Na
manhã do dia 6 de maio de 2021, a Polícia Civil do Rio de Janeiro – com apoio
da Polícia Militar - invadiu o Jacarezinho, zona norte da capital, com mais de
250 homens portando armas de grosso calibre, 4 caveirões terrestres e dois
aéreos (helicópteros blindados munidos de plataformas de tiro). A favela
inteira foi literalmente crivada de balas e de bombas de gás pimenta. Um
policial foi morto, o que exacerbou ainda mais a sanha assassina dos seus
colegas. Moradoras/es tiveram suas casas arrombadas e destruídas. Seus
telefones foram confiscados. Houve torturas e execuções dentro de seus próprios
domicílios, nas ruas e nos becos. Usuários do metrô foram baleados. Houve
requintes de crueldade: policiais expuseram o cadáver ensanguentado de um jovem
no meio da rua, em posição vexatória, para, segundo eles, servir de exemplo
para a comunidade. Cadáveres foram espalhados por todo o território. Não houve
marca de troca de tiros: como sempre, o que aconteceu foram as execuções
sumárias que a polícia chama de autos de resistência.
Este massacre durou mais de seis horas.
Aconteceu à luz do dia e a céu aberto. Segundo testemunhas, as mortes foram
mais de 25. As vítimas foram levadas em carros blindados. Nada se sabe delas
até agora. Não foram divulgados seus nomes, nem o número de feridos. Crianças e
adolescentes foram atingidas/os. Não houve perícia, o cenário dos crimes foi
descaracterizado.
Esta
chacina aconteceu menos de 20 dias depois da audiência pública do Supremo
Tribunal Federal (19/04/2021) sobre a letalidade policial no Rio de Janeiro. O objeto da audiência foi a avaliação dos
resultados da proibição de operações policiais nas vilas e favelas durante a
pandemia (ADPF 635, junho 2020) – salvo em casos excepcionais, que devem ser
comunicados ao Ministério Público. Esta legislação é resultado de forte pressão
dos movimentos sociais e moradoras/os destas comunidades.
Nesta
audiência pública constatou-se que tais operações policiais continuaram a
ocorrer e tiveram aumento exponencial neste ano de 2021. No primeiro trimestre
453 pessoas foram mortas pela polícia e houve 30 chacinas na região
metropolitana do Rio. Trata-se de questão histórica e sistêmica: o Brasil é campeão
mundial em letalidade policial e graves violações dos Direitos Humanos. A partir
de 2019 – com o governo de extrema-direita Bolsonaro/Mourão/militares – a
polícia que mais mata preto e pobre todo dia tem batido cotidianamente o
próprio recorde.
Há
ainda a peculiaridade terrível do aumento exponencial da execução de crianças e
adolescentes negras/os: de 2017 a 2019, foram 2215 em todo o país e este número
não para de crescer a partir de 2020. Só no Rio de Janeiro, 12 crianças negras
foram executadas naquele ano: Anna Carolina de Souza Neves, Douglas Enzo, Ítalo
Augusto, João Pedro, Emily Vitória, Rebeca Beatriz, Kauã Vitor da Silva,
Leônidas Augusto, Luiz Antônio de Souza, Maria Alice Neves, Rayane Lopes, João
Vitor Moreira. Aumenta também o número de casos de tortura e desaparecimentos
forçados – sobretudo na Baixada Fluminense.
As
chacinas têm atingido periodicidade cada vez mais curta e regular. Esta do
Jacarezinho é a segunda maior do Rio de Janeiro até hoje. A primeira é a da
Baixada Fluminense, em 2005, 29 executados; a terceira a de Vigário Geral, em
1993, 21 executados; a quarta a do Complexo do Alemão, 2007, pela Força
Nacional de Segurança, 19 mortos; e a de Vila Vintém, 2009, também 19 mortos. Vamos
falar de mais duas recentes: 13 executados nas favelas do Fallet, Fogueteiros e
Prazeres, fevereiro 2020; 12 executados no Complexo do Alemão, maio 2020.
Este
projeto de extermínio se consolida como política de Estado. Trata-se de
genocídio institucional que, juntamente com o genocídio sanitário eugenista e
higienista e o racismo estrutural, constitui elemento essencial da
necropolítica em andamento.
A
chacina do Jacarezinho escancara os horrores do terrorismo de Estado levado às
máximas consequências. Em entrevista coletiva, o comando da Polícia Civil se
mostra seguro com o sucesso da operação – sempre a guerra às drogas – que teria ocorrido “dentro de total legalidade”.
Fica claro que o aparato policial-repressivo incorporou na prática a
prerrogativa da excludência de ilicitude
(leia-se direito de matar) mesmo que
ela ainda não tenha sido positivada. O delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário
de Planejamento e Integração Operacional, responsabiliza o que chama de “ativismo
judicial”, “entidades e grupos ideológicos” por não poder invadir o morro mais
vezes para “defender a sociedade de bem”
(leia-se para deixar preto no chão).
Para
a Polícia Civil, aquele é o território das classes
perigosas indesejáveis, do inimigo
interno a ser eliminado. É assim que ela tentou fundamentar a excepcionalidade protocolar exigida pela
ADPF 635 para este tipo de operação: a periculosidade geral. Nas palavras do
delegado Felipe Cury: “Não tem suspeito aqui - tem criminoso, homicida e
traficante. Nossa dor é a morte do nosso colega”. Em momento algum se fala nas
milícias, são elas que mais capitalizam e avançam a partir desta política
genocida. As milícias, afinal, têm relação orgânica não só com as polícias, mas
com Bolsonaro e o aparelho de governo. Como os militares, também elas estão no
poder. O Rio de Janeiro está todo em suas mãos. Não podemos perder de vista que,
desde a ditadura militar, policiais civis têm organicidade com o Esquadrão da
Morte/Scuderie Le Cocq e protagonismo
nos grupos de extermínio, nos grupos parapoliciais e paramilitares. É esta a origem
direta das milícias.
Pelo
horror desta chacina deve ser responsabilizado também o governador bolsonarista
Cláudio Castro (PSC), depositário da política de segurança pública baseada no
confronto e no abate do impichado Wilson
Witzel (PSC). O Ministério Público, por sua vez, foi comunicado pela Polícia
Civil logo depois do início da operação, a qual teve a sua anuência.
Prestamos
nosso tributo e solidariedade à comunidade do Jacarezinho, aos familiares,
às/os companheiras/os das vítimas da chacina. Todo nosso apoio aos que lutam
contra o terrorismo de Estado e pelo desmantelamento do aparato repressivo. O
desagravo só virá com a erradicação do genocídio institucional supremacista através
da luta independente, combativa e classista/popular. – luta necessariamente Feminista,
Antirracista, Antifascista, Anticapitalista e Decolonial.
CHEGA
DE CHACINA! PELO FIM DA POLÍCIA ASSASSINA!
PELO
FIM DO GENOCÍDIO DO POVO NEGRO!
PELO
DESMANTELAMENTO DO APARATO REPRESSIVO!
TODO
O APOIO E SOLIDARIEDADE ÀS VÍTIMAS DO TERRORISMO DE ESTADO NO JACAREZINHO!
Belo Horizonte, 7
de maio de 2021
Instituto Helena
Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG
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