Esta
é uma data de luto e de luta contra a tortura e outros tratamentos e penas
cruéis, desumanos ou degradantes. Estes constituem elementos fundantes do que é
chamado de nação brasileira, a qual já
nasceu como o mais iníquo dos negócios: o escravismo colonial. São mais de 500
anos de espoliação, opressão e extermínio dos Povos Indígenas. São mais de 350 anos
de escravização do Povo Negro. Colonialidade, extermínio e escravização que
permanecem arraigados no Brasil nesta terceira década do século XXI. Constituem
a essência do genocídio e do epistemicídio institucionais, do racismo estrutural,
do patriarcalismo e patrimonialismo sistêmicos – características essenciais do
Estado brasileiro de hoje.
O
Estado de exceção permanente contra os excluídos históricos - as classes e
setores da população indesejáveis, matáveis
e torturáveis – permaneceu durante a
República desde os seus primórdios (1889). Aprofundou-se no Estado Novo da
ditadura Vargas (1937-1945). Sedimentou-se nos 21 anos de ditadura militar
(1964-1985). Esta adotou a tortura, os desaparecimentos
forçados, a estratégia do esquecimento como políticas de Estado. Este
contencioso não foi sequer equacionado até hoje. Não houve responsabilização
nem esclarecimento circunstanciado das torturas, mortes e desaparecimentos. Não houve abertura irrestrita dos arquivos da
repressão – permanece a cultura da vigilância, da mentira organizada, do sigilo
e da suspeição, da obliteração da memória histórica. Sequer conseguimos nomear
as/os milhares de indígenas e trabalhadoras/es sem terra massacrados durante o
período.
Sobretudo não houve desmantelamento do
gigantesco aparato repressivo e da ubíqua comunidade
de informações da ditadura militar. A longa transição continuísta, pactuada
e sem ruptura manteve esta estrutura. Sabemos que o Estado burguês não abre
mão dos instrumentos de violência que tem à sua disposição. O Brasil tornou-se
um dos campeoníssimos mundiais em desigualdade social e concentração de renda;
em chacinas periódicas; em casos de tortura e desaparecimentos forçados; em casos de estupro, feminicídio e
transfeminicídio; em encarceramento em massa. Temos a terceira população
carcerária do planeta – mais uma vez, a maioria é de negros. Tortura, penas e
tratamentos cruéis, desumanos e degradantes são práticas sistemáticas e
rotineiras nas masmorras do país, inclusive naquelas que aprisionam crianças e
adolescentes, como a Fundação Casa de São Paulo. O país tem a polícia militar
mais letal do planeta. O Brasil tornou-se um dos campeões mundiais em crimes
contra a humanidade.
O governo genocida Bolsonaro/Mourão é o
desfecho desta transição. Seu projeto de poder – concebido e sustentado pelas
Forças Armadas, pelo fundamentalismo cristão, pelo conservadorismo e pelo ultraliberalismo - é levar
às máximas consequências o terrorismo de Estado e do capital. Milicianos têm
participação orgânica no Palácio do Planalto. Os principais cargos de primeiro
escalão são ocupados por generais do exército. Mais de seis mil militares têm
cargos estratégicos em todas as instâncias do executivo. Como na ditadura, o
governo é dos militares. Tal governo hipermilitarizado tem como paradigma
declarado a ditadura militar. Torturadores contumazes e milicianos sanguinários
foram alçados a heróis nacionais, como o cel. Brilhante Ustra, o major Curió e
o miliciano Adriano da Nóbrega.
A
violência e a letalidade policiais – que já são as maiores do mundo – tiveram crescimento
avassalador com a licença para matar garantida pela tal excludência de ilicitude - ainda não positivada, mas já adotada na
prática. Seus alvos principais são as/os moradoras/es dos morros, favelas e
periferias. O genocídio do Povo Negro atingiu dimensões ainda mais estarrecedoras,
como foi escancarado na chacina do Jacarezinho. Mais um agravante estarrecedor:
crianças passaram a ser também alvos preferenciais. Cresceram exponencialmente
os casos de tortura, execuções e desaparecimentos.
