"Estamos aqui pela Humanidade!" Comuna de Paris, 1871 - "Sejamos realistas, exijamos o impossível." Maio de 68

R. Hermilo Alves, 290, Santa Tereza, CEP: 31010-070 - Belo Horizonte/MG (Ônibus: 9103, 9210 - Metrô: Estação Sta. Efigênia). Contato: institutohelenagreco@gmail.com

Reuniões abertas aos sábados, às 16H - militância desde 2003.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ARTIGO: PRIMAVERA SECUNDARISTA OU POR QUE OCUPAR?

Imagem: Cartaz na ocupação da Escola Agrotécnica, dentro do campus da UESB.

PRIMAVERA SECUNDARISTA OU POR QUE OCUPAR?
Núbia Braga Ribeiro*
A PEC 241 surge quando o poder executivo apresenta ao Congresso Nacional, no dia 15 de junho, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a finalidade de estabelecer um novo regime fiscal e, com isso, equilibrar as contas públicas. Diante de um Congresso reacionário, o mais desde os tempos violentos da ditadura militar no Brasil, era de se esperar que a Câmara dos deputados acolhesse tal proposta que no momento se encontra para votação no Senado “travestida” de PEC 55.
A PEC 241 (agora PEC 55) é uma total afronta aos direitos sociais, pois deflagra um golpe na educação, na saúde e na assistência social, justificada por meio de um discurso absurdo, de controlar as despesas públicas, defende-se a ideia de “cortes necessários do Estado” ou o que se denomina de “novo teto para o gasto púbico” camuflando, assim, suas aberrações. Dentre seus disparates, a PEC 55 limita e congela os investimentos, que já eram escassos, por 20 anos em áreas fundamentais. Por esse caminho, causa um impacto sobre os recursos voltados para educação, saúde, assistência social, além de recair sobre os trabalhadores e servidores públicos, pois até o salário mínimo está na sua mira (ou na sua geladeira).
Diante deste contexto, diversos manifestos de sindicatos, instituições, institutos, categorias de trabalhadores, de professores e de estudantes no Brasil inteiro protestam contra os mandos e desmandos do governo que tem como uma de suas bandeiras a PEC 55 para “salvar” o país da crise.
Golpe atrás de golpe, não para por aí. A Medida Provisória 746 (MP 746), de 22 de setembro de 2016, apresentada pelo governo federal e o Ministro da Educação ao Congresso, impõe uma drástica reforma no Ensino Médio.
Conforme publicação no blog do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, os jovens estudantes secundaristas da Escola Estadual Ari da Franca e de outras escolas ocupadas da região de Venda Nova, panfletaram, no dia 2 de novembro de 2016, no centro de Belo Horizonte. O impresso distribuído pelos estudantes denuncia os danos que a MP 746 pode causar à educação:
“Essa  MP, que não foi debatida com os professores e nem com estudantes, estabelece que as disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser obrigatórias e ainda prevê a contratação de professores sem a exigência de diploma para todas as redes de ensino.
Acreditamos que a retirada destas disciplinas demonstra uma nítida intenção de tirar das escolas o debate crítico sobre a sociedade e a formação humana. Isto significa mais precarização para os professores, assim como o rebaixamento do nível de qualidade do ensino para os estudantes.” (PANFLETO apud http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/).
Além de pôr fim a obrigatoriedade das disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia tão fundamentais para a formação humana e cidadã, a MP 746 é uma proposta que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96) prevendo turno integral e ensino profissionalizante. Mas que turno integral sem as devidas condições e que ensino profissionalizante são estes? Volta e meia está a resposta à nossa frente: formar técnico autômato, coisificado, tão enaltecido nos tempos da ditadura civil-militar pelos governos autoritários. Ou seja, a ideia é de negação/desconstrução: educar para não pensar, educar para não questionar. Tudo ao contrário do que aprendemos com Paulo Freire (1988), afinal, a educação é prática da liberdade e não prática da dominação. Assim sendo, na concepção de Freire, se revela o caráter libertador e não domesticador da educação, porém a MP 746, forjada pelo governo e pelas elites desejosos de adestrarem a sociedade, é um projeto político de educação que contraria a liberdade, a criatividade e o debate.
 No entanto, os jovens nas ocupações e no chão das ruas, na contramão do autoritarismo, estão provando, muito mais que reivindicando, que é na práxis que se aprende, é na ação exercida que se educa e ao se educar se liberta o sujeito de toda opressão, assim como Paulo Freire defendeu por toda sua vida.
