Para os negros, a ditadura ainda não acabou
No Dia da Consciência Negra, o CRESS-MG preparou conteúdos para contribuir no debate e reflexão sobre os temas que envolvem a questão racial
O ano de 2014 marca os 50 anos do início da ditadura militar que durou mais de duas décadas e deixou marcas que até hoje incidem sobre a população brasileira, principalmente a população negra. O Brasil tem a polícia mais assassina do mundo. Divulgado no início de novembro, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que em 2013, as polícias brasileiras mataram, em serviço, mais de duas mil pessoas. Outros levantamentos apontam que a maioria das vítimas são os jovens negros.
Na data em que se comemora o Dia da Consciência Negra é importante entender como este fato da história recente do Brasil reforça a discriminação racial vivenciada pela população negra desde a colonização. A lógica dos interrogatórios com requintes de tortura nas delegacias, a postura violenta dos policiais nas ruas, a manipulação de provas, os chamados autos de resistência e a execução de moradores das periferias reiteram isso.
O Estado burguês nunca abriu mão dos meios de violência que tem a sua disposição e que foram institucionalizados durante a ditadura, afirma Heloísa Greco, coordenadora do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania (IHG), que tem como principal bandeira, a luta pelo esclarecimento e responsabilização de todos os crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar.
“A tortura é muito anterior à ditadura militar. Sua institucionalização, entretanto, foi feita nesse período. A tortura passou a ser adotada como política de Estado e continua como uma das instituições mais sólidas desse país. Há uma reciclagem da Doutrina de Segurança Nacional. Naquela época, ela previa que todos os que faziam ou pensavam em fazer oposição ao regime eram considerados inimigos internos e deveriam ser eliminados. Hoje isso se reflete na criminalização dos pobres e das lutas dos trabalhadores e do povo”, afirma.
O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, fruto da política de encarceramento em massa, outra herança do período militar. Considerando, ainda, que o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo (mais de 100 milhões, segundo o IBGE), é possível dimensionar a gravidade do problema vivenciado pelos negros nos dias de hoje.
“Vivemos sob um Estado de exceção permanente, numa constante manutenção do terror de Estado. O aparato repressivo criado pela ditadura está em pleno vigor e atinge, acima de tudo, os jovens e negros. Diz-se que a polícia está despreparada. Eu discordo. A polícia militar é assassina e tem como objetivo combater e reprimir as lutas dos trabalhadores e empreender uma guerra generalizada contra os pobres. Para isso, ela está muito bem treinada - é a lógica da Doutrina de Segurança Nacional. Por isso lutamos pelo fim imediato da Polícia Militar", enfatiza Heloísa.
Organização
A militante lembra que a criação da principal organização de luta pelos direitos da população negra se deu em pleno regime militar, como forma de resposta às opressões vividas por esse segmento da população. Em 1978 surgia o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Nesse mesmo ano, durante o Congresso Nacional pela Anistia, em São Paulo, as propostas do MNU foram incorporadas ao Manifesto à Nação, como visto no trecho do documento:
“A repressão policial institucionalizada pelo regime está presente não só contra as manifestações políticas, mas também se generaliza a todos que passam pelas suas mãos, particularmente a grande parte das populações dos bairros pobres que sofrem diariamente violência policial e terminam por suportar, nas prisões, torturas e condições desumanas de tratamento.”
O texto escrito há quase 40 anos reafirma que na violação de direitos da população negra, o cenário pouco ou nada mudou, como aponta Heloísa. “É interessante e triste ao mesmo tempo, ver que essas propostas, feitas no contexto de um regime opressor, ainda vigoram. Da ditadura, o que restou foi tudo, menos o governo militar.”
Ilustração: Carlos Latuff.
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