No início de
2023, somos confrontados com um cenário de devastação que a revelaram uma
situação há muito denunciada pelos Povos Indígenas, pelos Direitos Humanos e movimentos
sociais. A política indigenista bolsonarista constituiu-se na proposta de
assimilação violenta, no massacre, no extermínio - cópia da ditadura militar
(1964-1985). Pautou-se pelo incentivo à invasão e pelo esbulho das terras dos
Povos Originários. Houve desfinanciamento sistemático da saúde e da
educaçao indígenas. Como na ditadura, os Povos Indígenas foram considerados empecilhos
ao desenvolvimento do capitalismo e à segurança nacional.
Ao longo dos quatro
anos de governo genocida houve uma escalada da ofensiva contra os Povos
Originários. Em 2022, inúmeras situações de violência extrema foram
denunciadas. Além das ameaças de despejo e cortes de água e luz, a Aldeia
Pataxó Novos Guerreiros (Porto Seguro/Bahia) sofreu a execução de três membros
de sua comunidade. No dia 13 de março de 2022, ocorreu o assassinato da jovem
liderança Pataxó Vitor Braz, neto da Pajé Japira. Seu assassinato foi seguido pelo
do tio, Iris Braz, e do primo, Geferson Novais Santos - filho de Iris. Tal
escalada da violência institucional contra os Povos Indígenas foi provocada pela
política bolsonarista sistemática de não demarcação de Terras Indígenas. Além
da violência policial, das investidas dos pistoleiros a serviço do latifúndio, das
empreiteiras e mineradoras, há também a violência do tráfico de drogas e das
milícias. Violência esta impulsionada pela indústria predatória e ecocida do turismo
local. A presente situação coloca essas comunidades mais vulneráveis para as
violências às quais estão expostas historicamente. É isto o que o necroliberalismo
tem a oferecer aos Povos Originários: fome, violência, pobreza, doenças, exploração,
extermínio.
Em 2023, esta
violência não deu trégua. No início do ano, dois jovens Pataxó, Nawir Brito de
Jesus (17 anos) e Samuel Cristiano do Amor Divino (25 anos) foram executados
por pistoleiros. Desde agosto de 2022, os Pataxó do Sul da Bahia já denunciavam
contínuas ameaças de pistoleiros que chegaram a cercar as aldeias Boca da Mata
e da Cassiana, as quais buscam a retomada de uma Terra Indígena invadida por
fazendeiros. No dia 15 de abril, o Pataxó Hã-Hã-Hãe Daniel Souza (17 anos) foi
morto a tiros nas proximidades de sua casa, na Aldeia Selva de Pedra. O
principal suspeito desse crime é filho da prefeita do município de Pau
Brasil/BA, Bárbara Suzete de Souza (PSD).
Outra comunidade
que também sofreu especialmente esta política genocida foi o Povo Guajajara da
Terra Indígena Arariboia no município de Amarante/Maranhão. No dia 3 de
setembro de 2022, em um ataque de pistoleiros, Janildo Oliveira Guajajara foi assassinado.
No mesmo dia, em outra localidade, foi a vez de Jael Carlos Miranda Guajajara. No
dia 11 de setembro, Antônio Cafeteiro Sousa Silva Guajajara foi executado com seis
tiros. No dia 9 de janeiro de 2023, Benedito Guajajara (18 anos) e Júnior
Guajajara (16 anos) foram alvejados na cabeça. Ficaram internados em estado grave.
Estes são alguns dos muitos casos ao longo do ano de 2022 e início de 2023.
A situação de
desnutrição, adoecimento, intoxicação, envenenamento e contínuas violências
vivenciadas pelos Yanomami, escancaradas no início de 2023, revelou as
pavorosas consequências da política genocida de Bolsonaro contra os Povos
Indígenas. O número é aterrador: 570 crianças morreram por causas evitáveis. Segundo
dados do Ministério da Saúde, a desnutrição atinge 50% das crianças Yanomami.
Fome, malária, tuberculose, intoxicação por mercúrio são flagelos endêmicos que
assolam o Povo Yanomami. Esta situação se agravou ao extremo pelo descaso
sistemático do governo Bolsonaro. Mais de 21 pedidos de ajuda direcionados formalmente
a ele foram ignorados. Os aproximadamente 28 mil Yanomami viram suas terras
invadidas por mais de 20 mil garimpeiros. Todo esse cenário de destruição é
fruto do incentivo institucional ao garimpo, à mineração, ao desmatamento em
Terras Indígenas, o que é terminantemente proibido pela constituição federal.
Cabe reiterar que
o governo Bolsonaro institucionalizou as invasões de Terras Indígenas e o saque
de suas riquezas. Em abril de 2020, poucos dias depois do ainda então chamado
"Dia do Índio”, o governo genocida publicou a Instrução Normativa n°9 por
meio da FUNAI. Esta liberou a certificação de fazendas dentro de Terras Indígenas
ainda não homologadas. Tal instrução - ainda não revogada - é responsável pela
certificação de mais de 9 mil hectares de fazendas em Terras Indígenas. Sônia
Guajajara, ministra dos Povos Indígenas do governo Lula, determinou a revogação
da normativa. Até o presente momento, no entanto, a FUNAI não a publicou, o que
permite que novas fazendas ocupem Terras Indígenas em processo de homologação.
O novo ministério
dos Povos Indígenas é conquista de histórica luta dos Povos Indígenas. Está,
contudo, sob grande conflito de interesses. O governo Lula busca conciliar
interesses inconciliáveis. A representatividade sem uma real transformação das
ações do governo servirá apenas para construir uma imagem falsa e mitigada da
realidade. Buscando limpar a imagem negativa que o governo Bolsonaro deixou
internacionalmente, o ministério pode ser rebaixado a mera instância
representativa, desprovida de capacidade para transformar esta realidade.
Viemos a público repudiar
o genocídio, o etnocídio e o epistemicídio que se abate sobre as comunidades indígenas.
Forte saudação à combativa e longa luta dos Povos Indígenas. A luta em defesa dos
Povos Indígenas e de seus territórios é princípio da luta pelos Direitos
Humanos.
PELO FIM DO
GENOCÍDIO DOS POVOS INDÍGENAS!
PELA DEMARCAÇÃO IMEDIATA
DAS TERRAS INDÍGENAS!
PELO DIREITO À
HISTÓRIA, À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!
Belo Horizonte,
19 de abril de 2023
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania - BH/MG
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