Posicionamento sobre a Lei
Estadual nº 22.460, de 23 de dezembro de 2016
A
Frente Mineira Sobre Drogas e Direitos Humanos (FMDDH) e as demais entidades
que assinam este documento vêm manifestar seu posicionamento perante a Lei
Estadual nº 22.460, de 23 de dezembro de 2016, de autoria do deputado estadual
Antônio Jorge (PPS), que estabelece diretrizes para o atendimento prestado
pelas comunidades terapêuticas (CTs) no estado de MG.
A lei, ao estabelecer que as
CTs“configuram-se como um serviço destinado a oferecer cuidados contínuos de
saúde”, legitima um dispositivo que contraria frontalmente os princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), da luta antimanicomial e da Reforma
Psiquiátrica. Forçar, pelo viés legislativo, a entrada de CTs no âmbito do SUS,
é optar pelo caminho da convivência e conivência com uma política dúbia e
perversa, pois se por um lado a política da Reforma Psiquiátrica preconiza o
cuidado em liberdade, baseado na lógica da redução de danos e da sociabilidade
do sujeito em seu território, por outro lado, o “tratamento” oferecido pelas
CTs é pautado exclusivamente na internação, na abstinência, no isolamento e na
maior parte das vezes na obrigação de professar determinado preceito religioso.
Ressaltamos que na última década,
relatórios e documentos de entidades da luta antimanicomial e dos direitos
humanos, incontáveis matérias da mídia nacional, informaram e denunciaram as
inúmeras e graves violações de direitos encontradas em CTs e clínicas de
reabilitação.
Paradoxalmente, o documento mais
contundente nesse sentido é o Relatório de Vistorias (2015-2016) em comunidades
terapêuticas do Programa Aliança pela Vida, realizado pela própria Secretaria
de Estado de Saúde de Minas Gerais e publicizado em abril de 2016.O relatório,
com suas denúncias de descumprimentos das normas e legislações e de violações
de direitos humanos, é a prova cabal de que impor comunidades terapêuticas
“goela abaixo” do SUS, seja por programas do executivo (vale lembrar que o
Programa Aliança pela Vida foi criado em 2012, pelo então Secretário de Estado
de Saúde de MG, Sr. Antônio Jorge) ou por iniciativas do legislativo (vale
também lembrar que a lei, no momento em questão, é de autoria do deputado
estadual, Antônio Jorge) culminam no mesmo ponto: a constatação de que há um
empuxo constitucional, intrínseco às comunidades terapêuticas, que as excluem
de qualquer ideia que possa se aproximar da compreensão do que seja um
estabelecimento de saúde ou de respeito à autonomia e direito humano.
Daí, o nosso repúdio a uma legislação e
à compreensão de algumas pessoas, entidades e instituições que sob a
justificativa do controle e da regulação estão, na verdade, legitimando como
serviços de saúde entidades de eficácia contestada, de práticas controversas,
de tratamentos rígidos e de concepções moralistas em relação ao uso de drogas;
estão legitimando, através de financiamento público, as práticas,
exaustivamente denunciadas, de constrangimento, preconceito e desrespeito às
pessoas que usam drogas, enquanto o SUS e os serviços substitutivos da saúde
mental agonizam pela falta de recursos.
Outro ponto merece reflexão:o
governador Fernando Pimentel, sancionou uma lei, às avessas da Resolução nº
010, de 08 de agosto de 2016, do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais,
que dispõe sobre a Política Estadual de Saúde Mental, álcool e outras drogas, e
que resolve: (1) “que a Secretaria de Estado de Saúde se comprometa a reduzir
gradualmente a participação das entidades privadas, não aditivando ou renovando
as contratações/convênios existentes”; (2) “e que os espaços de cuidado e
tratamento em saúde mental, álcool e outras drogas sejam 100% públicos e
estatais; abertos e de base territorial; dentro das diretrizes da política de
redução de danos, da reforma psiquiátrica e antimanicomil e do SUS”. Ou seja, o
governador sanciona uma lei que é justamente o contrário do que propõe o órgão
máximo do controle social da saúde de MG.Tristes tempos!
Finalmente, reafirmamos nossa defesa da
rede pública de saúde mental no cuidado às pessoas em uso abusivo de drogas.
Apenas com o fortalecimento dos CAPS AD, dos Consultórios de Rua, das Unidades
de Acolhimento e demais equipamentos do SUS,que será possível oferecer uma
verdadeira opção de cuidado a essas pessoas. E isso só será conquistado com uma
renovada visão sobre os usos e as consequências danosas da proibição das drogas
na vida dos usuários, bem como de uma visão que entenda esse uso como parte
constituinte da experiência humana, não devendo ser criminalizado ou utilizado
como justificativa para políticas de repressão a populações pobres, negras e
periféricas do Brasil. Essa lei, no nosso entender, legitima locais de
segregação e perpetuação de estereótipos e preconceitos enquanto política
pública, passando uma evidente mensagem para a sociedade sobre qual política de
drogas o Estado de Minas Gerais vem defendendo.
Assinam o documento:
Frente Mineira Sobre Drogas e Direitos
Humanos
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Conselho Estadual de Saúde de Minas
Gerais
Conselho Regional de Psicologia MG –
CRP04-MG
Conselho Regional de Serviço Social MG
– CRESS-MG
Comissão Estadual de Reforma
Psiquiátrica de Minas Gerais
Sind-Saúde MG
Sindicado das(os) Psicólogas(os) de
Minas Gerais – PSIND-MG
Sindicato das(os) Enfermeiras(os) de
Minas Gerais – SEEMG
Confederação Nacional de Trabalhadores
da Saúde e Seguridade Social – CNTSS
Rede Nacional Internúcleos da Luta
Antimanicomial– RENILA
Associação Loucos Por Você – Ipatinga
(MG)
Associação dos Usuários dos Serviços de
Saúde Mental de MG - ASUSSAM
Fórum Gaúcho de Saúde Mental
Fórum Goiano de Saúde Mental
Movimento Pró-Saúde Mental do DF
Associação de Usuários e Familiares de
Usuários dos Serviços de Saúde Mental Alagoas – ASSUMA/AL
Núcleo Antimanicomial do Pará
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial
Núcleo da Luta Antimanicomial
Libertando Subjetividades – PE
Núcleo de Estudos pela Superação dos
Manicômios – NESM/BA
Frente Estadual Antimanicomial de São
Paulo
Fórum de População de Rua
Movimento de Reintegração das Pessoas
Atingidas pela Hanseníase – MORHAN
Associação de Redução de Danos – ARD MG
Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres
Bissexuais e Lésbicas
Federação das Associações de
Deficientes do Estado de MG– FADEMG
Frente Mineira em Defesa do SUS
Fórum Mineiro de Direitos Humanos
Instituto Helena Greco de Direitos
Humanos e Cidadania – BH
Instituto Direitos Humanos – IDH
Clínica de Direitos Humanos da UFMG
Nenhum comentário:
Postar um comentário