Hoje
e sempre Bolsonaro tem defendido a tortura. Destilando seu ódio extremo aos
Direitos Humanos, ele afirma que a ditadura deveria ter matado mais de
30 mil opositores. Agora, de forma deliberada, ele é o responsável pela morte
de mais de 510 mil brasileiras/os de COVID-19. Expressa diuturnamente seu escárnio
às vítimas da pandemia e ao luto de seus familiares e amigos. As maiores
vítimas são – de novo – negras/os e indígenas. Este genocídio sanitário se soma
ao genocídio institucional em vigor. A investida contra os Povos Indígenas é de
tal monta que não apenas E.P.Is, leitos
de enfermarias e CTIs lhes foram negados - até água potável em meio à
pandemia. A ofensiva no momento é o esbulho definitivo de suas terras
ancestrais com a imposição do marco temporal (PL 490) a tramitar no
arquirreacionário congresso nacional – dominado pelas bancadas do
Boi/Bala/Bíblia/Jaula - e a polícia a reprimir os Povos Indígenas
mobilizados.
Em
1997, o dia 26 de junho foi adotado como Dia
Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura para marcar os 10 anos de
aprovação pela Assembleia Geral da ONU (1987) da Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, proposta em 28 de
setembro de 1984. O Brasil ratificou esta convenção em 1989 e seu protocolo
facultativo em 2007. Lei federal de 2013 determinou a implantação do Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Com muita dificuldade – por causa do
reacionarismo de governos e assembleias legislativas estaduais - 22 Comitês e
Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura foram criados nos estados. Em
dezembro de 2019, Bolsonaro determinou por decreto o desmonte do Mecanismo
Nacional. Em 11 de junho de 2021, seus 11 integrantes foram exonerados.
O
governo Bolsonaro/Mourão aniquilou igualmente a Comissão Especial sobre Mortos
e Desaparecidos e a Comissão de
Anistia – algumas das conquistas que demandaram muita pressão dos familiares de
mortos e desaparecidos políticos, dos
movimentos de Direitos Humanos e dos movimentos por Memória, Verdade e Justiça
(Lei 9140/1995 e Lei 10 559/2002). Centenas de companheiras/os foram
desanistiadas/os sumária e arbitrariamente. Tem sido feito ainda o desmonte
sistemático dos avanços da luta Antimanicomial com iniciativas de
reinstitucionalização das práticas segregacionistas e privativas de liberdade
dos usuários dos serviços de saúde mental.
Como
vimos, o governo Bolsonaro/Mourão avança para aniquilar todas as conquistas e
direitos da classe trabalhadora, dos Povos Indígenas, do Povo Negro, da luta
Antimanicomial e Antiprisional, dos movimentos Ambientalistas, Feministas e LGBTQIA+. Só a
partir de uma luta combativa e independente será possível reverter este quadro
de escalada geral de fascistização em marcha.
Este
26 de junho é também o dia dos 53 anos da passeata
dos Cem Mil que aconteceu no Rio de Janeiro (1968). Dela participaram
milhares de estudantes, trabalhadoras/es, artistas, intelectuais. Foi o maior
protesto, até então, contra a ditadura e a execução pela PM do estudante
secundarista Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de 1968. Os protestos se
espalharam por todo o Brasil. Companheiro Edson Luís, presente na luta!
Concluímos
prestando nosso tributo a todas as vítimas do terrorismo de Estado de ontem e
de hoje e às companheiras/os que tombaram na luta contra a ditadura. Nossa
solidariedade aos familiares das vítimas do genocídio sanitário provocado pelo
governo Bolsonaro/Mourão.
Ditadura
nunca mais!
Tortura
nunca mais!
Fora
Bolsonaro! Fora Mourão!
Abaixo
o governo genocida de milicos e milícias!
Fascistas:
NÃO PASSARÃO!
Belo Horizonte, 26
de junho de 2021
Instituto Helena
Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG