"Estamos aqui pela Humanidade!" Comuna de Paris, 1871 - "Sejamos realistas, exijamos o impossível." Maio de 68

R. Hermilo Alves, 290, Santa Tereza, CEP: 31010-070 - Belo Horizonte/MG (Ônibus: 9103, 9210 - Metrô: Estação Sta. Efigênia). Contato: institutohelenagreco@gmail.com

Reuniões abertas aos sábados, às 16H - militância desde 2003.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

ABAIXO HUGO STUDART E SEU LIVRO REACIONÁRIO!

MENSAGEM DE SOLIDARIEDADE INCONDICIONAL AOS FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS E AOS GUERRILHEIROS DO ARAGUAIA! 
        O Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania reitera total solidariedade e apoio incondicional aos familiares de mortos e desaparecidos. Repudiamos fortemente as sórdidas e infames invectivas deste tal Hugo Studart contra as companheiras Crimeia Alice Schimdt de Almeida (Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos) e Elizabeth Silveira (Grupo Tortura Nunca Mais/RJ) – referências nacionais e internacionais da luta pelo direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça. O objetivo deste senhor, sabemos, é o esbulho desta luta e a legitimação da ditadura militar. Trata-se de afronta à luta dos familiares de mortos e desaparecidos. Mais do que isto, trata-se de agressão absolutamente insuportável às companheiras e companheiros que tombaram na luta.
        Repudiamos igualmente a Universidade de Brasília (UnB) que deu respaldo a esta iniquidade travestida de tese de doutorado (???). Sinal destes tempos sombrios de fascistização da sociedade: obscurantismo acadêmico, desconfiguração/deterioração da pesquisa, aniquilamento da construção do conhecimento e primazia da mentira organizada. Tese que virou livro reacionário que está sendo repudiado e escrachado pelos movimentos sociais.
Belo Horizonte, 31 de agosto de 2018
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – Belo Horizonte/MG 

- Leia também: 
- NOTA DE SOLIDARIEDADE AOS FAMILIARES DOS DESAPARECIDOS DA GUERRILHA DO ARAGUAIA (Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos)
- NOTA DENÚNCIA E CONVITE PARA O ESCRACHO (Grupo Tortura Nunca Mais/RJ) 

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

CIDADE E MEMÓRIA - DOCUMENTÁRIOS SOBRE A DITADURA E A LUTA ANTIMANICOMIAL

Imagem: Documentários VÍDEO-CARTA, SERRA VERDE, MEMÓRIA ESSENCIAL e ARARA: UM FILME SOBRE UM FILME SOBREVIVENTE. 


 12ª CINEBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte
Mostra “A cidade em Movimento”

Sessão 2 - "CIDADE E MEMÓRIA" :

Quinta-feira, dia 30/08/2018, às 19h00
- Cine Sesc Palladium - Sala Prof. José Tavares de Barros - BH/MG

Exibição dos documentários:
VÍDEO - CARTA
SERRA VERDE
MEMÓRIA ESSENCIAL
ARARA: UM FILME SOBRE UM FILME SOBREVIVENTE

*Ao final da sessão haverá uma roda de conversa com a presença dos diretores dos filmes. Convidada para roda de conversa: Heloisa Greco (Bizoca) - membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG.

        "Cidade e Memória traz filmes produzidos por novos cineastas de Belo Horizonte sobre fatos históricos ocorridos no Brasil e América Latina, além de filmes que trazem marcas que a nossa cidade ainda carrega sobre os tempos da ditadura e das instituições manicomiais. Contra a ditadura e contra os manicômios, contra tudo que aprisiona e cerceia o livre direito de ir e vir, a sessão é uma resposta da cidade para os tempos sombrios que estamos vivendo”.

        A programação é oferecida gratuitamente ao público. Os ingressos deverão ser retirados na bilheteria de cada espaço, 30 minutos antes do horário de cada sessão. Classificação: 12 anos.

VÍDEO - CARTA | DIREÇÃO: PRISCILA MUSA - DOCUMENTÁRIO, COLORIDO, DIGITAL, 20 MIN, 2018

Sinopse

        Uma pequena carta por onde percorremos alguns fragmentos de imagens. Os rastros dos tempos de escuridão tatuados no espaço urbano de Buenos Aires, de Montevidéu e de Belo Horizonte. A ditadura civilmilitar, o Parque da Memória e a Praça de Maio na Argentina. Os anos de fuzilamento e tortura do Cárcere Miguelete, atual Espaço de Arte Contemporânea no Uruguai. Alguns pequenos frames de luz colocam o passado em movimento no presente, para que possamos pensar sobre a memória de um antigo Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, o casarão que hoje abriga o Espaço Comum Luiz Estrela. Ao mesmo tempo, um cavalo que se recusa a viver na cidade flutua na imagem, como uma de nossas memórias visuais mais antigas.

SERRA VERDE | DIREÇÃO: LUCIENE ARAUJO - DOCUMENTÁRIO, COLORIDO, DIGITAL, 17 MIN, 2018

Sinopse:

        As "ruínas" de um manicômio desativado são percorridas e dois personagens relatam experiências traumáticas e inusitadas sobre esse local, a "Clínica Serra Verde", situada em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte. O espectador é impulsionado a entrar imageticamente no interior da clínica. A atmosfera do documentário Serra Verde relaciona-se com a história do espaço onde lembranças e memórias foram marcadas pelo encarceramento de muitas pessoas.

MEMÓRIA ESSENCIAL | DIREÇÃO: LUCIENE ARAUJO E CERES CANEDO - DOCUMENTÁRIO, COLORIDO, DIGITAL, 6 MIN, 2016

Sinopse:

        Documentário híbrido baseado em registros documentais e relatos de dois familiares mineiros de desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. É também um ensaio que percorre a poética das imagens construídas pela memória daqueles que sofreram mais cruelmente as consequências da ditadura militar no Brasil (1964-1985). No curta, Maria de Fátima Marques e Valéria Costa Couto narram as trajetórias de seus irmãos e as dores provocadas pelo desaparecimento forçado de um familiar. Expõem a oscilação entre o querer lembrar e o querer esquecer essa história sem fim. Essa "morte incerta" do individuo ausente. Essa história silenciada.

ARARA: UM FILME SOBRE UM FILME SOBREVIVENTE | DIREÇÃO: LIPE CANÊDO - DOCUMENTÁRIO, COLORIDO, DCP, 13 MIN, 2017

Sinopse:

        Em 2012, Rodrigo Piquet, do Museu do Índio, mostra a Marcelo Zelic, do grupo Tortura Nunca Mais, um filme que encontrara, chamado Arara. O título não se referia ao animal, nem ao povo conhecido por esse nome. Zelic o aponta como importante registro probatório sobre o ensino de tortura durante a ditadura militar. Eram imagens da formatura da Guarda Rural Indígena, em Belo Horizonte, produzidas pelo indigenista Jesco Von Puttkamer em 1970.

* Informações e programação completa da mostra “A cidade em Movimento” - 12ª CINEBH:
 
http://cinebh.com.br/


https://www.facebook.com/cinebh/



https://www.facebook.com/cinebh/videos/313374196077518/


* LEIA TAMBÉM SOBRE O DOCUMENTÁRIO MEMÓRIA ESSENCIAL:

- EXIBIÇÃO "MEMÓRIA ESSENCIAL" - 22/07/2015


EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO "MEMÓRIA ESSENCIAL"

REALIZADA A EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO MEMÓRIA ESSENCIAL - 04/09/2013 
https://institutohelenagreco.blogspot.com/2013/09/realizada-exibicao-do-documentario.html

DOCUMENTÁRIO MEMÓRIA ESSENCIAL - EXIBIÇÃO E DEBATE COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE A GUERRILHA DO ARAGUAIA E DITADURA MILITAR 
https://institutohelenagreco.blogspot.com/2013/09/documentario-memoria-essencial-exibicao.html

