Hoje,
28 de agosto de 2023, a lei de anistia parcial (lei 6683/1979) completa 44
anos. Ao longo destas quase quatro décadas e meia temos repetido à exaustão:
não é data a ser comemorada, mas denunciada. Esta lei constitui imposição da
ditadura militar (1964-1985) na sua investida para esvaziar a luta pela Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita. A lei 6683/1979 foi forjada a partir da Doutrina de
Segurança Nacional, arcabouço ideológico do regime. Esta determina a eliminação
dos inimigos internos. Eram
considerados inimigos internos todas/os
que ameaçavam ou poderiam vir a ameaçar o binômio Desenvolvimento e Segurança – lema da ditadura. É este o projeto
burguês de modernização, aceleração e aprofundamento da acumulação capitalista.
Isto se deu às custas de muita opressão, exploração e repressão. Às custas de
censura, perseguições, cassações, sequestros, prisões, torturas,
desaparecimentos forçados, eliminação em massa de indígenas e trabalhadores do
campo. Às custas de muito sangue. Tortura
e desaparecimentos tornaram-se
políticas de Estado.
A lei
6683/1979 determina que a anistia é parcial e restrita para as vítimas da
ditadura. E é instantânea e total para seus algozes: todos os agentes do Estado
que sequestraram, torturaram, estupraram, assassinaram, esquartejaram e fizeram
desaparecer os corpos daqueles considerados inimigos
internos. Trata-se de crimes contra a humanidade. São, portanto,
inanistiáveis, imprescritíveis e inafiançáveis segundo o direito internacional
dos Direitos Humanos – só que não neste país.
A
exiguidade da lei de anistia cristalizou-se ao longo da transição a partir de
1985, quando o último general-ditador deixou o poder. Transição que se deu sem
ruptura, a partir de um pacto entre as forças armadas e a burguesia – até hoje
em vigor. Pacto do silêncio que carrega em seu bojo a estratégia do esquecimento e o negacionismo histórico. Foi imposta,
então, a narrativa da reciprocidade e
da auto-anistia em nome da
necessidade da reconciliação nacional. Em 2010, esta infame interpretação da lei
de anistia foi positivada pelo Supremo Tribunal Federal, com o indeferimento da
ADPF 153. Aí foi consolidada a inimputabilidade automática e definitiva – ou
seja, a auto-anistia - dos agentes do
Estado que perpetraram crimes contra a humanidade.
Temos,
no entanto, muito a resgatar nesta data: a luta pela Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita. Esta foi protagonizada pelo Movimento Feminino pela Anistia (a
partir de 1975); pelos Comitês Brasileiros pela Anistia (a partir de 1977);
pelo conjunto das pessoas presas políticas, banidas e exiladas; pelas/os
familiares das pessoas mortas e desaparecidas
políticas. Foi movimento de massas com amplo apoio do operariado, dos
movimentos populares e de todas/os que lutavam contra a ditadura. O Movimento
Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (1978) teve papel de destaque
nesta luta. Reforçou a inclusão da luta contra a repressão policial institucionalizada
– esta que matava e mata preto e pobre todo dia - na Carta do Congresso
Nacional pela Anistia (São Paulo, novembro 1978).
Os
princípios da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita continuam valendo até
hoje. Não houve o esclarecimento circunstanciado das mortes e desaparecimentos. Os familiares dos desaparecidos políticos não puderam
exercer o direito ancestral de enterrar seus entes queridos. A nossa lista de
mortos e desaparecidos é drasticamente
lacunar: nela não constam os nomes nem as histórias dos milhares de indígenas
exterminados pela ditadura, nem dos milhares de trabalhadores do campo
trucidados no período. Não houve a abertura irrestrita dos arquivos da
repressão. Não houve “o fim
radical e absoluto das torturas e dos aparatos repressores, e a
responsabilização judicial dos agentes da repressão e do regime a que eles
servem”, como exigia o documento de 1978 citado.
O aparato repressivo continua montado e tem sido
incrementado no país campeão mundial em letalidade policial. A tortura e os
desaparecimentos forçados continuam sistêmicos. São estruturais e
institucionais o racismo e o genocídio do Povo Negro e dos Povos Indígenas.
Este é o país das chacinas periódicas: a polícia cada vez mais mata pobre,
preto e criança todo dia. Nos últimos 30 dias o número de chacinados – na Bahia,
no Rio de Janeiro e em São Paulo - ultrapassou as cinco dezenas. No dia 17/08
Bernadete Pacífico foi trucidada com 22 tiros, no Quilombo Pitanga dos
Palmares, Salvador/BA. Era liderança histórica do candomblé e da luta pela
demarcação de terras quilombolas. Estava jurada de morte por fundamentalistas,
latifundiários e empreiteiros.
Certamente houve avanços pontuais na luta por
Memória, Verdade e Justiça nestes 44 anos que nos separam da promulgação da lei
6683/1979. Alguns são bastante significativos. Todos eles são devidos à
mobilização permanente dos movimentos de Direitos Humanos. Mesmo depois da
Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), no entanto, os nós górdios apontados
acima continuam atados. Houve o tempo todo também derrotas e recuos - sobretudo
nos quatro anos (2019-2022) de governo fascista escancarado que atende pelo nome
de bolsonarismo. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, conquistada
a duras penas pelos familiares e pelos movimentos sociais (lei 9140/1995),
cancelada pelo governo Bolsonaro, ainda não foi restaurada.
Exatamente neste 28 de agosto acontece, na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a escabrosa homenagem armada pelo
governador fascista Romeu Zema (Partido Novo) ao seu nefando colega genocida, o fascista Jair Bolsonaro (PL).
Este receberá o título de cidadão de
Minas Gerais (???). Zema e Bolsonaro são racistas e antipovo. Ambos são
entusiastas da ditadura militar. Bolsonaro têm como paradigmas milicianos
sanguinários e Carlos Alberto Brilhante Ustra, o único torturador condenado em
ação declaratória com trânsito em julgado. A palavra repúdio não é suficiente
para expressar nossa indignação diante de tamanha desfaçatez. Fora Zema, fora
Bolsonaro!
A luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita é
referência obrigatória para a luta pelos Direitos Humanos. Ao resgatá-la, reafirmamos
o tributo que devemos a todas/os que tombaram na luta contra a ditadura. Estendemos
este tributo a todas/os que combateram e continuam a combater o fascismo e o terrorismo
de Estado. Nossa solidariedade às vítimas da violência policial e seus
familiares.
PELA ANISTIA
AMPLA, GERAL E IRRESTRITA!
DITADURA E TORTURA NUNCA MAIS!
PELO DIREITO À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!
PELO FIM DO
APARATO REPRESSIVO!
FASCISTAS: NÃO
PASSARÃO!
Belo
Horizonte, 28 de agosto de 2023
Instituto
Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG
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