Forte
pressão popular pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita obrigou a ditadura
militar (1964-1985) a pautar a questão. Foi imposta, então, uma lei de anistia
parcial e restrita – a lei 6683, de 28 de agosto de 1979. Com ela a ditadura
garantiu sua autoanistia. Os opositores do regime não foram todos anistiados.
Houve anistia total e automática só para os agentes do Estado que sequestraram,
prenderam, torturaram, estupraram, assassinaram, esquartejaram e desapareceram corpos.
Tornaram-se inimputáveis policiais e militares que perpetraram crimes contra a humanidade,
assim como empresas, patrões e latifundiários cúmplices destes crimes.
A
autoanistia da ditadura foi rejeitada pelo movimento pela Anistia Ampla, Geral
e Irrestrita. Este teve como protagonistas os familiares de mortos e desaparecidos políticos, o Movimento
Feminino pela Anistia (MFPA), os Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs), os presos
políticos, os exilados e banidos. Teve caráter de massa: houve grande
mobilização da classe trabalhadora, do movimento negro, do movimento estudantil,
de religiosos progressistas e demais movimentos populares.
Tivemos avanços ao longo destes 40 anos (1985-2025)
de transição política pactuada e sem ruptura. Avanços, contudo, pontuais -
alguns mais, outros menos significativos. Todos são resultados de muita luta. Exatamente
neste 28 de agosto, em Belo Horizonte, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos faz a entrega
das certidões de óbito retificadas a familiares de mortos e desaparecidos. Nelas o Estado assume a
responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos
- algo relevante, embora simbólico e tardio. Trata-se de árdua conquista da
luta quinquagenária e transgeracional dos familiares, referência de combatividade
e tenacidade para todos nós.
As questões cruciais do legado da ditadura ainda
incrustado no Estado, no entanto, não foram sequer tangenciadas. Hoje
constituem a essência da luta pelos Direitos Humanos e por Memória,
Verdade e Justiça, a qual continua a rejeitar a anistia parcial imposta pela
ditadura. Continua também a reafirmar os princípios da Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita, os quais continuam valendo: a abertura irrestrita dos arquivos da
ditadura; a resolução da questão dos mortos e desaparecidos; o desmantelamento do aparato repressivo. E ainda: a
responsabilização de agentes da repressão, empresários e latifundiários que
participaram da ditadura. O Estado brasileiro não cumpriu sequer a sentença do
processo de desaparecimento forçado dos guerrilheiros do Araguaia, transitado
em julgado em 2003. Tampouco acatou a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou
o Brasil por este crime em 2010.
É
preciso também completar a lista de mortos e desaparecidos acrescentando os nomes dos milhares de indígenas,
quilombolas, trabalhadores do campo e vítimas da violência policial – sobretudo
negros, periféricos e pobres. A tortura, o
extermínio e o desaparecimento forçado continuam sistêmicos. O Brasil tem a
polícia mais letal do mundo. Pratica a guerra generalizada contra os pobres e o
encarceramento em massa. É o país das chacinas periódicas e do genocídio
institucional do Povo Negro e dos Povos Indígenas. A chacina dos trabalhadores
sem terra de Corumbiara completou 30 anos neste mês de agosto, sem qualquer
solução. O país é campeão mundial em transfeminicídio e em violência de gênero.
Assim,
não estamos aqui a comemorar a lei de anistia parcial e restrita. Estamos a
resgatar a luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e a luta permanente
contra o terrorismo de Estado. Estamos também a comemorar a novidade
alvissareira dos quase cinco meses do Memorial dos Direitos Humanos (antiga
sede do DOPS/MG e do DOI-CODI) ocupado pelos movimentos sociais desde 1º de
abril – dia de repúdio aos 61 anos do golpe militar. Este Memorial está sendo
construído na prática como lugar de memória, de resistência e de consciência. É
território de denúncia permanente dos crimes da ditadura e do terrorismo de
Estado – um Memorial contra o esquecimento.
Todas
estas lutas são estruturais. Elas compõem o tributo que devemos às companheiras
e companheiros que tombaram na luta contra a ditadura. Elas e eles estão
presentes hoje e sempre! Toda nossa solidariedade às vítimas do terrorismo de
Estado e do capital!
PELO DIREITO À MEMÓRIA, À VERDADE E À
JUSTIÇA!
Belo Horizonte, 28 de agosto de 2025
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania - BH/MG