terça-feira, 21 de agosto de 2018

SEMINÁRIO NA E.E. MACHADO DE ASSIS EM VESPASIANO

NOTÍCIA SOBRE O II SEMINÁRIO EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES
        Realizado no sábado, dia 11/08/2018, o II Seminário Educação e Luta de Classes - Novas estratégias de lutas dos trabalhadores em educação e pela construção da greve de ocupação. Construir a greve de ocupação unindo professores, estudantes, pais, funcionários e toda a comunidade em defesa da escola pública!
        O seminário aconteceu na Escola Estadual Machado de Assis em Vespasiano/MG. Foi organizado pelo Comando de Luta Classista dos Trabalhadores em Educação e pelo Sind-Ute – Subsede Vespasiano/São José da Lapa – MG.
        A programação começou pela manhã com a exibição do documentário Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile - Escolas ocupadas em São Paulo (60’ – 2016) de Carlos Pronzato. “A saga dos estudantes secundaristas de São Paulo por uma educação de qualidade. O levante do segundo semestre de 2015 contra o fechamento de 94 escolas culminou na ocupação de mais de 200 que seriam afetadas pelas ações de precarização do ensino público engendradas pelo Governo de Geraldo Alckmin, o qual vem perdendo apoio dia após dia. A coragem, a autonomia, a horizontalidade, a solidariedade demonstradas pelos secundaristas e o apoio popular presentes! Os gritos seguem ecoando na rua talvez anunciando uma profecia já concretizada: Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile!”
        Na parte da tarde houve duas mesas de palestras. Os debates contaram com a participação de estudantes, professoras/es e militantes de movimentos sociais:
- Análise de conjuntura nacional e internacional – com a professora Heloisa Greco “Bizoca” (Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania) e Eduardo Magrão (operário da construção civil e membro da Liga Operária). A mediação foi feita pelo professor Kleiton Gomes (Comando de Luta Classista dos Trabalhadores em Educação).
- Estratégias de lutas dos trabalhadores em educação e a necessidade da construção da greve de ocupação – com o professor Rômulo (Moclate – Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação) e Rosa (estudante que participou de ocupação de escola em São Paulo, em 2015). A mediação foi feita pelo professor João Martinho (Sind-Ute – Subsede Vespasiano/São José da Lapa – MG).
        Durante os intervalos e no encerramento houve forte apresentação do grupo de protesto Ameaça Vermelha – “O grupo de Rap ‘Ameaça Vermelha’ surgiu em 2015 na Zona Leste de São Paulo (SP) com o intuito de levar às massas mais empobrecidas a Cultura Popular, mantemos desde o começo uma linha revolucionária nas letras buscando sempre propagandear a Revolução de Nova Democracia em nosso país, como único caminho para a libertação do povo e para varrer o imperialismo da face da terra. Em síntese o ‘Ameaça Vermelha’ é um grupo de caráter Antifascista, Anti-imperialista e Revolucionário”. “Que as classes dominantes tremam diante da Cultura Popular!”
        O seminário foi dedicado às combativas professoras que faleceram neste ano.
Companheira Viviane Ciriaco (02/03/1971 – 17/02/2018):
Presente na luta!
Companheira Jussara Maria Gomes (26/11/1971 – 19/07/2018):
Presente na luta!
Agradecemos a todas e todos pelo convite e pela presença!
Belo Horizonte, 21 de agosto de 2018
Notícia/Fotos: Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
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Abaixo reproduzimos o texto distribuído pelos organizadores e debatido durante o seminário:
        “II Seminário Educação e Luta de Classes
Construir a greve de ocupação unindo professores, estudantes, pais, funcionários e toda a comunidade em defesa da escola pública!
        Estamos realizando o nosso segundo seminário Educação e Luta de Classes com o objetivo de avançar em nossa organização e luta em um momento de grave crise do capitalismo burocrático em nosso país, como parte da crise geral do sistema imperialista[1]. Como inevitável consequência dessa crise nossas escolas estão sendo cada vez mais atacadas e sucateadas, os trabalhadores em educação estão vendo seus direitos arrancados, os seus salários arrochados e atrasados e os estudantes cada vez mais prejudicados em seu direito de estudar e aprender.
        Viemos de importantes lutas, como a greve na rede estadual que durou 42 dias entre março e abril de 2018, em que nosso Comando de Luta Classista dos Trabalhadores em Educação impôs a marca da combatividade, contrapondo à greve imobilista e de pijama da cúpula estadual do sindicato. Ao final da greve, realizamos um importante seminário em que estudamos o significado do pensamento do grande Karl Marx, como parte das celebrações dos seus 200 anos e iniciamos, ainda que brevemente, um balanço desta greve de 42 dias.
        Neste balanço apontamos que mesmo com as vitórias da greve para nossa organização, era necessário entender as limitações das greves tradicionais e avançar na tática da greve de ocupação para avançarmos na nossa organização para a conquista de nossos direitos. Atuamos organizados enquanto Comando Classista dos Trabalhadores em Educação no Congresso do SIND-UTE/MG, apresentando nossa tese de greve de ocupação contra as demais teses oportunistas e eleitoreiras e saímos fortalecidos com a convicção de que a greve de ocupação é o caminho que devemos traçar: mesmo sem dominar toras suas particularidades na prática. Por isso, é que temos de nos aprofundar para buscar responder: O que é a greve de ocupação? Quais experiências existem na história recente em nosso país? E como podemos aplicá-la em nossas escolas?
        Para aprofundarmos nestes questionamentos, selecionamos alguns trechos do balanço da greve de 2011 feita pelo MOCLATE – Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação, que corresponde ao balanço que devemos fazer da greve deste ano e principalmente a necessidade de buscarmos novas formas de lutas, junto aos trabalhadores em educação:
“Em todo o país somos 1,5 milhão de professores da educação básica pública trabalhando em 160 mil escolas com 45 milhões de alunos (dados de 2009). Somos uma parcela importante dos trabalhadores do país e, apesar de desempenhar uma atividade intelectual, somos parte do proletariado brasileiro. No final dos anos de 1970, a mobilização política dos professores foi fundamental para pôr abaixo o regime militar. Mas desde este período o movimento de professores tem sido hegemonizado pela CUT a serviço do oportunismo eleitoreiro do PT. O projeto de eleger Lula presidente converteu greves na educação em instrumento e joguete de mero desgaste eleitoral de governantes adversários. Ou, ao contrário, gerou vacilação e conciliação quando o governante era aliado, como durante o gerenciamento de Itamar Franco em Minas.
        Parcelas importantes do professorado passaram a ver com desconfiança as greves e manifestações devido à manipulação descarada exercida pela direção das entidades. Assim, a deterioração das condições de trabalho do magistério e o sucateamento nunca visto da escola pública dos últimos tempos não encontraram no movimento de professores a resistência necessária.
Mas o agravamento da crise está impulsionando a retomada da luta. O surgimento de correntes classistas, como o MOCLATE — Movimento Classista de Trabalhadores em Educação (da Liga Operária) — antecipam novas perspectivas para a luta do magistério. Não temos ilusões que neste Estado seja possível transformar no necessário as condições das escolas públicas ou de nossos salários. Estamos convictos que estes governos, em todos seus níveis, não têm compromisso com os interesses do povo. E muito ao contrário, cumprem o papel de submeter tudo aos interesses dos lucros das classes dominantes. O que temos tirado como lição, entretanto, inclusive da recente greve em Minas, é que podemos ter saltos de organização e de politização dos professores.
        Ganhou terreno o classismo, a combatividade na luta por direitos, a democracia no movimento. Ficou claro que sem combatividade não é possível pressionar o governo. Estas greves por muito extensas que sejam, afetam minimamente o governo. Não são como uma paralisação numa indústria ou no transporte público que trazem grande impacto econômico. Ao contrário, são facilmente utilizadas pela manipulação demagógica dos governantes e usada como chantagem por essa imprensa venal, os quais se apresentam como hipotéticos defensores do direito do povo à educação. Por isto defendemos que devemos repensar e avançar em nossas formas de luta. É preciso e necessário ultrapassar os limites que esta ordem reacionária nos impõe defendendo e praticando o direito do povo à rebelião, de que a Rebelião se Justifica!
OCUPAR TODAS AS ESCOLAS
        Precisamos potencializar nossas greves com a ocupação da administração e de todas as atividades da escola, transformando cada uma delas na nossa base principal de organização. Para isto ela tem que ser um ponto de mobilização e organização de professores, funcionários, estudantes e pais, enfim uma Assembleia Popular na defesa da escola pública. E não somente nos momentos de luta por melhores salários e condições de trabalho. Manter a escola fechada durante nossas greves nos enfraquece, pois nos distancia do que deve ser nosso principal apoio, enquanto os agentes do Estado reacionário e a imprensa dos monopólios trabalham para desinformar e confundir a população. Ocupando as escolas para dar aulas às crianças e jovens e realizar assembleias com a comunidade, explicando e informando a todos a real situação do ensino e dos trabalhadores (professores e outros servidores), a situação do país, a politicagem oportunista dos “políticos” e de seus partidos eleitoreiros demagógicos e mentirosos, realizando enfim toda a denúncia sobre este Estado e seu caráter de classe opressor e explorador do povo trabalhador; desmascarar todos seus gerentes (municipal, estadual e federal  e toda sua estrutura executiva, legislativa e judiciária) que enganam as massas, violam seus direitos mais elementares para defenderem os interesses das classes serviçais do imperialismo. Nossas manifestações, ocupações de prédios públicos têm que ser organizadas a partir das escolas, envolvendo boa parte da população que são os pais de alunos. Cada escola pública, uma a uma, deve ser o centro de nossa organização, construindo vigorosas e massivas Assembleias Populares de base. O caos que hoje se instalou nas escolas públicas é porque elas têm se transformado em uma extensão do aparato repressivo sobre nossa juventude. Ver na rebeldia de nossos jovens principalmente expressão de delinquência ou de uso de drogas é não levar em conta a violência que hoje se abate sobre eles por várias formas e vias, e a negação completa de seus direitos. Educar é transformar. Atrevamo-nos a revolucionar nossas escolas. É preciso não só entender nossos estudantes, mas infundir neles a confiança e esperança de que podemos, com nossa luta, com nossa mobilização, organização e politização transformar o Brasil e o mundo.
Em essência, como professores, devemos imprimir em nosso trabalho um profundo e verdadeiro sentido de servir ao povo de todo o coração. Ganhar o coração das massas populares ajudando na elevação, insistimos, de sua mobilização, politização e organização. Só assim faremos de nossas escolas trincheiras para as transformações tão reclamadas em nosso país.” 
        Fazemos questão de reproduzir esta importante avaliação do MOCLATE porque ela se mostrou completamente acertada, como demonstraram as lutas estudantis nas escolas públicas nos anos seguintes.
Juventude combatente toma as ruas, universidades e escolas
        No mesmo período da greve dos trabalhadores em educação de Minas Gerais em 2011, no outro extremo do país, os estudantes da UNIR – Universidade Federal de Rondônia, por meio de uma combativa greve unificada junto aos professores e servidores, apontavam o caminho mais consequente para a luta em defesa do ensino público. Os estudantes da UNIR, que lutavam contra o sucateamento, as ameaças de fechamento da universidade e pela deposição do reitor Januário Amaral, envolvido em inúmeros esquemas de corrupção, ocuparam  a reitoria da universidade por mais de dois meses e angariaram o apoio massivo da população de Porto Velho e cidades próximas à capital. Devido ao massivo envolvimento de toda a comunidade acadêmica, a universidade não ficou fechada, ao contrário, tornou-se palco de grandes eventos políticos e culturais que tinham como centro chamar a atenção da opinião pública para a situação caótica do ensino e convocar a população a apoiar a luta em defesa da UNIR. Por mais que a burocracia universitária tentasse deslegitimar a greve, utilizando o monopólio de imprensa para criminalizá-la como “baderna”, “vandalismo”, etc., ficava cada vez mais evidente para a população local a justeza da greve e a necessidade da própria ocupação. Da mesma forma, o uso da força repressiva do Estado, por meio da atuação da Polícia Federal que chegou a prender um professor e dois estudantes grevistas e mesmo ameaças de morte contra ativistas, não fizeram o movimento retroceder. A justeza da linha encetada pelos estudantes ficou comprovada na conquista de todas as reivindicações e na deposição do reitor Januário Amaral, conquista sem precedentes na historia do movimento estudantil brasileiro.
        Já em 2014, no influxo das grandes jornadas de junho/julho de 2013 e em meio à luta contra a farra da Fifa, os estudantes de Goiânia ocuparam as escolas contra a tentativa do governo de Goiais de avançar nos intentos de privatização do ensino público com as chamadas Organizações Sociais (OSs) e com essa tática derrotaram essa investida contra o ensino público. Também nesse momento a juventude combatente levantou-se, na capital paulista, contra as medidas de fechamento de escolas impostas pelo gerenciamento de Alckmin/PSDB. Os estudantes ocuparam as escolas com o apoio dos pais e, em muitos locais, os professores se juntaram à luta. Reforçando a justeza da linha de ocupação das escolas, os estudantes se organizaram em comissões (alimentação, limpeza, disciplina, cultural e autodefesa) assegurando o funcionamento das escolas e realizando atividades junto às comunidades onde as escolas estavam localizadas. Mantiveram, assim, por meio do apoio popular, as ocupações, apesar da grande repressão policial e das tentativas da imprensa em deslegitimar o movimento por meio do berreiro histérico de “vandalismo”. Nestas lutas os oportunistas da UNE/UBES, que já estavam queimados pela experiência das jornadas de 2013 e todo o seu histórico de traição à luta estudantil, correram para se cacifarem com a mobilização das massas, mas foram, literalmente, expulsos pelos estudantes da maior parte das escolas ocupadas.
        Na medida em que o gerenciamento de Alckmin aumentava a repressão contra os estudantes, as ocupações se expandiam na capital e espalhavam-se para outras cidades do estado. Desta forma os estudantes venceram tal contenda, impedindo o fechamento das escolas. O exemplo da juventude combatente entusiasmou professores e pais em todas as partes do país. Paralisações, greves e ocupações ocorreram em solidariedade aos estudantes paulistas. Novamente, em 2016, para desespero da reação e do oportunismo, as ocupações de escolas por estudantes voltaram a se generalizar na luta contra a PEC 55 e a contrarreforma do ensino médio. No Paraná, a luta dos estudantes ganha contornos e dimensões semelhantes ao grande movimento dos secundaristas em São Paulo em 2014 e 2015. Foi a partir deste momento que as ocupações, que já vinham sendo utilizadas como método de luta pelos estudantes brasileiros nas universidades públicas, por meio da ocupação de reitorias desde a luta contra a “reforma” universitária do Banco Mundial durante o gerenciamento do oportunismo, passaram a ser o principal método de luta do movimento estudantil combativo. Da mesma forma como a utilização de barricadas com fogo e a cobertura dos rostos generalizaram-se depois de 2013.
        Em Belo Horizonte e região metropolitana, embora não tenha ocorrido nas mesmas dimensões que em São Paulo e Paraná, aconteceram ocupações importantes em várias escolas, demonstrando a adesão dos estudantes a esta forma de luta. Isto também ocorreu por todas as partes do país. Em 2016, vários países tiveram escolas e universidades ocupadas pelos estudantes, na luta pela escola pública.
Ocupar todas as escolas junto aos estudantes e comunidades escolares!
        Todas estas experiências comprovam que a ocupação das escolas é o único caminho para efetivamente democratizar a escola. Nas ocupações que aconteceram por todo o país os estudantes demonstraram que essa democracia é muito maior que a simples eleição de diretores. Os estudantes se puseram a participar das decisões e em assembleias permanentes se posicionavam, junto a toda a comunidade escolar, sobre todas as questões da escola.
        Devemos, durante todo o período de paralisações, greves e mobilizações manter as escolas abertas e lutar por organizar e manter o funcionamento permanente de Assembleias Populares compostas por profissionais em educação, estudantes e comunidades. Entre estas assembleias, que devem ter caráter soberano na decisão de todos os assuntos concernentes à escola, devemos montar comandos de luta unificados e paritários entre estes três seguimentos, eleitos por maioria simples nas assembleias, de caráter executivo e revogável a qualquer momento. Desta maneira nossa luta se tornará cada vez mais forte. Nossa combatividade se sustentará em uma base muito maior e poderemos, de forma coordenada, realizar manifestações por toda a cidade.
        Ao estalar uma greve devemos nos reunir com os professores e debater a necessidade de organizar a luta a partir de cada escola. Devemos imediatamente direcionar um comunicado de cada escola aos pais e à comunidade circundante explicando nosso movimento e convocando todos para participar de nossas atividades e assembleias. Também é exigido que nos apoiemos sobre as organizações dos estudantes e chamemos assembleias estudantis para que esses possam se posicionar e participar conscientemente de nossa jornada. Assim uniremos toda a comunidade escolar e criaremos as bases para nos ligarmos às massas da cidade e do campo de nosso país na luta pela construção de uma nova sociedade.
        Nossas reivindicações mais imediatas devem ser apresentadas de forma clara nessas lutas e somadas às demais reivindicações dos estudantes e da comunidade escolar. Nos momentos de refluxo da luta, quando as escolas não estiverem mobilizadas e a vida escolar transcorrer de forma “normal”, devemos lutar por envolver todos os principais ativistas (professores, funcionários, estudantes, pais, etc.) organizados na forma de Grupos de Base. Esta é uma questão chave para que o movimento grevista não seja um fim em si mesmo, rompendo com o economicismo e o eleitoralismo do velho movimento sindical oportunista e eleitoreiro das centrais sindicais, que usam as lutas da categoria, como trampolim eleitoral. Estes Grupos de Base se revestirão de formas distintas em cada local. Os Grupos de Base devem ter três funções bem definidas: a primeira é a mobilização permanente dos trabalhadores em educação, dos estudantes e pais em torno dos problemas e atividades da escola e da comunidade; a segunda é a politização das atividades de modo a elevar a consciência classista e combativa de todos os seus membros e a terceira, que também é imprescindível, é a organização democrática de todas as atividades de modo que a luta econômica diária se transforme em um instrumento de organização e propaganda por uma sociedade mais justa e igualitária.
        Para isso devemos apoiar a luta dos estudantes pela sua livre organização, assim como pela criação e manutenção dos grêmios estudantis. E, na medida do possível e segundo as necessidades concretas da luta pela democratização da escola e por reivindicações econômicas específicas, participar dos Conselhos Escolares, assim como apoiar a criação e manutenção das Associações de Pais.
        A experiência histórica demonstra que o elemento mais dinâmico da luta em defesa da democratização das escolas são os estudantes e devemos levar em conta os seus interesses para nos unirmos solidamente com eles. Dentre suas demandas específicas, é necessário dar atenção especial ao lazer, esporte e cultura. Esses são direitos sistematicamente negados às crianças e aos jovens pobres, que temos o dever de lutar por assegurar durante e após as ocupações. Atividades como música, teatro, artes plásticas, jogos, brincadeiras, gincanas, concursos, campeonatos esportivos, festivais, etc., são uma necessidade premente para nos ligar profundamente à juventude combatente e às crianças.
        Como parte de nossos esforços por organizar o movimento classista entre os profissionais em educação, devemos lutar contra a influência do corporativismo e do economicismo (de só ver as reivindicações imediatas da categoria e não das classes populares em seu conjunto) impostos pela hegemonia histórica do oportunismo na categoria e nos unirmos, concretamente, às lutas específicas dos estudantes, em particular, àquelas relacionadas à gratuidade do ensino, como pelo direito a uma alimentação de qualidade nas escolas e o passe-livre estudantil. Dando atenção especial às pautas em que os interesses dos profissionais em educação e dos estudantes convirjam, como as reformulações curriculares (BNCC, etc.); contra a Residência Pedagógica (que se liga à luta dos estudantes universitários pelo direito à extensão e contra a precarização do trabalho docente); Escola sem Partido; contra os cortes de verbas para o ensino público, entre outras políticas e medidas impostas pelos gerenciamentos de turno em todas as esferas.
Companheiras e companheiros,
        Se tomarmos a situação em qualquer escola no estado, encontraremos os trabalhadores em educação altamente descontentes com as medidas dos governos de plantão, com seus salários arrochados e atrasados, falta de recursos e estrutura na escola para garantir o mínimo de apoio didático para as aulas.
        Os trabalhadores em educação, com seus salários atrasados, atrasam o pagamento das contas de suas casas, de aluguel, água, luz, telefone, cartão de crédito. Além disso, muitos se encontram endividados, com créditos consignados, e quando cai a primeira parcela do pagamento, o banco já faz o desconto e muitas vezes esses trabalhadores só veem a cor do dinheiro na segunda parcela que recebem já no final do mês. Isto em uma situação em que muitos professores são “arrimos de família”, pois com o desemprego crescente no país, acaba ficando para esses profissionais a responsabilidade total de famílias inteiras. Os juros das dívidas que os professores têm que pagar não são acrescidos nos salários atrasados, dificultando ainda mais a manutenção de suas casas, faltando, cada vez mais, recursos para itens básicos como alimentação.
        Esta é a situação objetiva sob a qual vai se represando muita revolta. Quando há divisão entre os trabalhadores em educação em entrar em greve no 5º dia útil até receber os salários, e se muitos não querem paralisar suas atividades, na maioria das vezes, é porque desconfiam que esta forma de luta não dará resultado e não confiam na direção estadual do sindicato que está totalmente envolvida em joguetes eleitorais. Enquanto, na rede estadual de ensino, os trabalhadores em educação recebem abaixo do piso salarial nacional, a cúpula da direção estadual do SIND-UTE/MG faz de tudo para blindar o governador Pimentel que é quem no momento tem aplicado essas medidas, inclusive dando declarações de que “a polícia é mais importante para a sociedade que os trabalhadores da educação e da saúde, e por isso devem ter prioridade no pagamento de salários”. O esforço da cúpula da direção estadual do sindicato não é para fortalecer a luta e organização dos professores, mas para fazer vistas grossas ao atraso no pagamento de salários e ensalçando a PEC do piso estadual, transformando isto numa batalha parlamentar para desgastar o PSDB de Anastasia e terem algum fôlego para reelegerem o PT no governo do Estado. Esse joguete eleitoral não interessa à luta dos trabalhadores em educação e às massas populares em nosso país. Seja qual for o governante que vencer as eleições, aplicará as mesmas medidas de arrocho e atraso nos pagamentos de salários e sucateamento das escolas, tendo em vista que ambos fazem parte do Partido Único, que só se divergem no varejo, mas se aliam no atacado, para frear a luta do povo (vide Pimentel/PT e os trabalhadores em educação 2015/2018). Só a nossa organização poderá impedir, através de resistência, os ataques à educação.
        Para aplicar a linha da greve de ocupação, devemos ter em vista que o trabalho político deve ser feito com paciência e persistência. Não devemos ver os trabalhadores em educação como um só bloco, como gente desinteressada e que não quer lutar, mas sim como nossos companheiros de classe. Devemos aprofundar nossa politização, nosso trabalho de propaganda, acumulando no dia a dia para dar saltos em nossa organização. Se agirmos assim, estaremos preparados para dar uma direção mais justa nos momentos em que as lutas mais generalizadas estourarem.
        Vivemos um novo momento da luta de classes em nosso país. Aqui e acolá por todo o país estouram revoltas e rebeliões, cada vez mais frequentes. Mesmo entre os professores tivemos importantes iniciativas, como na greve de 42 dias no início do ano e as paralisações que estão ocorrendo todo o mês em várias escolas do Estado. A firmeza e combatividade da recente greve da educação infantil em Belo Horizonte também nos dá esses sinais. Em Vespasiano, a greve da rede municipal de ensino enlouqueceu a prefeita que teve que enfrentar a direção combativa dos companheiros da direção da subsede do SIND-UTE/MG de Vespasiano e São José da Lapa. Por todo o país os trabalhadores em educação resistem às medidas de ataque à educação. A recente greve dos caminhoneiros que pararam completamente o país por uma semana deu indicações importantes da disposição de nosso povo de lutar e indicou que somente com organização e combatividade podemos impor nossas reivindicações e conquistar nossos direitos. Atrevemo-nos a transformar nossas escolas em trincheiras da luta popular!
Propostas:
1- Realizar seminários por escola, principalmente onde trabalhamos, com o estudo deste documento como forma de reposição.
2- Organizar grupos de base do Comando de Luta Classista dos Trabalhadores em Educação por escola.
3- Apoiar a organização e formação independente dos estudantes e seus grêmios;
4- Desenvolver debates com toda comunidade escolar (Professores, funcionários, estudantes e pais) sobre a defesa da escola pública gratuita e que sirva ao povo;
5- Promover atividades culturais que valorizem a cultura popular;
6- Debater sobre formas de aliar os conteúdos escolares aos temas políticos a serem trabalhados com os estudantes na escola conforme a demanda;
7- Promover debates sobre a farsa eleitoral nas escolas.
Vespasiano, 11 de agosto de 2018
Comando de Luta Classista dos Trabalhadores em Educação”


[1] O Capitalismo burocrático é a forma que o sistema capitalista se desenvolveu nos países atrasados, nos quais a revolução burguesa (Revolução Democrática) ainda não se concretizou, é um capitalismo que fora desenvolvido de fora para dentro pelas potências imperialistas com objetivo de manter seu domínio e aumentar seu saqueio, por isso dizemos que foi engendrado. É caracterizado por se sustentar sobre relações não capitalistas de tipo feudais ou semifeudais de modo a manter o país atrasado economicamente e assim manter a condição de país consumidor dos produtos das potências imperialistas, exportador de matéria-prima (in natura como Commodities – produtos que possuem seu valor determinado pelo sistema financeiro internacional) e subjugado politicamente, por isso estes países são caracterizados como colônias ou semicolônias, dependendo do grau de dominação. Tais formas de dominação se mantêm desenvolvendo com uma aparência de capitalismo contudo mantêm em sua essência os elementos não capitalistas e de dependência (exemplo o agronegócio e as montadoras e automóveis). O atraso nas relações econômicas se reflete em um sistema de governo subserviente, anti-povo e anti-nação, como também em formas culturais alienante e conservadoras, dado que seu objetivo é desenvolver as melhores condições para a inversão de capitais de seus amos imperialistas. Nos países em que se desenvolveu o capitalismo burocrático segue pendente a Revolução Democrática, que não pode mais ser levada a termo pela burguesia, e deve ser compreendida como a primeira tarefa revolucionária a ser levada a cabo pela frente única revolucionária como Revolução Democrática de novo tipo, baseada na aliança operário-camponesa cujo conteúdo é revolução agrária e anti-imperialista, para destruir o latifúndio e desenvolver a industrialização e nacionalização das riquezas nacionais.

sábado, 18 de agosto de 2018

PROFESSORAS/ES E ESTUDANTES DE ESCOLA ESTADUAL EM SABARÁ DEBATEM SOBRE A DITADURA MILITAR

DEBATE NA ESCOLA ESTADUAL PROF.ª ANGÉLICA MARIA DE ALMEIDA
        Realizado debate no sábado, dia 04/08/2018, em Sabará/MG: palestra e exibição filme seguidas de roda de conversa. A palestra foi feita por membro do Instituto Helena de Direitos Humanos e Cidadania. O tema foi a ditadura militar (1964-1985). Foram abordados também os desdobramentos da ditadura – o que resta da ditadura - e o terrorismo de Estado na atualidade.
Foto cedida pela Prof.ª Cláudia

        Foi exibido o documentário 15 filhos (18’42’’ – 1996) de Maria Oliveira e Marta Nehring. O documentário é constituído por depoimentos de filhas e filhos de mortos, desaparecidos e presos políticos na ditadura militar. Muitos deles foram presos juntos com os pais e assistiram torturas e mortes.
        Aconteceu na Escola Estadual Professora Angélica Maria de Almeida. Foi organizado por professoras/es da escola em reposição de aulas da greve – importante iniciativa de ocupação do espaço escolar. Contou com a participação de estudantes do 9º ano.
        Agradecemos a todas e todos pelo convite e presença.
Ditadura militar nunca mais!
Foto cedida pela Prof.ª Cláudia

Belo Horizonte, 18 de agosto de 2018
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania

terça-feira, 14 de agosto de 2018

DEBATE NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO - UEMG SOBRE A DITADURA

 Imagem: palestra e debate sobre a ditadura militar no Brasil realizados no dia 25/06/2018 - Foto/Fonte: Fae - UEMG

