Desde
sexta-feira (28/07), a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) comanda uma megaoperação
da Polícia Militar paulista na Baixada Santista, chamada Operação Escudo. Mais de 600 policiais tomaram de assalto este
território. Esta operação tem o objetivo evidente de vingar a morte a tiros de
um cabo PM, na quinta-feira (27/07). Em Vila Zilda e Vila Edna, comunidades da
periferia de Guarujá, 14 pessoas foram executadas. Em Santos, mais dois jovens
foram mortos nesta terça-feira (01/08). Os policiais comemoram efusivamente a
contagem dos mortos e prometem exterminar pelo menos mais 60. O governador fascista
Tarcísio de Freitas (partido Republicanos) declara que “está extremamente
satisfeito com as ações da PM”. Segundo ele “efeitos colaterais são normais”. Disse
também: “a justiça será feita, nenhum ataque aos nossos policiais ficará
impune”. Só nesta operação, a ROTA executou 16 pessoas - número confirmado pela
Secretaria de Segurança Pública. Moradores afirmam que há pelo menos 19 mortos.
É a terceira maior chacina praticada pela polícia paulista. As duas primeiras
são os Crimes de Maio de 2006 (505
mortos e desaparecidos) e Carandiru,
em 1992 (111 mortos). A ROTA foi criada em 1971 para combater a resistência à
ditadura militar (1964-1985). É um dos batalhões de choque mais letais do mundo.
É considerada a institucionalização do Esquadrão da Morte.
Tarcísio
de Freitas participou como oficial das forças de ocupação da MINUSTAH (Missão
das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), comandada pelo exército
brasileiro, de 2004 a 2017. A “doutrina da pacificação” lá adotada deixou um
cenário de terra arrasada: chacinas, matanças, abusos sexuais, estupros
generalizados, epidemias como o cólera, miséria, instabilidade política. Saldo:
cerca de 30.000 mortos. O comandante da operação foi o general Augusto Heleno.
Quase todos os generais do genocida Bolsonaro são da “turma do Haiti”. É esta
“experiência do Haiti” que o governador de São Paulo adota como paradigma para
sua política de segurança pública.
O
Movimento Independente Mães de Maio, a Justiça Global e o ouvidor das polícias
de São Paulo receberam denúncias dos moradores: a ROTA já chegou atirando – não
houve troca de tiros; casas foram invadidas e devastadas; escolas foram
fechadas, milhares de crianças ficaram sem aulas; houve ameaças, espancamento,
maus tratos e torturas generalizadas. Houve também dezenas de prisões a partir de
flagrantes forjados. Sabemos que o contumaz kit
flagrante é uma das técnicas mais usadas na infame “guerra contra as
drogas”. Afinal é esta a prática sistêmica da polícia que mata preto e pobre
todo dia, no país campeão mundial em letalidade policial.
Também
a partir do dia 28/07, 20 pessoas foram chacinadas em três investidas da
polícia militar da Bahia: sete em Camaçari (28/07); oito em Itatim - duas
mulheres (30/07); cinco em Salvador (31/07). São também megaoperações integradas
por BOPE (Batalhão de Operações Especiais); CIPE (Companhia Independente de
Policiamento Especializado) - Polo Industrial; RONDESP (Rondas Especiais) - Chapada
e Região Metropolitana de Salvador. O protocolo, sempre cumprido à risca, é o
mesmíssimo da ROTA paulista: a lógica implacável do confronto e do extermínio.
As forças repressivas paulistas e baianas têm um lema comum: “O pai faz, a mãe
cria, nós matamos”. A polícia militar baiana é considerada hoje a mais letal do
país. Lá, entre julho e dezembro do ano passado, aconteceram em média duas
chacinas por mês. Em 2022, a polícia baiana matou 1.464 pessoas, de um total de
6.426. O governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT), se desdobra em elogios à
sua própria politica de segurança pública, ou seja, à polícia mais letal do
país.
Nesta
quarta-feira (02/08), no Rio de Janeiro, foi montada gigantesca operação de
guerra contra a Vila Cruzeiro no Complexo da Penha. BOPE, COE (Comando de
Operações Especiais-PMRJ), GAM (Grupamento Aeromarítimo-PMRJ), CORE
(Coordenadoria de Recursos Especiais-PCRJ) invadiram o morro com todo o seu
aparato bélico: viaturas, caveirões, helicópteros com plataforma de tiro etc.
