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DITADURA NUNCA MAIS!
1º DE ABRIL DE 2020 – 56 ANOS DO GOLPE DE 1964
“Aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as
vítimas da fome, da violência do Estado policial, dos esquadrões da morte e,
sobretudo os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica
registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos".
(Inscrição do
monumento de autoria de Ricardo Ohtake, de 26 de agosto de 1993, na
vala comum do Cemitério de Dom Bosco, em Perus, São Paulo - onde, em 1990,
foram descobertas 1049 ossadas de vítimas da ditadura enterradas
clandestinamente).
A sinistra efeméride dos 56 anos do golpe que
instalou a longa e sangrenta ditadura no Brasil (1964 - 1985) reveste-se de
ainda maior carga de violência neste que é o 16º mês do governo fascista de
Jair Bolsonaro/general Mourão/Paulo Guedes/Sérgio Moro et caterva. Tal governo
da família Bolsonaro é constituído por uma junta militar em conluio com o fundamentalismo
cristão, as milícias e o totalitarismo de mercado (leia-se capital financeiro,
empresariado e agronegócio/latifúndio). Não esqueçamos que continuam no poder a
mesmíssima classe burguesa e as forças opressoras, conservadoras e reacionárias
que deram o golpe, mantiveram a ditadura e articularam a transição sem ruptura
a partir de 1985. Trata-se agora do terrorismo de Estado e do capital levado ao
absurdo – implementação total da política do ódio e da morte. Ou, como diz
Achille Mbembe, trata-se da necrocropolítica potencializada
pelo necroliberalismo, os quais se aprofundam de maneira
absolutamente intolerável no tratamento dado à pandemia da COVID-19 por
Bolsonaro: o capital e os mercados acima de tudo, não importando quanto
sofrimento, quantas mortes, o aumento da degradação da qualidade de vida e da
possibilidade de sobrevivência da população pobre.
Em pouco mais de um ano, Bolsonaro levou ao paroxismo esta política do ódio e
da morte que constitui seu único repertório: o elogio contumaz da tortura, do
extermínio e do desaparecimento forçado; a compulsão em restaurar o AI-5; a
adoção do arquitorturador sanguinário Carlos Alberto Brilhante Ustra como ídolo
e paradigma; a subserviência patética ao imperialismo estadunidense; a ofensiva
furiosa contra a classe trabalhadora, mulheres, LGBTQIs, negras/os, indígenas,
quilombolas e defensores dos Direitos Humanos; a ojeriza doentia à ciência e à
cultura; o patriarcalismo e a misoginia mais infames entranhados em todos as
malhas do regime.
Bolsonaro levou também a cabo feroz processo de militarização do governo
federal. Quase uma dezena de militares estão no primeiro escalão. Centenas
ocupam cargos estratégicos nas diversas instâncias do aparelho de governo. Como
Bolsonaro, são todos entusiastas orgulhosos da ditadura. Pontificam
sistematicamente os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, dizendo-se
prontos para oferecer o “braço forte” – como se manifestou recentemente o
general Pujol, comandante do Exército - para conter quaisquer inimigos internos
que venham a comprometer a lei e a ordem necessárias ao bom andamento do
projeto necroliberal em andamento. Os ministros civis seguem a
mesma linha: Paulo Guedes, o necroliberal mor, ecoa sempre o
elogio ao AI-5 e destila seu preconceito racial e social; Sérgio Moro desfila
em tanque de guerra pelas ruas de Brasília (26/02/2020) por ocasião da
convocação da manifestação fascista pelos bolsonaristas. O encarceramento em
massa e o incremento do punitivismo são suas políticas públicas por excelência.
Tal como na ditadura, a narrativa negacionista foi alçada a método de governo.
A mentira organizada (chamada agora de fake news), a fabricação do
esquecimento, o aviltamento do senso comum e o obscurantismo foram adotados como política de Estado. Foi
institucionalizada a apologia de crimes contra a humanidade. A polícia que mais
mata no mundo bateu o próprio recorde em letalidade: cresceram exponencialmente
os casos de torturas e execuções em todo o país – sobretudo no Rio de Janeiro e
São Paulo. Foram levados às máximas consequências o racismo estrutural; o
genocídio do Povo Negro e dos Povos Indígenas; a destruição das comunidades
tradicionais; a guerra generalizada contra os pobres; o encarceramento em massa
em estabelecimentos equivalentes a masmorras e campos de concentração; a
superexploração das/os trabalhadoras/es e a tentativa de destruição de suas
conquistas; o aumento da criminalização dos movimentos sociais; a pauperização
da população. O Brasil voltou a ser incluído no Mapa da Fome.
A manutenção do legado da ditadura militar é
princípio sagrado do projeto de poder em vigor. É a celebração deste legado o
conteúdo das declarações do vice-presidente general Mourão nesta semana. É
também o conteúdo da ordem
do dia alusiva ao 31 de março de 1964, de 30/03/2020 – mais uma
peça exemplar do negacionismo típico do fascismo - assinada pelo Ministro da
Defesa (general Fernando Azevedo) e pelos comandantes das três armas, por
determinação de Bolsonaro. Este bradou, na saída do Palácio da Alvorada
(31/03/2020), que o dia do golpe é “o dia da liberdade”. Para as Forças
Armadas, “o movimento de 64 é um marco para a democracia brasileira”
(sic) sendo resultado de reação da sociedade “para sustentar a democracia”.