NOTÍCIA DO DEBATE NA FAE - UEMG SOBRE A DITADURA NO BRASIL 
(1964 – 1985)
        Foi realizada na Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE - UEMG), no dia 25 de junho de 2018, das 13:00 às 15h, palestra seguida de roda de conversa sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985). O debate constituiu atividade do projeto interdisciplinar que congrega as/os professoras/es do 1º período do Curso de Pedagogia. A escolha do tema foi das/os estudantes, o que reflete a preocupação com a garantia de um espaço acadêmico voltado para o exercício da reflexão, da crítica, do questionamento, do dissenso. 
        Depois da palestra de Heloisa Greco (Bizoca), que participou como membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, houve intensa interação de estudantes e professoras/es na roda de conversa. Toda a discussão girou em torno da necessidade de lutar contra o que restou da ditadura militar e da necessidade de transformar a realidade na qual vivemos.
        Agradecemos o convite e a presença de todas e todos. A seguir, o conteúdo da palestra A ditadura militar no Brasil.
Introdução / Dinâmica
          Nosso objetivo aqui, como nos foi transmitido pela Profa. Daniela Passos, é  buscar entender o contexto atual levando em conta o que aconteceu no passado: problematizaremos as aproximações entre o golpe militar de 1964 e o tempo presente. Vamos nos basear, livremente, nos capítulos 1 e 2 da tese de doutorado de Heloisa Greco[1], no acúmulo das nossas elaborações e discussões no Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania e em autores lidos ou relidos recentemente.
        Organizarmos a discussão a partir de três blocos de questões:
    1)   Construção da cultura repressiva no Brasil: processo histórico de longa duração;
    2)  Caracterização da ditadura militar brasileira: a cultura do simulacro
   3)  Reatualização da discussão a partir do combate ao Estado de exceção permanente ao qual estamos todas/os submetidas/os - as marcas deixadas pelos 21 longos anos de ditadura militar e pelos 33 longos anos de transição controlada, ainda sem desfecho.
      1) A construção da cultura repressiva no Brasil: processo histórico de longa duração
        A história da República brasileira tem sido o que Henrique Samet chama com muita propriedade de construção da brasilidade excludente, uma ideologia baseada no pressuposto de que “Estado e nação precisam de povo, mas não obrigatoriamente de cidadãos”.  A exclusão estrutural e seus parceiros inseparáveis - a opressão econômica e o exercício da violência institucional - seriam a própria razão de ser da nacionalidade brasileira. Uma nacionalidade sem cidadania[2]forjada em nome da manutenção dos interesses das oligarquias dominantes.
        Caio Prado Junior identifica o núcleo duro deste processo no binômio herança escravocrata / estrutura fundiária baseada na grande exploração agrícola.  Trata-se, segundo ele, “daquele passado que parece longínquo, mas que nos cerca de todo lado” - “o passado que nos fez”[3]O Brasil contemporâneo é resultado dessa herança do escravismo, que se manifesta na desigualdade intransponível e na dominação irrestrita[4] geradas por uma economia presa desde o século XVI ao capitalismo europeu e assentada sobre o trabalho escravo.
        Com a construção do Estado nacional ao longo do século XIX confirma-se a hegemonia política das elites dirigentes. Consolida-se a legitimação da brutal desigualdade da sociedade escravista e a preservação das raízes portuguesas e da monarquia tida como única garantia da ordem, da unidade e da identidade nacionais[5] .  A nação foi construída segundo a imagem e semelhança das classes senhoriais latifundiárias e escravocratas: só elas tinham as prerrogativas da liberdade (leia-se propriedade). O resto da sociedade deveria ser mantido meticulosamente alijado - os mundos deveriam ser conservados rigorosamente separados.
        Tal construção se realiza através de um conjunto de representações - o que Cecília Coimbra chama de “constituição de subjetividades”[6] e Carlos Fico de “repertório de imagens e ideias que definem o Brasil”. Tal processo acabaria por configurar “um imaginário muito difícil de ser abalado”[7]Fico destaca a instituição do índio como símbolo da identidade nacional, resultado da combinação do “amálgama das três raças” - apontado por Von Martius[8] como núcleo da singularidade do país - com o indianismo do nosso romantismo literário[9].
        Este mito fundador da brasilidade, que é também “mito sacrificial” (Alfredo Bosi), fabrica uma das mais persistentes falácias das matrizes explicativas da nossa singularidade: aquela que define a boa índole, a cordialidade, a passividade e a informalidade como características ontológicas da população.  Esta questão é tipificada no homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda[10], o qual simboliza uma sociedade marcada pela promiscuidade entre público e privado com franco favoritismo do segundo em detrimento do primeiro. O homem cordial não se adequa de forma alguma à esfera pública: ele representa, ao contrário, o protótipo (arquétipo?) do não-cidadão; o seu locus  é a esfera do privado[11]. Subalternidade e heteronomia são alçadas ao estatuto de virtudes nacionais. A docilidade brasileira é colocada como representação de outra falácia: a docilidade da dominação.  A violência do opressor é ao mesmo tempo negada e legitimada como necessidade histórica, condição para a consecução de um bem maior: a moral, a religião, os bons costumes, a modernidade, a civilização - enfim, a construção da ordem. 
        Com o advento da República, a noção de excludência continua na centralidade.  Os fundamentos ideológicos anteriores são amplificados, devidamente adaptados à transição da ordem escravocrata para a ordem burguesa. Os criadores culturais do Estado e da nação republicanos realizam o princípio basilar dos colegas que os precederam – a interdição da incorporação das massas populares à sociedade brasileira. A lógica segregacionista dos urbanistas e da modernização produz modelos espaciais sempre baseados na exclusão. Seu objetivo primordial é proteger as elites contra as multidões.  A Cidade – representação da nação – tem cada vez mais a cara dos donos: ruas e praças são consideradas “áreas de risco”, “a grande escola do mal”[12] - objeto de regulação e quadriculação permanentes.  É nesse contexto de criminalização dos espaços públicos que se dá a emergência do conceito de classes perigosas.  
        As classes perigosas são as eternas classes indesejáveis, compostas por subversivos, marginais e desclassificados de todos os matizes, todos no mesmo balaio.  A noção de periculosidade incide sobre os excluídos históricos - o conjunto dos inimigos da ordem.  Estes não podem ser tolerados na versão  positivista da brasilidade excludenteOrdem e Progresso. Trata-se da construção do processo de estigmatização das classes populares e dos movimentos sociais enquanto suspeitos permanentes, fenômeno tão familiar para nós do final da segunda década do chamado terceiro milênio.
         Mais uma vez está colocada a necessidade histórica da violência – e da quadriculação – em nome da construção da ordem, que passa a ser materializada na montagem paulatina de aparelho repressivo policial e político inspirado ao mesmo tempo na violência da tradição escravocrata e no cientificismo então em voga. Haveria que se garantir a maior eficiência possível no combate ao perigo maior – as massas populares.  A matriz discursiva desse conjunto de representações articula “contaminação, nocividade e subversão” [13] a partir da semântica biologizante adotada pelo movimento higienista[14], cujo determinante racista foi levado aqui às máximas consequências: o alvo principal desta política é a massa de ex-escravos, estorvo e ameaça constantes[15], cuja incorporação ainda constitui problema no Brasil.
          Vem do higienismo brasileiro a noção de periferia social, geográfica e demográfica e o estabelecimento de fronteiras profiláticas separando as zonas civilizadas das zonas selvagens para evitar o alastramento da degradação moral inerente às classes perigosas. Vem daí também o “discurso da invasão”, o qual estabelece que a nocividade da população nativa sem defesa (anticorpos) é transmitida pelo estrangeiro (corpo estranho), vetor de decadência e subversão.   Seu desdobramento é o que Henrique Samet considera o próprio “cerne da construção da brasilidade excludente”: espaço para a criação de conceitos que compreendem a existência do inimigo interno e a necessidade de sua eliminação[16].     
        São implantados a violência bruta como medida de assepsia social e o tratamento da questão social como caso de polícia[17].  A massa de ex-escravos, os pobres, os miseráveis, os indigentes, os marginais - que sempre constituíram a maioria da população - nunca deixaram de viver sob o jugo da exceção e do terror. Este se manteve em todas as formas de regime político, constitucionais ou ditatoriais.
        Eliane Dutra aponta a existência de uma “disposição totalitária” no Brasil dos anos 1930 (Getúlio Vargas), a qual deixou marcas e efeitos renitentes[18]. Esta disposição totalitária se concretiza na montagem de aparelho repressivo adequado à mais extrema violência policial e política e de  gigantesca máquina de propaganda - monopolização dos meios de comunicação , instrumentalização  da instrução pública e regulação  vida cultural pelo Estado. Não por acaso o primeiro partido nacional de massas, que atuou legalmente no país de 1932 a 1938, vem a ser a Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, de doutrina abertamente fascista[19].
        Florestan Fernandes afirma que, desde a década de 1930, “... as classes e estratos de classe burgueses desenvolveram uma solidariedade de classes que se tornou abertamente totalitária e contrarrevolucionária, em suma, o fermento de uma ditadura de classe preventiva”, que se efetivaria com o golpe de 1964[20].
      2) Caracterização da ditadura militar brasileira: a cultura do  simulacro
         A que veio, então, o golpe de 1964? Trata-se da implementação do projeto de modernização conservadora e acelerada do capitalismo no Brasil, baseado na “compulsão no sentido de aprofundar a estruturação monopolística da economia”: aceleração das taxas de acumulação, do processo de concentração da renda e da exploração da mais valia cuja contrapartida é a “aceleração da desigualdade”[21]. Daí o aumento exponencial da miséria e da opressão - projeto tornado possível através da mais terrível repressão contra as/os trabalhadoras/es e o povo. Também para Francisco de Oliveira, o pós-64 é uma contrarrevolução. É aí que está “sua semelhança mais pronunciada com o fascismo, uma combinação de expansão econômica e repressão”[22]. Assim, a brasilidade excludente é metamorfoseada em modernização excludente[23]. Como diz Florestan Fernandes, trata-se da implementação do projeto permanente da burguesia: a consolidação do modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. Uma contrarrevolução autodefensiva e preventiva – autodefesa/autoafirmação/autoprivilegiamento. A burguesia brasileira é historicamente regressiva, oligárquica, patriarcal, escravocrata e autocrática.
        O programa da contrarrevolução preventiva garantida pela ditadura militar soa assustadoramente familiar. Sua atualidade é gritante:
- perenização da dominação burguesa nua e crua, sem mediação;
- consolidação de nova forma de submissão e alinhamento com o imperialismo, sobretudo o americano;
- aceleração e aprofundamento da acumulação capitalista;
- maior vinculação com o capitalismo financeiro internacional;
- militarização do Estado e da sociedade;
- repressão feroz aos inimigos internos: as/os trabalhadoras/os, as massas populares e as/os opositoras/os – armadas/os ou não;
- montagem de gigantesco, tentacular e ubíquo aparato repressivo com a função precípua de monitorar, reprimir, prender, torturar, matar e fazer desaparecer os corpos dos inimigos internos;
- erradicação do perigo vermelho/combate cerrado ao comunismo internacional, defesa dos pilares da civilização cristã – aí cabem todos os fundamentalismos.
        Para garantir esta modernização conservadora do capitalismo, o Estado de Segurança Nacional implantado com o golpe de 1964 procede ao arremate do processo de longa duração de consolidação no Brasil da nacionalidade sem cidadania. Seu paradigma é o terrorismo de Estado: urgia destruir todas as conquistas da lutas das/os trabalhadoras/es desde os anos 1900. O arcabouço ideológico do Estado de Segurança Nacional (ESN) é a Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Esta se baseia no desmonte metódico do espaço público e veio para atualizar a disposição totalitária que já apontamos. A DSN não se limita à Lei de Segurança Nacional, que é apenas um de seus instrumentos jurídicos, como os atos institucionais, os decretos-leis, os decretos secretos. Trata-se de projeto geral para a sociedade. Compreende todos os aspectos da vida coletiva e todas as decisões políticas do país.  Seus princípios, sintetizados por Golbery do Couto e Silva, principal ideólogo da ditadura militar, são os seguintes: o Ocidente como ideal; a ciência como instrumento de ação; o cristianismo como paradigma ético. A partir do combate ao comunismo internacional, adota-se o conceito de “guerra de subversão interna” e a noção de “fronteiras ideológicas” em oposição a “fronteiras territoriais”. É, assim, estatuída a categoria de “inimigos internos” cuja contenção e eliminação se tornam a razão de ser do Estado de Segurança Nacional
        A Doutrina de Segurança Nacional sofreu influência direta das Forças Armadas dos Estados Unidos no contexto da guerra fria. Sua elaboração e difusão são de responsabilidade da Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949. Esta, a partir de 1964, passa a ser o grande celeiro de quadros para a ditadura.  Em 1951 foi criada a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), órgão de vinculação permanente dos ex-estagiários da ESG, os quais funcionam como multiplicadores. Uma de suas características fundamentais é a organicidade entre empresários e militares (vide IPES e IBAD). São produtos da ESG o Serviço Nacional de Informações (SNI), um curso de informações (1965-1972) e boa parte da legislação da ditadura [24].
        A definição da nação como sujeito da história é um dos principais traços totalitários res-significados pela Doutrina de Segurança Nacional.  A nação, universal abstrato representado pela “Revolução vitoriosa”, é sujeito exclusivo e sujeito absoluto.  Esta representação opera um sistema de inversões político-ideológicas, como analisa Marilena Chauí, que se manifesta na ênfase dada à noção de legalidade e legitimidade, levando à sua profunda subversão e à institucionalização da tortura, a qual se torna a mais genuína representação do Estado de Segurança Nacional. O terror é a pedra de toque da Doutrina de Segurança Nacional, que consolida de vez o conceito de inimigos internos – todas e todos que fazem algum tipo de oposição ao regime - e a necessidade de sua eliminação. Toda a população é colocada sob suspeição.
        Para eliminar os inimigos internos é montado um aparelho repressivo estruturado em três grandes sistemas[25]: o SISNI (Sistema Nacional de Informações), o SISSEGIN (Sistema de Segurança Interna) e a CGI (Comissão Geral de Investigações).  O SISNI, instituído em 1970, é integrado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI, criado em maio de 1964), pelos Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios Civis, Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios Militares, Subsistema de Informações Estratégicas Militares (SUSIEM) e por outros órgãos setoriais.  O papel do SNI, seu órgão central, é a produção e coordenação das atividades de informações em todo o território nacional e no exterior, sobretudo nos países do Cone Sul da América Latina, o que configura a montagem de uma internacional da repressão, com destaque para a Operação Condor e para a forte presença oficial dos EUA.  O SNI é protegido por legislação especial contra todo e qualquer controle externo.  Seu chefe tem status de ministro e faz assessoria direta ao presidente (?) da república. O SISSEGIN é o sistema repressor por excelência, instituído por diretrizes sigilosas (decretos secretos) do Conselho de Segurança Nacional aprovadas pelo presidente (?) da República. Articula organicamente a Polícia Federal, os DOPS estaduais, os centros de informação de cada uma das três armas – Cie (Exército), Cenimar (Marinha) e Cisa (Aeronáutica) – e o Estado Maior das Forças Armadas (EMFA).  É estabelecida também relação sistemática com grupos paramilitares e parapoliciais clandestinos e semiclandestinos, especialmente o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o Movimento Anticomunista (MAC) e o Esquadrão da Morte.  A criação da Operação Bandeirante (OBAN) em 1969, em São Paulo, pelo governo Abreu Sodré associado a grandes grupos empresariais, serviu de referência para a implantação dos Destacamentos de Operações e Informações e Centros de Operações e Defesa Interna (DOI-CODIs), em janeiro de 1970.  Estes comandos são centralizados no Exército e englobam as outras duas armas.  Além disso, o Decreto-lei 667 de 2 de julho de1969 regulamenta  as polícias militares de todo o país, submetendo-as diretamente ao Estado Maior do Exército através da Inspetoria Geral da Polícia Militar, transformando-as, assim,  em apêndices dos  CODIs.  A policia civil já havia feito o giro  para a repressão política.  Está dada, assim, a configuração definitiva do aparelho repressivo da ditadura militar, cuja estrutura básica até hoje continua montada. O Sistema CGI foi concebido como tentativa de realização do discurso pretensamente legitimador dos golpistas, que vinculava subversão, comunismo e corrupção.  Foi criado em dezembro de 1968, logo depois do AI-5, no âmbito do Ministério da Justiça; foi extinto no final do governo Geisel (1978).
        Esta “estrutura policial-burocrático-totalitária”[26]  formalizou a convivência dos trâmites jurídicos e burocráticos com os porões da ditadura: “à confissão na cadeira do dragão[27]  sucedia ou o inquérito policial ou o ritual processual da justiça militar que formaliza as acusações obtidas ilegalmente” [28]. Chegamos, assim, aos elementos essenciais da ditadura militar, compreendidos no binômio violência e terror acondicionado no invólucro do simulacro de legalidade (Irene Cardoso). É esta a tradução do slogan oficial ‘Desenvolvimento e Segurança’, título da revista da ADESG e lema do governo Médici (1969-1974)[29]. O Estado de Segurança Nacional institucionaliza a tortura adotando-a como método de governo/política de Estado e tornando-a a instituição central da ditadura militar.
        O Projeto ”Brasil: Nunca Mais” (BNM) reproduz a totalidade dos processos contra presos políticos na instância do Superior Tribunal Militar (1964-1978) com os depoimentos das 1 843 pessoas (2 847 páginas) que fizeram em juízo a denúncia das violências que sofreram. Em três volumes (Tomo V, v. 1, 2 e 3 As torturas) são descritas as torturas sofridas por estas pessoas e listados cerca de 260 tipos de tortura e 246 centros de tortura ativos durante a ditadura.  O BNM chega à seguinte conclusão:
        ... a leitura dos relatos das vítimas serve como refutação dos argumentos geralmente usados no sentido de fazer crer que as violências nos organismos de repressão policial-política eram excessos de uns poucos. Na verdade os relatos trazem consigo a convicção inabalável que a aplicação da tortura havia sido deliberadamente determinada e adotada, fazendo parte essencial do aparelho de repressão montado pelo Regime Militar. Decorre dos testemunhos a certeza de que o uso da tortura contra opositores políticos é parte integrante dos regimes calcados na Doutrina de Segurança Nacional.
        Quanto a isto, o manual confidencial de interrogatório do Centro de Informações do Exército (Cie), produzido em 1971 sob a responsabilidade do gabinete central Ministério do Exército, não deixa margem para dúvidas.  Nele pode-se ler o seguinte:
        Uma agência de contrainformação não é um Tribunal da Justiça.  Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques.  Disso se conclui que o objetivo  de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a Justiça Criminal processá-los;  seu objetivo é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário, frequentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência.  É assaz importante que isto seja muito bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do direito[30].
        Os atos institucionais constituem a representação mais evidente da radical distorção da noção de legalidade imposta pela ditadura. São eles figuras jurídicas anômalas de competência exclusiva do presidente (?) da república, que passam a representar a nova constitucionalidade do Estado.  São em número de dezessete, tendo sido editados de abril /1964 a outubro/1969.  O AI – 1(9 de abril de 1964)  e o AI-2 (27 de outubro de 1965), depois incorporados à Constituição de 1967,  instituem o Estado de Segurança Nacional e institucionalizam a figura do inimigo interno  da  Doutrina  de Segurança Nacional.   O AI – 5 (13 de dezembro de 1968) é o mais discricionário deles outorgando ao presidente (?) da república poder absoluto sobre a Federação e sobre os outros dois poderes, extinguindo sumariamente direitos civis e políticos, inclusive o habeas corpus para crimes políticos.  Institui o terrorismo de Estado, garante a impunidade deste e de seus agentes, sendo o único a não ter prazo para acabar.   Foi extinto em dezembro/1978, mas boa parte de seus dispositivos foram incorporados, sob a forma de salvaguardas políticas, à constituição e à nova Lei de Segurança Nacional (Lei 6 620, de 17 de dezembro de 1978). Segundo Irene Cardoso, esta preocupação com a legalidade e a legitimidade “incorpora um traço dos regimes totalitários: (...) uma aparência de normalidade deve ser mantida para que a sua eficácia se realize. Tudo deve aparecer como verossímil, mesmo que a verossimilhança seja construída a partir de um simulacro”.
        Trata-se de uma ditadura que não se assume enquanto tal. Isto fica evidente, como aponta Carlos fico, no caráter apócrifo de sua propaganda, constituída por peças não assinadas, atribuídas ao conjunto da sociedade. Os inimigos e o público-alvo não são nomeados. O esquema é ancorado na combinação da mística do Brasil grande com a mística do amor, da esperança, do otimismo, da ausência de conflitos e da conciliação - isto tudo numa conjuntura de repressão sangrenta e rigorosa censura. Segundo Fico, essa propaganda se apropria de vasto  material histórico de longa duração constituído sobretudo pelas matrizes ideológicas do Estado Novo: exuberância natural, democracia racial, congraçamento social, integração nacional, passado incruento, alegria  e festividade do povo brasileiro.  A Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), criada pelo Decreto 62 119, de 15 de janeiro de 1968, coordena esta operação de construção de uma “teoria de Brasil” baseada na autolegitimação e no auto-reconhecimento[31]. 
         A busca compulsiva de legitimação a partir de pretensa legalidade e de êxitos no campo econômico produz efeitos deletérios: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada intelligentsia vão dar conta de fazê-lo.  Daí o caos terminológico promovido pela hegemônica teoria do autoritarismo, de que falava Florestan Fernandes: nele têm vida longa termos como regime autoritário, regime militar, movimento militar, movimento cívico-militar, regime burocrático-militar, regime burocrático-autoritário. A palavra ditadura é cuidadosamente evitada, ou só empregada, mesmo hoje, com alguma parcimônia.
         Repressão generalizada, tortura institucionalizada, prisões clandestinas, assassinatos e desaparecimentos políticos, censura em todos os níveis, aniquilamento dos canais de expressão e manifestação, militarização da guerra contra a subversão - uma parte do mundo comum simplesmente vai se perder neste quadro. Implementa-se a demolição dos espaços e instâncias tradicionais de  militância política e sociabilização[32]:  liquidação dos sindicatos e dos movimentos de trabalhadoras/es rurais e urbanas/es;  dissolução dos partidos políticos  e das agremiações culturais;  proscrição das entidades estudantis;  descaracterização do legislativo, militarização do judiciário – e desqualificação de ambos -  paralelas à hipertrofia do executivo;  controle draconiano de fábricas, escolas e universidades;  interdição das manifestações de rua; tentativa de aniquilação  das oposições de esquerda, armadas ou não. O consequente enclausuramento dos indivíduos na esfera privada alimenta uma cultura da desconfiança e do medo.
         Esta política de desertificação social começa a mostrar sinais de esgotamento - mas ainda com boa reserva de fôlego - a partir de meados da década de 1970, sob a égide dos dois últimos generais- ditadores, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Batista Figueiredo (1979-1985).  A insatisfação da sociedade, demonstrada de forma inequívoca pela vitória plebiscitária da oposição consentida nas eleições de 1974, pode ser atribuída às seguintes motivações[33]:
- deslegitimação da repressão aos olhos das classes médias - cujos filhos perdem a imunidade e se tornam alvos do aparelho repressivo sobretudo a partir de 1968 - reforçada pela configuração de situação de ausência de inimigos plausíveis com a dizimação  da guerrilha e  da oposição não-institucional, armada ou não;
- multiplicação no país e no exterior de denúncias dos crimes da ditadura militar (a situação dos presos políticos, exilados e banidos; a questão da tortura, dos assassinatos e desaparecimentos) e consequente aumento da pressão nacional e internacional no sentido da apuração e punição dos responsáveis[34];
- publicização de escândalos no primeiro escalão, envolvendo diretamente o próprio  ditador Geisel (caso Lutfalla);
- desmistificação do chamado milagre brasileiro com a agudização de sua essência real: inflação galopante, recessão, opressão econômica, arrocho salarial, crescimento exponencial da dívida externa, aumento brutal dos níveis de miserabilidade.
A conjuntura que se abre, então, é marcada pelo despertar dos setores médios[35] - como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – além da insurgência da ala progressista da hierarquia da Igreja Católica, que tem representação significativa na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nesta fase ainda não há mobilizações de massa, à exceção do movimento estudantil que reinicia as greves a partir de 1975 e começa a romper os limites dos campi universitários.  Neste ano é desencadeada também a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita com o lançamento do Manifesto da Mulher Brasileira pelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), organizado primeiro em São Paulo sob o comando de D. Terezinha Zerbini. Foram constituídos núcleos em Minas Gerais (presidido por D. Helena Greco), Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Sergipe, Ceará, Paraíba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Cabe, às mulheres, portanto, o pioneirismo na luta pela anistia; mais uma vez são elas que jogam o papel de vanguarda na história. O MFPA acumula forças e abre espaço para a constituição dos Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs).  Num primeiro momento, são as mães, irmãs, companheiras e filhas dos atingidos que se aglutinam em torno de um objetivo comum – a busca dos familiares desaparecidos ou a defesa dos familiares presos.  Em seguida a luta pela Anistia vai se ampliar, politizar e envolver os mais diversos setores da sociedade em combate aberto à ditadura atingindo-a no seu âmago: a Doutrina de Segurança Nacional. É importantíssimo o protagonismo das/os presas/as políticas/os e das/os exiladas/os e banidas/os que levaram a luta para os países que as/os acolheram.
Uma nova conjuntura se abre em 1977-1978, agora com a retomada das manifestações de massa.  É o tempo das grandes greves dos metalúrgicos do ABCD paulista, que contagiam outras categorias (professores, construção civil, médicos, funcionários públicos, bancários, petroleiros, carreteiros).  A mobilização estudantil se faz definitivamente extramuros, em torno da recriação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e das Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) – as entidades de base (Centros de Estudo, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais de Estudantes) foram reconstruídas ainda durante os chamados anos de chumbo, na primeira metade da década de 1970.   Rearticula-se o movimento popular em torno da luta contra a carestia.  As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as comissões pastorais populares potencializam o peso político da Igreja Católica. É neste contexto que a luta pela Anistia ganha as ruas, a partir das mobilizações impulsionadas pela criação dos Comitês Brasileiros de Anistia (1978) Brasil adentro e afora.
        A repressão é levada a mudar de tática para assegurar a perpetuaç voltando a utilizar as instalações oficiais do aparelho de Estado e incrementando a sua articulação com grupos parapoliciais e paramilitares. No período imediatamente anterior, quando foi criada a figura dos desaparecidos políticos, eram usadas prioritariamente instalações clandestinas, “devidamente equipadas e adaptadas para toda sorte de torturas”[36] onde os presos políticos eram mantidos e interrogados depois de terem sido sequestrados.  Existiam dezenas em funcionamento no Brasil, sobretudo entre 1969 e 1975.  Com a extinção definitiva da esquerda armada, os órgãos repressivos se voltam mais uma vez para o reformista Partido Comunista Brasileiro (PCB); para o que sobrou do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) depois do massacre contra a guerrilha do Araguaia (1972-1974), onde foram assassinados 69 guerrilheiros; e daí para organizações menores (1977) como o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP).  O giro é dado, sobretudo, em direção às lutas das/os trabalhadoras/es e dos movimentos sociais.   Entidades legais, órgãos da chamada imprensa alternativa e até as bancas de revistas que os vendiam tornam-se objeto prioritário do aparelho repressivo e das organizações terroristas intimamente vinculadas a ele, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o Movimento Anti Comunista (MAC), o Grupo Anti Comunista (GAC), o Comando Delta, a Falange Pátria Nova, a Aliança Anticomunista Brasileira  et caterva[37]De 1977 a 1981, ocorrem cerca de 100  atentados em todo o país, contemplados com a mais completa impunidade: não houve apuração das responsabilidades ou qualquer tipo de punição,  poucos foram os inquéritos abertos e nenhum deles prosperou.  Belo Horizonte foi palco de trinta e seis atentados, mais de 1/3 do número total estimado - o movimento pela anistia foi alvo de meia dúzia deles[38] e de intimidações diversas (bilhetes, cartas, divulgação de documentos apócrifos, telefonemas obscenos, ameaças, violações de correspondência, provocações de todos os gêneros). Os episódios da OAB-RJ (27/agosto/1980) e do Riocentro (30/abril/1981) têm maior repercussão porque, no primeiro caso, a secretária que recebeu a carta-bomba, D. Lida Monteiro da Silva, morreu em consequência da explosão. No caso Riocentro revela-se o comprometimento do Exército e do aparelho de Estado com este tipo de prática. O flagrante foi toscamente descaracterizado. A bomba explodiu literalmente no colo dos terroristas que a levavam, dois militares do DOI-CODI/RJ, matando um e mutilando o outro.  O inquérito foi aberto, mas sumariamente esvaziado e concluído. 
Assim, o terrorismo de Estado continua ativo: além de Vladimir Herzog (25/outubro/1975), Manoel Fiel Filho (17/janeiro/1976) e dos três dirigentes do PCdoB executados na Chacina da Lapa (16/ dezembro/1976), doze militantes foram mortos pela repressão entre 1975 e 1980 e houve nove desaparecimentos políticos ( incluindo dois argentinos). Entre os mortos, estão três metalúrgicos (Benedito Gonçalves, Guido Leão e Santo Dias da Silva), um operário da construção civil (Orocílio Martins Gonçalves) por participarem de mobilizações grevistas e quatro líderes sindicais rurais em áreas de conflito de terra (Raimundo Ferreira Lima e Wilson de Souza Pinheiro e Margarida Maria Alves, esta morta em 1983). Destaca-se ainda o caso pouco conhecido de Pedro Jerônimo de Souza, também militante do Partido Comunista Brasileiro, morto no DOI-CODI de Fortaleza um mês antes de Herzog (17/setembro /1975), em circunstâncias similares: suicídio por enforcamento com a própria toalha de rosto[39]. E mais: no final de 1978, os uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias foram sequestrados em Porto Alegre por policiais brasileiros em operação conjunta com a repressão uruguaia.  A denúncia deste caso constitui uma das principais campanhas dos CBAs.
O governo Geisel vai enfrentar as duas conjunturas apontadas – o despertar das classes médias (1974-77) e a retomada do movimento operário e popular (1977-78) - com a combinação de quatro tipos de procedimento:
- ofensiva no sentido de regulação do aparelho repressivo, na tentativa de garantir sua previsibilidade e refrear a tendência à autonomização – as medidas concretas se limitam à divisão da sua competência com o poder judiciário e a Procuradoria Geral da República; o objetivo não é a desativação, mas o controle. O aparelho repressivo, sobretudo a comunidade de informações, é incrementado neste período[40];   
- contenção de toda e qualquer veleidade de radicalização da oposição institucional, o que é demonstrado pela onda de cassações em 1977-78, verdadeira operação de saneamento do legislativo com expurgo da chamada oposição autêntica;
