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sábado, 1 de abril de 2023

1º DE ABRIL DE 2023: 59 ANOS DO GOLPE. DITADURA NUNCA MAIS!

O dia 1º de abril marca os 59 anos do golpe militar de 1964. Este instaurou no Brasil o Estado de Segurança Nacional - uma ditadura que durou 21 anos (1964-1985). A ela seguiram-se 33 anos de transição pactuada e sem ruptura (1985-2018), controlada pelos militares. Tudo isto acumulou forças para o golpe de 2016 e desembocou no governo Bolsonaro (2019-2022), entusiasta da ditadura, de torturadores e milicianos. Governo genocida que levou às máximas consequências o projeto consolidado pela ditadura militar: a modernização fascista do capitalismo. Esta foi viabilizada pelo mais exacerbado terrorismo de Estado, instrumento essencial do totalitarismo de mercado – o neoliberalismo em vigor.

A ditadura militar brasileira é a segunda mais longeva de todas as que se instalaram na América Latina nos anos 1950, 1960 e 1970 – a primeira é a do Paraguai (1954-1989). Todas elas se espelharam no Brasil para a construção dos respectivos aparatos repressivos. Atuaram em conjunto no continente na famigerada Operação Condor. No Brasil, as Forças Armadas articularam organicamente as polícias civis e militares, a comunidade de informações e grupos de extermínio (as atuais milícias) para trucidar opositores. O empresariado, os latifundiários e a imprensa corporativa participaram ativamente da repressão. Tortura, extermínio, desaparecimento forçado, assassinato da memória, censura, ódio mortal aos Direitos Humanos se tornaram políticas de Estado. 

Em todas as ditaduras latino-americanas houve forte protagonismo do imperialismo estadunidense. Como no Brasil, todas adotaram a Doutrina de Segurança Nacional, que preconiza o imperativo da eliminação dos inimigos internos, da guerra ideológica permanente contra o comunismo. São inimigos internos a classe trabalhadora, o movimento estudantil, as pessoas mobilizadas (organizadas ou não, armadas ou não) na luta contra o regime. São inimigos internos também as classes perigosas e torturáveis de sempre: a população pobre e periférica, as pessoas consideradas pela ditadura subversivas, marginais, supérfluas, diferentes. Todas e todos, afinal, que pudessem colocar em risco projeto burguês de desenvolvimento e segurança e a integridade do lema Deus, Pátria e Família.

A política indigenista da ditadura foi ecocida e genocida. Houve devastação da Amazônia, como exigia o tal desenvolvimento e segurança. Mais de dez mil indígenas foram exterminadas/os. Foram criados campos de concentração para os Povos Indígenas como o Reformatório Krenak (Resplendor/MG) e a Fazenda Guarani (Carmésia/MG), controlados pela FUNAI e pela polícia militar de Minas Gerais. Foi genocida a política econômica de arrocho, desemprego e fome. A repressão nas favelas e periferias atingiu sobretudo o Povo Negro. Houve profusão de cemitérios clandestinos, locais de desova e valas comuns – a do Cemitério D. Bosco (Perus, São Paulo) é a mais conhecida. Nela foram encontradas 1043 ossadas, ainda não identificadas. Aí estão opositores da ditadura mortos sob tortura e corpos periféricos chacinados pela polícia e pelos esquadrões da morte. Há também muitas crianças certamente também vítimas da repressão e do negacionismo da ditadura em relação à epidemia de meningite no início dos anos 1970. As crianças foram alvo constante da ditadura. A operação clandestina conhecida como Operação Camanducaia sintetiza este horror: em 1974, 93 crianças e adolescentes acusados de pequenos delitos foram sequestrados e presos por policiais de São Paulo. Perto de Camanducaia/MG foram despidos, espancados e jogados em um barranco. Apenas 41 deles conseguiram chegar na cidade. Estavam nus, torturados e com fome. Os outros 52 continuam desaparecidos.