Saldo: pelo menos 10 mortos até agora, dezenas de feridos, comunidade aterrorizada, postos de saúde fechados,
crianças sem escolas. No dia 24/05 do
ano passado, o Complexo da Penha sofreu a segunda maior chacina da história do
Rio de Janeiro: 25 pessoas foram executadas pelo BOPE e a Polícia Rodoviária
Federal. A primeira mais letal foi a do Jacarezinho, em maio de 2021, com 27
mortos. Todas estas chacinas foram perpetradas sob as ordens do governador
fascista Cláudio Castro (PL), entusiasta de matanças generalizadas.
A
mídia corporativa compactua com tudo isto ao adotar a perspectiva do aparato
repressivo. No máximo se põe a discutir a necessidade de maior dotação
orçamentária para otimizar as tecnologias de inteligência (?) das polícias. Naturaliza o horror ao reproduzir
literalmente prontuários repassados pela polícia, bem na lógica da vigilância, da
suspeição e da estigmatizarão das vítimas. Para a mídia burguesa os 46 corpos
chacinados não têm nome, nem história. A maioria sequer foi identificada,
muitos foram jogados na mata. São considerados suspeitos permanentes. São alvos
permanentes do terrorismo de Estado porque são pobres, negros e periféricos. São
criminalizados e invisibilizados. São os inimigos
internos a serem eliminados – na linha da Doutrina de Segurança Nacional, herança
da ditadura. E na linha da “doutrina da pacificação” - herança da MINUSTAH.
Este
é o país da guerra generalizada contra os pobres e da criminalização dos
Direitos Humanos. É o país do racismo e do genocídio estruturais e institucionais
do Povo Negro e dos Povos Indígenas. As chacinas sistêmicas têm atingido periodicidade
assustadora. Numa coincidência histórica macabra, no dia 23/07/2023 – pouco
antes, portanto, do início destas chacinas da Baixada Santista, da Bahia e do
Rio – a Chacina da Candelária completou 30 anos. Nela oito crianças e
adolescentes foram trucidados no Rio de Janeiro por policiais e grupos de
extermínio. Em fevereiro deste ano, a Chacina
do Cabula (Salvador/BA) fez oito anos. Aí 12 jovens foram executados pela
polícia militar. Os Crimes de Maio de 2006 em São Paulo completaram 17 anos: em duas
semanas 505 pessoas – pretas, pobres e periféricas - foram chacinadas pelas
forças policiais e grupos de extermínio paulistas. A Baixada Santista foi o
epicentro deste horror. Em outubro, a Chacina
do Carandiru (02/10/1992) fará 31 anos: foram 111 presos (contidos e nus)
executados pela polícia militar paulista. Nenhum destes crimes contra a
humanidade foi solucionado: não houve qualquer tipo de responsabilização dos
executores. Não houve a reparação histórica devida aos familiares e à sociedade.
Muitas das vítimas dos Crimes de Maio
de 2006 continuam desaparecidas. Este é o país da tortura, do desaparecimento
forçado e da estratégia do esquecimento
sistêmicos.
Repudiamos
com veemência todas estas chacinas e invasões policiais nas periferias, morros,
vilas e favelas. Manifestamos solidariedade incondicional aos familiares, às companheiras
e companheiros dos mortos da Baixada Santista, de Camaçari, Itatim, Salvador e do
Complexo da Penha. Apoiamos fortemente a resistência das/dos moradoras/es das
comunidades atingidas, em permanente mobilização contra o terrorismo de Estado.
PELO FIM IMEDIATO DAS OPERAÇÕES
E INVASÕES POLICIAIS NAS COMUNIDADES!
PELO FIM DAS CHACINAS E DO GENOCÍDIO DO POVO
NEGRO!
PELO DESMANTELAMENTO DE TODO APARATO
REPRESSIVO!
PELA REPARAÇÃO DAS VÍTIMAS DO
TERRORISMO DE ESTADO!
Belo Horizonte, 04 de agosto de 2023
Instituto Helena Greco de Direitos
Humanos e Cidadania - BH/MG