- todo rigor em relação à oposição não institucional – o movimento estudantil e o movimento das/os trabalhadoras/es são os mais atingidos: a tentativa de realização do III Encontro Nacional de Estudantes em Belo Horizonte (junho/1977) e a sua realização clandestina na PUC/SP em 1978 são ferozmente reprimidas;  o dec.-lei 1632, de 1978, se superpõe à Lei de Segurança Nacional proibindo as greves nos setores essenciais, incluindo aí os bancários;
- ofensiva de cooptação de setores da sociedade civil, aqueles considerados domesticáveis e formadores de opinião como OAB, ABI, CNBB, SBPC.
A ditadura procura se normalizar com o projeto de consolidação do regime cujo núcleo é o assim chamado generoso consenso proposto pelo general Geisel. Ele preconiza a abertura lenta, gradual e segura; a construção de “um consenso básico e de salvaguardas eficazes para a institucionalização acabada dos princípios da Revolução de 64 e a implantação definitiva de nossa doutrina revolucionária” [41].  Trata-se, portanto, de esquema de negociação interna – entre os blocos que participam do poder - cuja contrapartida é o reforço da criminalização daqueles que estão de fora, da interdição do dissenso, da exclusão  das oposições não consentidas ou não domesticáveis.
        A centralidade deste projeto é a garantia de governabilidade, entendida naquele momento como necessidade de substituir a violência explícita pela coerção legalizada sem abrir mão do “potencial de ação repressiva” acumulado, o que se daria através de medidas a serem incorporadas à constituição.  O controle total das manifestações políticas com o seu emparedamento nos estreitos limites do parlamento e das agremiações partidárias e o “minucioso estabelecimento de garantias para o exercício cotidiano do poder”[42] constituem as principais preocupações. Avança o processo de normalização defeituosa (Irene Cardoso), marcado por um projeto de abertura política gerado em contexto de encolhimento severo do espaço público e concebido para impedir a reconstituição e reocupação do mesmo[43].
        O ditador Geisel menciona também certa “imaginação política criadora” a qual certamente está na base do Pacote de Abril de 1977.  Este impõe o fechamento do Congresso nacional por 15 dias (1 a 15/4) para a outorga de um conjunto de emendas constitucionais e decretos-leis como a Emenda Constitucional  7, que determina a reforma do Judiciário; e a Emenda Constitucional 8 (14/4/1977), que introduz a eleição indireta para governadores ( antes esta era estabelecida por legislação ordinária, agora é incorporada à constituição), amplia para seis anos o mandato presidencial, muda o número de deputados federais para dificultar o desempenho da oposição, cria a figura do senador biônico,  eleito indiretamente para consolidar a maioria no parlamento e no colégio eleitoral e evitar vetos a iniciativas do executivo. O efeito principal destas iniciativas é a garantia de fluidez na tramitação dos decretos-leis e das emendas constitucionais, o que permitiria ao governo prescindir da edição de novos atos institucionais.
        No mês de novembro/1978 abre-se a temporada de implementação das tais salvaguardas eficazes, que tem seus melhores momentos na incorporação à constituição do estado de sítio e das medidas de emergência e na nova Lei de Segurança Nacional (Lei 6620, aprovada por decurso de prazo a 27 de novembro e promulgada a 17 de dezembro de 1978). Segundo Sandra Starling, trata-se de tentativa de jurisdicização deste dispositivo, que emerge dos porões da ditadura para se alçar às altas cortes[44].  A Nova Lei de Segurança Nacional implementa na prática  a institucionalização do AI-5 caracterizada nas seguintes determinações: atribuição de poderes quase ilimitados ao ministro da Justiça, cabendo a ele a censura, proibição e apreensão de todo e qualquer material considerado nocivo à segurança nacional – está institucionalizada a censura prévia (art. 50); abrandamento das penas máximas paralelo ao agravamento das penas mínimas para garantir maior eficácia das punições; tipificação de elenco maior de crimes como aqueles “contra a organização do trabalho” e os “delitos de imprensa” (art. 14) e  da  responsabilização criminal de jovens de 16 anos  (art.4); institucionalização da incomunicabilidade e das prisões clandestinas na figura da “comunicação reservada ao juiz” (art. 53);  criminalização de qualquer tipo de vinculação com entidades estrangeiras que “exerçam atividades prejudiciais à segurança nacional “(art,12); proibição de “divulgar por qualquer meio de comunicação social notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas” (art. 14). 
        Endereço certo destes dois últimos artigos: a imprensa – sobretudo a imprensa alternativa - e os movimentos que denunciam as graves violações dos direitos humanos – um dos mais representativos deles era o movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A nova Lei de Segurança Nacional levanta clamores de indignação em todos os setores de oposição - instituídos ou instituintes, liberais ou de esquerda. Ela vai, apesar disso, cumprir à risca o destino de sustentar institucionalmente o propalado gradual mas seguro aperfeiçoamento democrático em andamento. É arrematado, assim, o esquema que proporciona ao general Geisel dispositivos legais, burocráticos e militares de tal ordem, que ele passa a se qualificar como aquele que acumulou a maior concentração de poderes entre todos os ditadores do regim militar[45]. O AI - 5 vai ser abolido logo depois, no final de dezembro de 1978.  Afinal de contas, com as salvaguardas eficazes agora incorporadas à constitucionalidade do Estado, já não é necessário um dispositivo excepcional, portanto forçosamente transitório: estão dadas a constitucionalização da exceção e a internalização da repressão e da truculência na cultura política nacional[46].  Grande campeão da centralização política, Geisel prepara cuidadosamente e garante o controle de sua própria sucessão:  em março de 1979, o general João Batista Figueiredo, ministro-chefe do SNI,  assume a presidência da República para mandato de seis anos, imbuído da missão de levar em frente o projeto político urdido sob a chancela da normalização defeituosa.
        Continuarão intocados o modelo econômico – a modernização excludente cuja consolidação é tributária exatamente do AI-5 - e, sobretudo, a essência mesma do regime -  a Doutrina de Segurança Nacional e seus corolários imediatos, a estrutura do aparelho repressivo e a tortura institucionalizada. O principal ideólogo da Doutrina de Segurança Nacional, Golbery do Couto e Silva, é também o principal articulador do projeto de distensão política e, a seguir, do projeto de anistia parcial do governo. Tudo isto foi engendrado, portanto, nas entranhas mesmo do regime, como diz Eliezer Rizzo Oliveira [47]. E é o próprio Geisel quem defende, sem meias palavras, em entrevista concedida a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro: “Acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para obter confissões... Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior”[48]
Estas questões levam à desmistificação da indefectível tipologia convencional, aquela que estabelece oposição mecânica entre dois blocos conflitantes - militares duros X militares moderados. Trata-se, ao contrário, de permanente processo de acomodação entre setores que, com certeza, têm suas nuances, mas não divergem em questões de fundo: não há questionamento de coisa alguma que se refere ao arcabouço ideológico traduzido, como vimos, no binômio desenvolvimento e segurança, ou aos elementos que constituem o terror, muito menos em relação ao modelo econômico do regime.  
É em tom de perplexidade que Maria Celina D’Araújo corrobora esta avaliação ao analisar a documentação do acervo pessoal de Geisel doado, em 1998, ao Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas:
Tendo em vista este histórico de politização, era de se esperar que, durante o governo Geisel, a pasta da Justiça se convertesse em espaço especialmente relevante para o processo de abertura, sendo tal governo o que mais se destacou pelo esforço de ‘transição’ do regime autoritário para um de ‘normalidade institucional’ para usar o arcabouço conceitual do próprio Geisel em suas memórias.  No entanto quando se examinam os documentos relativos ao Ministério da Justiça que integram o arquivo do ex-presidente, a impressão que fica é bem diferente.  Segundo estes registros, as medidas de endurecimento do regime teriam prevalecido sobre aquelas que preconizavam a democratização. (...) Conhecido pela liderança do processo de abertura política, a imagem do governo Geisel que sai desses papéis é a que enfatiza o controle político, a repressão à esquerda e à oposição, e a censura à imprensa.  O ministério ali retratado situa-se mais como espaço de ação da ‘linha dura’ do que como a esfera que comandou a mudança.  Dito de outra forma, espelha mais o lado duro da ação do governo, pois efetivamente o governo Geisel usou os poderes excepcionais da ditadura, fechou o Congresso, cassou mandatos e comandou operações violentas contra os comunistas[49].
É nesta conjuntura que os movimentos sociais retomam a ofensiva política atropelando o projeto de normalização da ditadura, sabotando e subvertendo a lógica do generoso consenso e escancarando os limites impostos. O espaço urbano é reocupado e a Cidade é resgatada enquanto locus de exercício da cidadania.  Greves operárias, rearticulação do movimento popular, ascenso do  movimento estudantil: tudo isto reforça e aumenta a visibilidade da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. É exatamente na negação resoluta do projeto de institucionalização da ditadura militar que os Comitês Brasileiros pela Anistia vão operar.  
3) Reatualização da discussão: as marcas deixadas pelos 21 longos anos de ditadura
        A longa transição política sem desfecho – iniciada quando o último general deixou o poder (1985) – incorporou a cultura repressiva de longa duração levada ao paroxismo pela ditadura militar. Donde incorporou a Doutrina de Segurança Nacional. Não se trata de entulho, mas de elemento essencial constitutivo do Estado democrático de direito instituído pela Constituição de 1988. Muitos chamaram e chamam esta longa transição de redemocratização. Nós preferimos chamá-la de normalização da exceção brasileira (como Paulo Arantes e Tales Ab’Sáber); ou  de normalização defeituosa  (como Irene Cardoso). 
        As ditaduras são intrinsecamente transitórias, têm prazo de validade por mais longas e sangrentas que sejam como foi o caso do Brasil. O Estado de direito é a melhor cobertura para a consolidação e o aprofundamento da exploração, da opressão e da espoliação capitalistas. Como denuncia Paulo Arantes, este Estado de direito configura-se em Estado oligárquico de direito com destaque para as afinidades históricas entre capitalismo e exceção, entre Estado e crime organizado/corrupção. Ele garante a legitimação, a resiliência, a sustentabilidade e a governabilidade da dominação burguesa – a possibilidade de sua perenização. Consolida-se o modelo autocrático-burguês de transformação capitalista de que falava Florestan Fernandes, projeto que saiu vitorioso da ditadura militar. O Estado democrático de direito dá plena sustentação técnica e política ao totalitarismo de mercado. É este o papel do judiciário. Daí o reacionarismo intransponível do judiciário como um todo e da magistratura em particular. O judiciário respaldou o impeachment, ungiu o governo Temer e consagrou a inimputabilidade dos torturadores e assassinos de presos políticos (indeferimento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal, em 29 de abril de 2010). São proverbiais a sua subserviência perante o poder e o seu papel ex oficio de mantenedor das relações de dominação e opressão. É esta a lógica do judiciário no Brasil: histeria punitiva para pobres e negras/os; criminalização dos movimentos sociais, da diversidade e das lutas das/os trabalhadoras/os; total impunidade para os perpetradores de graves violações de direitos humanos e de crimes contra a humanidade – o Estado, seus asseclas e seus agentes.
        Estamos em 2018 - ano do cinquentenário do AI-5, dos 33 anos de transição controlada e dos 39 anos da lei de anistia parcial. Permanece sem equacionamento todo o contencioso da ditadura militar. Permanece a reciclagem nefasta da Doutrina de Segurança Nacional. A destruição continuada do espaço público continua a ser praticada. A tortura e o extermínio se mantêm como sólidas instituições. O aparato repressivo continua operante. Os arquivos da repressão continuam fechados. Prospera a estratégia do esquecimento e de controle da memória pelo Estado. A questão dos mortos e desaparecidos está longe de ser solucionada. O Estado democrático de direito produz aos borbotões novos mortos e desaparecidos – no atacado e no varejo. São incrementados os instrumentos de violência acumulados durante a ditadura militar. Os inimigos a serem abatidos são os mesmos indesejáveis, as mesmas classes perigosas e torturáveis de sempre.
        O Estado Democrático de Direito é racista, genocida, misógino e tem horror à diversidade. Leva ao paroxismo a sua condição de Estado Penal: tem um dos maiores índices de desigualdade social e concentração de renda do mundo, faz guerra generalizada contra os pobres; pratica genocídio institucionalizado contra o Povo Negro e os Povos Indígenas; exerce política de encarceramento em massa (3ª população carcerária do planeta; 5ª população carcerária feminina); potencializa cada vez mais seu arsenal repressivo policial- militar-jurídico- legislativo; tem a polícia que mais mata entre todas as polícias do planeta.  Seu paradigma é a doutrina da pacificação total (Eduardo Tomazine). As UPPs, a naturalização das ocupações dos morros e favelas pelas polícias e forças armadas, a escabrosa intervenção militar no Rio de Janeiro constituem dispositivos totalitários. O infame projeto do SUSP/ Sistema Único de Segurança Pública e o desmonte das conquistas das/os trabalhadoras/os da cidade e do campo, dos movimentos feministas, das comunidades LGBTs, da luta antimanicomial evidenciam verdadeira situação de barbárie: política de extermínio/terrorismo de Estado, política de higienização e eugenia, política de apartheid social e segregação, aprofundamento do processo de fascistização e militarização do Estado. O obscurantismo político e cultural é reforçadp por  projetos escabrosos como a Escola sem Partidos/Lei da Mordaça e a draconiana reforma do ensino médio – leia-se precarização/ terceirização/privatização/mercantilização devastadoras da educação - imposta por medida provisória.  Tudo isto tem levado a níveis insuportáveis o rebaixamento das relações de convivência e o aviltamento do senso comum.
        Ainda bem que na história nada vem para ficar. Neste ano há o sinistro cinquentenário do AI-5. Mas nós comemoramos o aniversário de 50 anos de maio de 1968, da Passeata dos 100 mil, das greves de Contagem e Osasco. Comemoramos o aniversário de 170 anos da primavera dos povos - as revoluções de 1848 - e os cinco anos das nossas belas jornadas de junho de 2013. Saudamos estas lutas e aqueles que nelas tombaram: Edson Luiz de Lima Souto (Rio de Janeiro, 28 março 1968), Douglas Henrique de Oliveira Souza, Luiz Felipe Aniceto de Almeida, Luis Estrela e Lucas Daniel Alcântara Lima (Belo Horizonte e grande BH, jornadas de junho 2013). Saudamos Amarildo Souza (Rio de Janeiro,13 julho 2013/ Operação Paz Armada da UPP da Rocinha) e os 15 moradores executados pela PM no Bairro Nova Holanda no Complexo da Maré (Rio de Janeiro,24 de junho 2013). Nossas homenagens aos camponeses massacrados pelo latifúndio na chacina de Pau D’Arco (24 de maio 2018). Um viva para Marielle Franco e Anderson Silva (14 de março 2018) e para Marcos Vinicius da Silva, o colegial de 14 anos executado por operação conjunta Polícia Civil/ Exército, também da Maré (20 de junho 2018). Liberdade para Rafael Braga!  A lista seria interminável: a polícia que mais mata no mundo, repetimos, prende e mata pobre todo dia.
        Procuramos ao longo desta exposição reforçar a desconstrução de certas falácias em torno da ideia de que os anos 1960/1970 pertencem a um passado remoto, que o golpe militar é coisa do passado: afinal já se passaram 54 anos. Esta noção não se sustenta nem do ponto de vista cronológico, nem do ponto de vista político: estamos falando do tempo histórico, que é feito de continuidades/permanências e rupturas/transformações. Temos visto que as continuidades têm sobrepujado as rupturas nesta matéria.  
        É por estas e por outras que nunca é demais repetir que devemos fazer o exercício permanente de reflexão, da perplexidade e da indignação para que possamos desnaturalizar e transformar esta realidade. Devemos nos manter no campo da radicalidade e da resistência na luta pelos direitos humanos, que entendemos como combate ao terrorismo de Estado e do capital. Atendamos, portanto ao chamado de Franz Fanon que nos convoca à insurgência, ao dissenso, à ruptura, à negação intransigente da situação de barbárie que nos oprime.
Belo Horizonte, junho/agosto de 2018
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania


[2] SAMET, Henrique.  “A construção da brasilidade excludente”.  In: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA.   DOPS, a lógica da desconfiança. 1993, p. 46-55.  Estou me apropriando do conceito de brasilidade excludente, colocando-o na centralidade deste capítulo, que será calcado neste texto de Samet.
[3] PRADO JUNIOR, Caio.  Formação do Brasil contemporâneo.  São Paulo: Brasiliense, 1976, p.9.
[4] D’INCAO, Maria Ângela.  “Estrutura e desigualdade”. In: D’INCAO, Maria Ângela (org.).  História e ideal. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.327.
[5] CARVALHO, J.M., op. cit., p.448. Há boa síntese do papel do IHGB em: SCHWARCZ, Lilia Moritz.  O espetáculo das raças Cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., p.101-140 (“O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro); e GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos Trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional”. Estudos históricos, MCT, CNPq, FINEP, 1988/1, p. 5-27.
[6] COIMBRA, Cecília.  Operação Rio O mito das classes perigosas Um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública.  Rio de Janeiro, Editora do Autor, 2001, sobretudo cap. III “Espaços urbanos e classes perigosas”, p. 79-134.  
[7] FICO, Carlos, op. cit., cap. 1 “Otimismo e pessimismo no Brasil”, p. 28-52.  As expressões entre aspas se encontram às p. 28 e 31.
[8] VON MARTIUS, Carl F. P. “Como se deve escrever a história do Brasil?” (“O Estado do Direito entre os autóctones do Brasil”).  Ferri, Marcos Guimarães (dir.).  COLEÇÃO RECONQISTA DO BRASIL (Nova Série), v. 58.  Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda. / Editora da USP, p. 89-107.
[9] Id. ibid, p. 30.
[10] A expressão (homem cordial), de Ribeiro Couto, é empregada por Sérgio Buarque de Holanda – “em seu sentido exato e estritamente etimológico”- para designar o tipo ideal que representa a articulação entre a herança ibérica e a estrutura social brasileira, marcada pelo “culto à personalidade”, a incapacidade de abstração e a predominância de “contatos primários”.  V. HOLANDA, Sérgio Buarque.  Raízes do Brasil. São Paulo, Editora Schwarcs, 1998, cap. 5 “O homem cordial”, p. 139-152.
[11] GRECO, Heloisa.  “O ‘passado que nos cerca’ e a promessa do futuro: considerações sobre a questão da cidadania em Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda”. Fronteiras Revista de História, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, v. 5, n. 10, 2001, p.63-80.
[12] COIMBRA, Cecília, op.cit., p. 93-97.
[13] SAMET, Henrique, op. cit., p. 49.  O autor se refere explicitamente a Afrânio Peixoto, José Duarte e Jimenez de Ásua. 
[14] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista, que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de 1920. A construção da nação baseada no saneamento moral constitui a missão civilizadora da elite científica.    A autora cita Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil. José Murilo de Carvalho considera o darwinismo social como “a versão do final do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales, “o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte”.  COIMBRA, Cecília.  Op. cit., p. 88-89; CARVALHO, José Murilo.  A formação das almas, p.24-25. V. tb.: SCHWARCZ, Lilia Moritz, op. cit., p.43-66 (Cap. 2: “Uma história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[15] Carlos Fico agrupa Raymundo Nina Rodrigues, Sylvio Romero, Euclydes da Cunha e Viana Moog, entre outros, nesta tendência racista e cientificista, à medida que todos eles consideram negros, índios e mestiços como “raças inferiores”, responsáveis pelas “anomalias nacionais”.  V. FICO, Carlos, op. cit., p.31.
[16] SAMET, Henrique, op. cit., p. 48-51.
[17] Famosa máxima de Washington Luís – que retrata tão bem o espírito do seu tempo - cujos efeitos ainda se fazem presentes na formulação das atuais “políticas de segurança pública”.
[18] DUTRA, Eliane.  O ardil totalitário: o imaginário político no Brasil dos anos 30.  Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997, p. 24-28.  Dutra também trabalha a representação do Uno, referida na nota 35, colocando-a como núcleo desta tentativa de construção de uma “ordem totalitária” no período em questão.
[19] TRINDADE, Hélgio.  “O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista”. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D’ARAÚJO, M. Celina (orgs). 21 anos de regime militar.  Rio de janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1994, p.123.
[20] Florestan.  A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p.316.- 317.Grifos do autor.
[21] OLIVEIRA, Francisco.  A economia da dependência imperfeita.  Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 122-131.
[22] Id. ibid.   p. 71.  Francisco de Oliveira polariza explicitamente com Fernando Henrique Cardoso, que analisa as “consequências revolucionárias” do golpe de 64 no plano econômico.  V. na mesma publicação: CARDOSO, Fernando Henrique.  “O regime político brasileiro”, p.83- 118.
[23] O termo é de Ermínia Maricato.  V. MARICATO, Ermíria.  Metrópole na periferia do capitalismo.  São Paulo, Hucitec, 1996.
[24] Esta síntese da Doutrina de Segurança Nacional baseia-se em: Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.  Projeto ’Brasil: Nunca Mais’. O regime militar, Tomo I p. 53-57;  COMBLIN, Joseph.  A ideologia de Segurança Nacional, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978; SILVA, Golbery do Couto e.  Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1967: e SCALERCIO, Márcio.  “A têmpera e a espada”.  In: Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v.II, n. 1, jan./dez. 1998. P. 110-111; DREYFUSS, René e DULCI, Otávio Soares.  “As Forças Armadas e a política”.  In: SORJ, Bernardo e ALMEIDA, M. Hermínia Tavares de (org.), op. cit, p. 91.
[25] Sobres a montagem do aparelho repressivo ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.   Projeto “Brasil: Nunca Mais”, op. cit, p. 70-75 e, sobretudo, FICO, Carlos.  Como eles agiam Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71, 111, 149 et passim.  V. tb:  BICUDO, Hélio.  Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte. São Paulo, Comissão de Justiça e Paz, 1976; D’ARAÚJO, M. Celina et al. (org.), op. cit.   p.14-31; e GORENDER, Jacob.  Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987, p. 215-234.
[26] GORENDER, Jacob.  Prefácio.  In: FICO, Carlos.  Como eles agiamSão Paulo: Record, 2000, p.10.
[27] A cadeira do dragão é “uma cadeira extremamente pesada, cujo assento é de zinco e tem na parte posterior proeminência por onde é introduzido um magneto da máquina de choque: a cadeira apresenta uma travessa de madeira que empurra as pernas para trás, de modo que a cada espasmo de descarga elas batam na travessa, provocando ferimentos profundos”.  Depoimento de José Milton Ferreira de Almeida, 31 anos, engenheiro, Rio de Janeiro, auto de qualificação e interrogatório, 1976.  ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”, As torturas Tomo V, Vol. 1, p. 421-430.  Neste volume há descrição minuciosa dos métodos de tortura adotados: são arroladas cerca de 285  modalidades (p.66-71) e listados 246 centros de tortura ativos durante todo o período ditatorial (p.16).
[28] SAMET, Henrique, op. cit,. P.53.
[29] V. DREIFUSS, René Armand e Dulci, Otávio Soares.  “As Forças Armadas e a política”.  In: Sorj, Bernardo e Almeida, M. Hermínia Tavares, op. cit., p.91.
[30] Gabinete do Ministro, Centro de Informações do Exército – Manual de Interrogatório, p.18 (22). Este documento foi encontrado nos arquivos do DOPS do Paraná pela professora Derley Catarina de Luca. Há uma cópia xerografada no arquivo de D. Helena Greco. É sugestiva a observação estampada em box na sua folha de rosto:  “Atenção.  Estas notas correspondem a uma tradução adaptada de documentação sigilosa de país amigo.  Em consequência e por acordo entre governos, o seu manuseio deve respeitar as prescrições do RSAS no tocante à classificação sigilosa recebida.  São proibidas as cópias”.  V. tb. a matéria: Técnica de interrogatório de Hélio Zolini no jornal Hoje em dia, 22/8/1999, p. 19. Reportagem especial ‘Manual do Exército admite tortura – O documento, de 1971, contém um detalhado roteiro com as principais técnicas de interrogatório de presos políticos’ de Sandra Carvalho, Zero hora, Porto Alegre, 3a feira, 22 de maio de 1995, p.4-5.
[31]  V. FICO, Carlos.  Reinventando o otimismo, p. 19-20 e124-129.
[32] TELLES, Vera.  “Anos 70: experiências, práticas e espaços políticos”.  In: KOVARICK, Lúcio (org.).  As lutas sociais e a cidade.  São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 254 (p. 247-283).  V. tb. CARDOSO, Irene.  “Há uma herança de 1968 no Brasil?”.  In: GARCIA, M.ª e VIEIRA, M.ª (org.), op. cit., p.135-142.
[33]  Esta análise de conjuntura é baseada sobretudo em: STARLING, Sandra.  As salvaguardas visíveis e ‘invisíveis’ do projeto de distensão (governo Geisel: 1974-1979).  1983.  Dissertação Mestrado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, mimeo.  E também nos autores: CRUZ, Sebastião C. Velasco e MARTINS, Carlos Estêvão, op. cit., p. 46-71; OLIVEIRA, Eliézer Rizzo.  “Condicionantes militares da distensão política”, p. 23-66; e ALVES, Maria Helena Moreira.  Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, sobretudo p. 203  et passim.    
[34] Além de reiteradas denúncias de organismos como a Anistia Internacional (v. relatórios anuais 76-77 e 77-78), o Tribunal Russel e a Liga pelos Direitos dos Povos, entre outros, a matéria de capa da insuspeita revista Time August 16, 1976 “‘TORTURE as state policy” (p. 9 a e b –10) coloca o Brasil como um dos grandes violadores dos direitos humanos, com destaque para a invenção brasileira tornada produto de exportação, o pau-de-arara  (“parrot’s perch”).  Diz a matéria da revista americana à p. 9:  “... last year alone there were more than 40 violating states.  From Chile, Brazil, Argentine, Uruguay and Paraguay to Guinea, Uganda, Spain, Iran and the Soviet Union, torture has become a common instrument of state policy practiced against almost anyone ruling cliques see as a threat to their power.”
[35] STARLING, Sandra, op. cit., p.56.
[36] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: nunca mais”. A tortura. Tomo V, v. 1, p. 16.
[37] V. síntese do histórico destes organismos em: MOTTA, Rodrigo Patto Sá.  Em guarda contra o ‘perigo vermelho’: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).  ( Doutorado em História Econômica) -  Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000,  mimeo, p.194-201 ( “Organizações terroristas”).
[38] Dois documentos fazem o relato minucioso e circunstanciado desses atentados: o dossiê A quem interessa o terror, elaborado por diversas entidades e personalidades que os sofreram (MFPA-MG, Em Tempo, De fato, DCE-UFMG, Dr. Geraldo Magela de Almeida, D. Helena Greco, Grupo de Padres pelos Direitos Humanos, Igreja São Francisco das Chagas),editado pela Editora Aparte de Belo Horizonte em set/1978 e publicado pelo jornal Em Tempo, 31, 2 a  8 de outubro de 1978,p. 4,  sob a manchete: “Governo nega solidariedade às vítimas do terror”.   O segundo documento é o Relatório das atividades da CPI criada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com o objetivo de apurar denúncias de omissão e desinteresse do governo na elucidação e punição dos atentados terroristas praticados contra pessoa e entidades no estado de Minas Gerais, elaborado pela oposição ( PP e PMDB) a título de Denúncia à nação,outubro/1980, mimeo.  
[39] GRUPO TORTURA NUNCA MAIS – RJ e PE, INSTITUTO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DO ESTADO e COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS. Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Pernambuco: CEPE Governo de Estado de Pernambuco, 1995, p.211-230; e MIRANDA, Nilmário e TIBÚRCIA, Carlos.  Dos filhos deste solo Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado.  São Paulo: Fundação Perseu Abramo e Boitempo, 1999, p.591-625. Voltaremos à questão dos mortos e desaparecidos no cap. 5.
[40] O ápice da expansão e fortalecimento do SNI – que passa a ser considerado como “uma quarta força armada” - se dá sob a chefia do general Otávio Medeiros, no governo Figueiredo.  ANTUNES, Priscila Carlos Brandão .  SNI & ABIN Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX.  Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 62-63.  V. tb. STARLING, Sandra, op. cit., p. 137.  E, principalmente: SOARES, Gláucio Ary Dillon, DÁRAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (orgs.). A memória militar sobre a abertura, p.11.
[41] GEISEL, Ernesto.  Discursos, v.1 1974.  Brasília: Assessoria de Imprensa e RELAÇÕES Públicas da Presidência da Republica, 1975, p.38-39.  Grifos meus.
[42] STARLING, Sandra, op. cit., p. 127.
[43] CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?”, p.139.
[44] STARLING, Sandra, op. cit., p.133.
[45] LAMOUNIER, Bolivar. “O ‘Brasil autoritário’ revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura”.  In: STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil, p. 126.
[46] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As leis repressivas, Tomo IV, p.8.  
[47] OLIVEIRA, Eliezer Rizzo, op. cit., p.32.
[48] D’ÁRAÚJO, M.Celina e CASTRO, Celso (orgs.).  Ernesto GeiselRio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 225.
[49] D’ARAÚJO, Maria Celina. “Ministério da Justiça, o lado duro da transição”. In: CASTRO, Celso e D’ARAÚJO, M. Celina (orgs). Dossiê GeiselRio de Janeiro: FGV Editora, 2002, p.22-23. V. tb.: SCARLECIO, Márcio. “A têmpera e a espada”. In: Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v.II, n. 1, jan./dez. 1998.