Ainda lembrando Paulo Freire, a educação que liberta é um ato dialógico, em que o ato de conhecer e de pensar estão intimamente relacionados. E, é por isso, que ocupar é necessário e urgente! Ou, ainda, podemos lembrar Maria da Glória Gohn, que analisa a importância dos movimentos sociais como práticas também educativas, como parte inerente a educação, pois os “movimentos sociais e educação têm um elemento de união, que é a questão da cidadania” (p.11, 2005). Afinal, segundo a mesma autora, “a educação ocupa lugar central na acepção de cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si próprio, educativo” (p.16, 2005). Por esses e tantos outros motivos que é na prática e na realidade que emerge o processo de libertação e que ocupar é um exemplo de luta e de participação social ativas para além das barreiras institucionais e instituídas. É nesse cenário caótico e assustador – com a presença do Estado violência, inaugurado com o neoliberalismo, que bate em professor e em estudantes, do endurecimento da ultradireita e de setores extremamente conservadores da sociedade e, diga-se de passagem, violentos também –, que ocupar e resistir é uma questão vital, de sobrevivência e de dignidade. As ocupações de escolas pelos jovens estudantes têm sua origem (na história recente do país) na luta contra o sucateamento da educação, como exemplo, em São Paulo, em 2015, contra o projeto de “reorganização” da rede paulista de ensino. Entretanto, não findaram aí, pois a primavera secundarista avançou na luta desde outubro de 2016, com expressividade no Paraná e com força total em todo o Brasil, contra a PEC 55 e a MP 746. Os jovens protagonistas, do Brasil inteiro, já ocuparam mais de 1.000 escolas e no caso das universidades os estudantes ocuparam mais de 160, até então, contra as arbitrariedades do governo. Esses jovens representam um exemplo de cidadania e de luta por direitos que não podem nos ser roubados. E a esperança é que a primavera floresça independente, autônoma, autogestionária, ou melhor, nas palavras de Pablo Neruda: “rompió la tierra, estableció el deseo, hundió sus propagandas germinales y nació en la secreta primavera.”
A luta é clara e legítima ao som das vozes desses jovens que exigem que se garanta uma educação pública e de qualidade e que, portanto, a PEC 55 e a MP 746 congelam avanços, negam conquistas de lutas históricas e impõem retrocessos. Por tudo isso, ocupar é se fazer escutar, é um processo de aprendizagem, de experimentar e experenciar a cidadania.
Afinal, a PEC 55 e a MP 746 ameaçam frontalmente extinguir um direito consagrado na Constituição Cidadã de 1988. Elas significam apagar de nossas lutas o texto que deu origem ao artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ademais, fere o artigo 208 que declara como dever do Estado a Educação, pública e gratuita, em seus diferentes níveis, o seu comprometimento em garantir, ainda, a pesquisa e a criação artística que são dimensões importantes na formação do sujeito crítico e autônomo.
Portanto, a educação para cidadania é o caminho para a constituição de uma sociedade justa no combate às desigualdades e em prol da diversidade. A educação como direito tem íntima relação com a cidadania. Dessa forma, só é possível pensar na construção de uma sociedade mais humana e justa se a educação estiver compromissada com a formação do cidadão. Por tudo dito aqui, que o grito dos jovens, nas ocupações por este país a fora e no chão das ruas, deve ser respeitado e ecoado como uma primavera: ocupar e resistir!
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil,1988. Brasília, Senado. Disponível em Acesso em 09 de setembro de 2016
Entenda o que está em jogo com a PEC 241. 07/10/2016. Disponível em: Acesso em 02 de novembro de 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1995.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Educação. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
NERUDA, Pablo. Canto General. Disponível em: < http://www.neruda.uchile.cl/obra/cantogeneral.htm> Acesso em 02 de novembro de 2016.
PANFLETO das Escolas Estaduais ocupadas em Venda Nova, Belo Horizonte/MG Disponível em: http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/ Acesso em 15 de novembro de 2016.
*Doutora em História Social pela USP/ SP. Professora da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG, membro do grupo de pesquisa ODC e membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.
- LUTA DAS ESCOLAS ESTADUAIS OCUPADAS DE VENDA NOVA CONTRA A PEC 241/PEC 55 E CONTRA A REFORMA DO ENSINO MÉDIO
- NOTÍCIA SOBRE A OCUPAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA: http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/2016/10/ocupa-ufsb.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário