradas (rodovias e ferrovias),
construção de hidrelétricas, mineração, empreendimentos agrícolas. São eles os
responsáveis pela instalação de um Estado de exceção permanente contra os Povos
da Floresta. Não há mais obstáculo para
a concessão de licenciamentos ambientais. Tudo pela soberania, segurança nacional, desenvolvimento econômico, integração.
O mesmo discurso e a mesma sanha ecocida, epistemicida e etnocida da ditadura, que
causou o massacre de milhares de indígenas. É esta a lógica da PEC do marco temporal, que limita a demarcação
das terras indígenas. É também a lógica da inédita permissão do gen. Augusto
Heleno - através do Conselho de Segurança Nacional - de sete megaprojetos de
exploração de ouro em território intocado da Floresta. Se estes dois absurdos
se efetivarem, será o fim definitivo do bioma e mais um gravíssimo ataque aos
Povos Indígenas amazônicos.
Com tudo isso, está
em andamento uma escalada vertiginosa de mortes de trabalhadores sem terra,
quilombolas e indígenas, trucidados por tiros, doenças trazidas pelos invasores
e fome, o que também se agravou com a pandemia. Os Yanomami testemunham de novo
a transformação de seu território em campo de extermínio. O mesmo que aconteceu
no final da década de 1980 com a invasão de mais de 20 mil garimpeiros, quando
pelo menos 15% dos indígenas foram mortos. O Acampamento Luta pela Vida, erguido
em Brasília de 22 a 28 de agosto deste ano, foi a maior manifestação indígena
desde 1988. Foram 170 povos e mais de seis mil indígenas a defender seus
direitos originários e seus territórios ancestrais contra o marco temporal. A
institucionalidade e a mídia corporativa invisibilizaram totalmente esta luta –
como o fazem secularmente.
A
necropolítica ultraneoliberal – levada ao paroxismo nesses tempos de pandemia –
completa este cenário de graves violações dos Direitos Humanos. Aprofunda-se o
aniquilamento das conquistas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais
acumuladas ao longo de décadas: direito ao trabalho, transporte público, saúde,
educação, moradia, alimentação, seguridade social, diversidade. O Brasil volta
a ser o país da fome endêmica: são mais de 19 milhões a fazer filas para comprar
ossos e carcaças. Aqueles outros milhões na faixa da insegurança alimentar não
entram nessa estatística. São 14,4 milhões de desempregados. A maioria dos que estão
empregados são superprecarizados. A
atual legislação trabalhista praticamente institucionalizou o trabalho análogo
à escravidão.
Mais
da metade da população vive abaixo e no limiar da linha da pobreza Mais uma
vez: a maioria é negra. De um lado, miséria absoluta; de outro, 42 novos
bilionários brasileiros entram para a lista dos mais ricos do mundo. De um
lado, fome endêmica, diminuição brutal dos meios de subsistência e recrudescimento
do desemprego; de outro, superfaturamento do agronegócio, dos bancos e das
megaempresas como as gigantes mineradoras e as gigantes farmacêuticas. Neste
caso, trata-se literalmente de lucro às custas da doença e da morte, uma vez
que globalmente a quebra de patentes das vacinas de COVID-19 não é cogitada.
Quanto
às mineradoras, a Vale – uma das maiores do mundo - tem tido lucros recorde nestes
últimos três anos. Ela é responsável pelos dois maiores crimes socioambientais em
solo brasileiro – o rompimento das barragens de Bento Rodrigues (Mariana/MG - 05/11/2015)
e de Brumadinho/MG - 25/01/2019. Em Bento Rodrigues a Vale matou 19 pessoas,
destruiu ecossistemas de todo o estuário do Rio Doce. A lama passou por dois
estados, 132 municípios e chegou ao oceano. Vários territórios indígenas
estavam em seu caminho; os Krenak são os mais atingidos. Em Brumadinho a Vale
matou 270 pessoas (11 estão desaparecidas) e provocou danos irreversíveis nos
ecossistemas do estuário do Rio Paraopeba. Foi o maior acidente de trabalho do
Brasil em número de mortes. Em julho deste ano, a Vale e o governador mineiro
Romeu Zema (Novo) – com a anuência do legislativo e do judiciário - sequestraram
para benefício próprio os recursos do acordo judicial firmado para a reparação
do rompimento da barragem em Brumadinho. Será construído um rodoanel que
servirá à mineradora. O restante da verba será distribuído em parcelas entre
todos os 853 municípios de Minas Gerais, sob controle estrito do governador. Até agora não houve qualquer tipo de
reparação efetiva.
Romeu
Zema, bolsonarista de carteirinha, é também violador contumaz dos Direitos
Humanos. Ele segue à risca a cartilha do ultraneoliberalismo. Seu objetivo é
precarizar e privatizar tudo o que for possível em quatro anos. Uma das suas principais
vítimas é o ensino público. Suas investidas: desqualificação das/os trabalhadoras/es
em educação; congelamento dos salários; recusa a aplicar os recursos do FUNDEB
na educação, como determina a Constituição; transferência da gestão de escolas
públicas para a iniciativa privada (projetos Somar e Mãos dadas);
avanço do processo de militarização (escolas
cívico-militares); imposição de risco sanitário à comunidade escolar com a
volta 100% do ensino presencial sem as mínimas condições para isso.
Sabemos que todas estas graves violações dos Direitos
Humanos são inerentes ao sistema capitalista, funcione ele no modo fascista ou
não. Foi o capitalismo que forjou o racismo, o escravismo colonial, o
patriarcalismo e o fundamentalismo, os quais constituem o alvo da nossa luta.
Chico Mendes disse certa vez que “ambientalismo sem luta de classes é
jardinagem”. Ousamos parafraseá-lo: a luta pelos Direitos Humanos sem luta de
classes pode ser edificante, mas não é eficaz. Concluímos com a exortação de
Ailton Krenak à negação resoluta da opressão deste sistema: se hoje há
sobreviventes entre os Povos Originários – ele afirma – é porque há mais de 500
anos tem havido muita resistência e muita luta. Reiteramos aqui nossa
solidariedade aos familiares e amigos dos mais de 616 mil mortos pela COVID-19.
Prestamos nosso tributo à todas/os as vítimas das graves violações dos Direitos
Humanos.
Pelo fim do genocídio do Povo Negro e dos Povos Indígenas!
Pelo fim das execuções, dos fuzilamentos, das
violências policiais nos morros, vilas, favelas e ocupações!
Abaixo o terrorismo de Estado!
No capitalismo não há Direitos Humanos!
Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2021
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG
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