E ainda: a anistia de 1979 é um “marco da pacificação”. No ano
passado também houve uma ordem do dia semelhante.
A celebração do golpe de 1964, o assassinato da história das lutas contra a
ditadura e da memória das centenas de milhares de pessoas que foram
perseguidas, monitoradas, cassadas, presas, exiladas, banidas, torturadas,
mortas e desaparecidas constituem apologia de crimes contra a
humanidade. Não se pode deixar de observar que a mídia corporativa – mesmo
aquela que se reivindica sóbria, investigativa, imparcial e até crítica ao
Bolsonaro – relativiza a gravidade do entusiasmo das Forças Armadas em relação
à ditadura e do recado aí contido. Esta mídia considera os militares agentes
conscientes, sensatos e moderadores do
bolsonarismo.
As
Forças Armadas praticam o negacionismo para manter a confortável situação em
que se encontram. É este o significado da anistia como “marco da
pacificação”, como consta na ordem do dia de
30/03/2020. Trata-se da infame
interpretação institucional prevalente – forjada pela ditadura e fixada pelos
militares - do caráter recíproco da insuficiente Lei de Anistia parcial (Lei
6683/1979): a anistia é total para o Estado e os agentes da repressão. Estes,
que cometeram crimes contra a humanidade – portanto imprescritíveis,
inafiançáveis e inanistiáveis - têm mantido a mais completa inimputabilidade.
Neste país há a estranha mania de premiá-los com cargos públicos, promoções,
comendas, nomes de ruas e de locais públicos. Têm gozado de despropositada
respeitabilidade por parte da mídia corporativa e das instituições. Diferença
abissal em relação aos países vizinhos que também passaram por ditaduras
sangrentas, mas têm efetivado a responsabilização dos agentes da repressão e o
resgate da memória de todas e todos que tombaram na luta. Os movimentos que
lutaram contra a ditadura no Brasil combateram fortemente a anistia parcial e
recíproca defendida pelo regime e defenderam a anistia que não veio: a Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita. Esta contempla as vítimas da ditadura, exige a
punição dos torturadores, a abertura dos arquivos, o fim das leis de exceção
(como a Lei de Segurança Nacional ainda vigente) e o desmantelamento do
aparelho repressivo. É a luta pelo direito à História, à Memória, à Verdade e à
Justiça.
Foram os militares que, durante a ditadura, institucionalizaram a tortura,
pratica sólida até hoje. Foram eles e as forças policiais que construíram o
gigantesco e ubíquo aparelho repressivo para oprimir a população e aniquilar
aqueles considerados inimigos do regime. Este aparelho continua montado. Os
arquivos das Forças Armadas não foram abertos. Não foi possível, portanto,
contar a história da repressão e fechar o número de torturados, mortos e desaparecidos.
A totalidade dos indígenas e a imensa maioria das/os trabalhadoras/es do campo
massacradas/os - que, em conta conservadora, podem chegar a 10 mil - sequer
foram nomeadas/os nas listas existentes. As mortes e os desaparecimentos não
foram resolvidos: os familiares não tiveram sequer o direito ancestral de
enterrar seus entes queridos. Não houve esclarecimento circunstanciado,
responsabilização nem punição dos policiais e militares responsáveis pelas
torturas, mortes e desaparecimentos. Não houve tampouco a
responsabilização das grandes corporações empresariais e financeiras que
respaldaram e ajudaram a financiar os porões da ditadura. Não houve
Memória, Verdade ou Justiça.
Esta luta continua valendo 56 anos após o golpe e 35 anos depois que o último
general saiu do poder. Fica cada vez mais evidente que foram os 21 anos de
ditadura e o não equacionamento do seu contencioso os fatores que criaram as
condições para os tempos sombrios que estamos vivendo: o avanço de um projeto
de poder que reivindica abertamente o legado da ditadura militar. Contra o
horror explícito devemos reafirmar nossas lutas: a defesa dos Direitos Humanos; a luta pelo direito à História, à Memória, à
Verdade e à Justiça; o combate antifascista ao terrorismo de Estado e do
capital. Só assim faremos jus ao legado que nós reivindicamos – a
mais resoluta negação de todas as formas de opressão e exploração. Só assim
prestaremos o devido tributo a todas e todos que tombaram nessa luta antes,
durante e depois da ditadura. Temos ainda,
portanto, longo caminho a percorrer.
-
GOLPE, DITADURA E TORTURA NUNCA MAIS!
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PELO DIREITO À HISTÓRIA, À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!
-
ABAIXO O TERRORISMO DE ESTADO!
- FORA
BOLSONARO E MOURÃO! FASCISTAS NÃO PASSARÃO!
Belo Horizonte, 1º de abril de 2020
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania - BH/MG
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