A
lei 6683, de 28 de agosto de 1979, faz hoje 42 anos. Ela traz no seu bojo a
Doutrina de Segurança Nacional, arcabouço ideológico da ditadura militar
(1964-1985), aquela que preconiza a eliminação sistemática dos inimigos
internos. Nela estão contidas a estratégia
do esquecimento, a mentira organizada, o negacionismo, a
institucionalização da tortura e dos desaparecimentos forçados.
Tudo
isto sobreviveu aos 21 anos de ditadura sangrenta e aos 33 anos de transição
política sem ruptura, forjada nas entranhas do sistema (1985-2018). Consolidou-se
a interpretação equivocada e escabrosa de que se trata da lei de autoanistia.
Esta foi positivada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2010, com o indeferimento
da ADPF 153. Determinou-se, então, a inimputabilidade automática de todos os
agentes do Estado que perpetraram crimes de lesa humanidade. Lembremos que
estes crimes são inanistiáveis, imprescritíveis e inafiançáveis.
Todas
estas iniquidades têm sido levadas às máximas consequências nestes quase três
anos de governo fascista Bolsonaro/Mourão, que as adotou como politica de
Estado. Trata-se de um governo dos militares, tanto quanto a ditadura o fora.
Trata-se também de um governo das milícias. São mais de seis mil componentes
das forças armadas a ocupar cargos de primeiro escalão e postos estratégicos em
todas as instâncias do executivo. Todos eles entusiastas da ditadura militar,
defensores explícitos da tortura e adeptos do mais canhestro negacionismo.
Neste mês de agosto cem deles foram nomeados marechais, inclusive o finado arquitorturador cel. Brilhante Ustra,
principal paradigma do projeto de poder em vigor.
A
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita pela qual lutavam o Movimento Feminino pela
Anistia (MFPA), a partir de 1975, e os Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs),
a partir de 1977, combatia radicalmente o projeto da ditadura de anistia parcial e recíproca. Os trechos a
seguir foram extraídos das Resoluções da Carta do
I Congresso Nacional pela Anistia, realizado em São Paulo, em novembro de 1978[i]:
“A anistia pela qual lutamos deve ser Ampla –
para todas as manifestações de oposição ao regime; Geral – para todas as
vítimas da repressão; e Irrestrita – sem discriminações ou restrições. Não
aceitamos a anistia parcial e repudiamos a anistia recíproca. Exigimos o fim
radical e absoluto das torturas e dos aparatos repressores, e a
responsabilização judicial dos agentes da repressão e do regime a que eles
servem.” (Congresso Nacional pela Anistia Resoluções.
São Paulo, novembro 1978, p.5).
“Os movimentos pela
anistia entendem claramente que não se trata de reformar o poder judiciário, a
legislação eleitoral, a LSN. Impõe-se a supressão do aparato repressivo, a
desativação dos centros de tortura, oficiais, clandestinos ou militares.
Impõe-se a responsabilização dos que, investidos da autoridade conferida pelo
poder de polícia, têm praticado torturas e assassinatos; impõe-se acabar com a
impunidade dos órgãos paramilitares.” (Congresso Nacional
pela Anistia Resoluções. São Paulo,
novembro 1978, p.8).
São evidentes e impressionantes
a atualidade, a pertinência e a radicalidade deste documento de 1978. Nestas
mais de quatro décadas que se passaram, não foi possível sequer equacionar a
questão dos mortos e desaparecidos
políticos, ter acesso irrestrito aos arquivos da repressão e nem mesmo
nomear as/os milhares de indígenas e trabalhadoras/es sem terra trucidadas/os
pela política genocida da ditadura e de seus aliados - o latifúndio/agronegócio,
as grandes mineradoras, madeireiras e empreiteiras.
São as mesmas forças que hoje estão no poder sedimentando as mesmíssimas
práticas de esbulho e extermínio.
Assim, todos os
princípios formulados pela luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita
continuam valendo e compõem a nossa luta permanente contra o aparato repressivo
e pelo direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça.
DITADURA NUNCA
MAIS!
TORTURA NUNCA
MAIS!
NOSSO TRIBUTO A
TODAS/OS QUE TOMBARAM NA LUTA CONTRA A DITADURA!
ABAIXO O GOVERNO
GENOCIDA DE BOLSONARO, MOURÃO E MILITARES!
Belo Horizonte, 28 de agosto de 2021
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG
[i] CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções Proposições
políticas gerais. São Paulo, nov. 1978, mimeo, p.8