Ditadura em foco no Dia Internacional dos Direitos Humanos
Hoje é lembrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, e para reforçar a importância da data, o CRESS-MG entrevistou Heloísa Greco, doutora em História pela UFMG e militante pela preservação da memória daqueles que lutaram contra o Regime Militar (1964-1985).
A professora, conhecida como Bizoca, também atua no Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania (IHG), criado em homenagem a sua mãe, referência política dentro e fora do país.
Na conversa, ela fala sobre os papéis do Estado e da população em relação à defesa dos direitos humanos, avalia a efetividade da Comissão Nacional da Verdade, criada pelo Governo Federal, e explica as propostas da Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça/MG, da qual o CRESS-MG também faz parte.
1. A ditadura influenciou e deturpou a concepção de direitos humanos que, hoje, é difundida pela grande mídia. Você concorda com isso?
1. A ditadura influenciou e deturpou a concepção de direitos humanos que, hoje, é difundida pela grande mídia. Você concorda com isso?
Na verdade, não há sequer concepção de direitos humanos na mídia, pois ela normalmente é detratora desses direitos. A mídia criminaliza todas as lutas sociais, como se nós militantes estivéssemos atuando de maneira diferente ao que ela acredita ser correta. Isso acontece, na verdade, porque ela é uma ferramenta ideológica da sociedade capitalista e, como sabemos, o maior violador dos direitos humanos é, e sempre foi o Estado.
Nossa luta, portanto, é contra-hegemônica. Não lutamos para transformar algumas coisas, mas queremos mudar radicalmente todo o sistema, pois estamos certos de que o binômio “direitos humanos e capitalismo” não combina.
2. O conhecimento que os brasileiros têm sobre o regime militar não tem sido suficiente para nos motivar a ir à luta, em busca de justiça e de uma mudança societária. Somos, de fato, um povo com memória histórica curta?
De forma alguma. A falta de interesse pela historia do país não é responsabilidade da população, e sim, fruto de décadas de um processo que tem como objetivo fazer com que a população esqueça seu passado. Os 21 anos da ditadura vieram para construir uma estratégia do esquecimento que vigora até os dias atuais.
Observa-se, hoje, por exemplo, a destruição continuada do espaço público. Aqui em Belo Horizonte vemos isso a olho nu: as praças estão sendo cercadas, as manifestações estão sendo proibidas, os moradores de ocupações estão sendo tratados como criminosos etc. Essa repressão é uma forma de matar a nossa história. Tudo isso, somado a uma mídia ligada aos interesses do Estado e a uma educação pública de má qualidade, criam um caldo de cultura que impede que a população conheça e, consequentemente, aproprie-se de sua história.
A única maneira de reverter isso é agindo. Atualmente, há muitas entidades e movimentos sociais que atuam em prol do resgate da memória da ditadura, da solução definitiva dos mortos e desaparecidos durante esse período e do desmantelamento do aparato repressivo do Estado.
Claro que modificar essa realidade, rompendo com essa estratégia do esquecimento, que foi construída ao longo de décadas, e fazer com que a população se aproprie dessas frentes é algo que leva tempo, mas não é impossível de se conquistar.
3. A Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça/MG é uma dessas iniciativas. Quais são suas propostas?
A Frente foi criada em novembro e reúne entidades que acreditam que verdade e justiça devem sempre caminhar juntas. O que queremos é o esclarecimento de todos os crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar, a responsabilização e punição dos torturadores e assassinados de presos políticos e opositores e a solução definitiva da questão dos mortos e desaparecidos políticos.
A nossa luta não é só pelo passado, é preciso entender que a ditadura não se trata de entulho, mas de algo que ainda está vivo em nossa sociedade. As violações que os militares cometeram naquele período, são as mesmas que o Estado comete hoje contra a população mais fragilizada. Portanto, trata-se de uma luta atual. Queremos erradicar a tortura no país, e queremos o desmantelamento do aparato repressivo, que continua montado, monitorando e massacrando os trabalhadores. Por último, queremos a abertura irrestrita dos arquivos da repressão.
4. O Governo Federal criou, em novembro de 2011, a Comissão Nacional da Verdade, que pretende investigar as violações de direitos humanos durante a ditadura. Como você avalia essa iniciativa?
A atual Comissão da Verdade é uma normalização defeituosa do Estado, porque não ameaça o acordo que o ele tem com os militares e, ao mesmo tempo, dá uma satisfação tanto interna, quanto externa aos movimentos sociais e entidades defensoras dos direitos humanos.
Uma Comissão com duração de dois anos que precisa dar conta das graves violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, não pode se tratar de uma iniciativa séria. Entretanto, o mais complicado é que essa Comissão não está implementando a justiça e nem mesmo está encaminhando as investigações para os órgãos competentes. Sem contar que os membros fazem reuniões sigilosas, o que torna impossível saber quais estratégias, e dinâmicas que eles estão adotando.
Apesar de ter sido criada também por conta da pressão do movimento popular, a Comissão, em nenhum momento, deu abertura para interlocução com os familiares de mortos e desaparecidos, e com movimentos que atuam nessa causa.
A Frente faz uma crítica ferrenha a essa Comissão, certa de que somente por meio de uma luta, independente de governos e instituições, será possível garantir a verdade e a justiça, não apenas nos casos referentes à ditadura, como em todas as demais lutas pelos direitos humanos.
CRESS-MG
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