Desde a saída do último general-ditador, há quase quatro décadas, o legado da ditadura continua a nos cercar por todos os lados. Nenhuma sociedade escapa incólume a 21 anos de ditadura militar. Muito menos esta, que tem mais de 500 anos de opressão sobre os Povos Originários e mais de 350 anos de escravização do Povo Negro. Houve alguns avanços pontuais. Todos conquistados a duras penas pelos movimentos sociais, pelos familiares dos mortos e desaparecidos políticos, pelo movimento de Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, pela luta por Direitos Humanos e por Memória, Verdade e Justiça.

O contencioso principal, no entanto, sequer foi tangenciado. Os arquivos da repressão continuam hermeticamente fechados. O aparato repressivo é de dificílimo desmonte, assim como o ordenamento jurídico que o sustenta: não é possível desinventar tal coisa. As Forças Armadas, a ABIN (sucedânea do SNI), as polícias civis, militares e federais se mantêm golpistas e saudosistas da ditadura militar. A Doutrina de Segurança Nacional permanece arraigada nas suas entranhas.

Não houve resgate da verdade histórica para a sociedade. As circunstâncias das mortes e desaparecimentos não foram esclarecidas. Os familiares não puderam enterrar seus mortos. Não houve responsabilização dos agentes da ditadura, os quais cometeram crimes contra a humanidade.

Por tudo isto, nossa lista de mortos e desaparecidos políticos é drasticamente lacunar. Dela não constam os milhares de indígenas e negros chacinados. Não constam tampouco os 52 garotos desaparecidos em Camanducaia. O mesmo acontece com milhares de trabalhadores do campo mortos pelos latifundiários. Permanece o processo de assassinato da memória. Permanece a invisibilização dos crimes da ditadura. Pior ainda: todos estes crimes contra a humanidade cresceram em escala depois da ditadura, assim como sua invisibilização. Vivemos no país das chacinas periódicas, onde o excludente de ilicitude (direito de matar) é praticado diuturmamente pela polícia militar, a mais letal do planeta. Permanece a guerra ideológica, a guerra generalizada contra os pobres e contra os movimentos populares. Permanece a política econômica de arrocho, desemprego e fome. Vivemos no país do racismo estrutural e do genocídio institucional do Povo Negro e dos Povos Indígenas. País que é também campeão mundial em transfeminicídio e tem a terceira maior população carcerária – a maioria composta de periféricas/os, pobres e negras/os. O Estado brasileiro sistematicamente bate recordes mundiais em violações dos Direitos Humanos.

O pesadelo dos quatro anos do governo genocida terminou, mas o fascismo permanece como realidade. Para além da canhestra tentativa de golpe do 8 de janeiro, o congresso nacional, as assembleias legislativas, as câmaras de vereadores, os governos estaduais e municipais estão eivados de fascistas e ultradireitistas. O bolsonarista Romeu Zema (partido Novo) em Minas Gerais é exemplo gritante. Ao que tudo indica, os milhares de militares que passaram a ocupar postos-chaves no aparelho de Estado – nomeados por Bolsonaro - ainda não foram de lá removidos.

Em março, completaram-se 55 anos da morte de Edson Luís de Lima Souto (28/03/1968) e 50 anos das mortes de Arnaldo Cardoso Rocha (15/03/1973) e Alexandre Vannucchi Leme (17/03/1973) - assassinados pela ditadura. Em 2023 também completam 50 anos as execuções pela ditadura dos guerrilheiros do Araguaia André Grabois (14/10/1973), Maurício Grabois (25/10/1973), Gilberto Olimpio Maria (25/12/1973) e Guilherme Gomes Lund (25/12/2973). As mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes (14/03/2018), executados pelo sistema, fizeram 5 anos. Nosso tributo a estas/es companheiras/os,  a todas/os que tombaram na luta contra a ditadura e a todas as vítimas dos crimes contra a humanidade, de ontem e de hoje. Para honrar a memória de todas/os reafirmamos a luta permanente pelos Direitos Humanos, contra o terrorismo de Estado, pelo desmantelamento do aparato repressivo.

GOLPE, DITADURA, TORTURA NUNCA MAIS!

PELO DIREITO À HISTÓRIA, À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!

FASCISTAS NÃO PASSARÃO!

Belo Horizonte, 1º de abril de 2023

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania - BH/MG


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