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quarta-feira, 1 de julho de 2020

TORTURADOR ASSINA MANIFESTO DE APOIADORES DE BOLSONARO

NOME DE SIGNATÁRIO DE MANIFESTO DE MILITARES DA RESERVA CONSTA DA LISTA DE TORTURADORES DO REGIME MILITAR
Por Jorge Antonio Barros
Foto de Lúcio Valle Barroso, à direita, apresentada pela Comissão Nacional da Verdade, em junho de 2014. Fonte: https://www.facebook.com/QuarentenaNews1/photos/pcb.146753680352570/146751930352745

Surge um forte indício de que militares que andam tentando assombrar o estado democrático de direito mantêm conexões com os porões da ditadura de 1964, tão aclamada pelo presidente da República e seus apoiadores. O Grupo Tortura Nunca Mais RJ informou ao QUARENTENA NEWS que está investigando a possibilidade de um dos signatários de manifesto produzido por oficiais das Forças Armadas contra o STF ser um militar da Força Aérea Brasileira que atuou como integrante do aparato de repressão da ditadura militar, em 1970. O nome de Lúcio Valle Barroso, coronel reformado da Aeronáutica, consta do projeto Brasil Nunca Mais, como tendo participado de torturas ao preso político Alex Polari. Esse mesmo nome está na lista de mais de cem signatários de um manifesto contra o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no dia 13 de junho passado.

O documento foi publicado em meio a mais uma crise entre o governo de Jair Bolsonaro e o Supremo, após o ministro Luiz Fux conceder liminar, afirmando que não cabe às Forças Armadas exercer Poder Moderador na República.

O ministro Celso de Mello é o relator do inquérito sobre as supostas interferências políticas do presidente Bolsonaro na Polícia Federal que levaram à demissão de Maurício Valeixo da direção da PF. A reação dos militares contra o ministro começou depois que Mello disse que generais do Planalto deveriam depor como testemunhas no caso e poderiam ser conduzidos "debaixo de vara" se fosse necessário.

Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, o manifesto foi uma iniciativa de dois coronéis da Força Aérea Brasileira e recebeu a assinatura de 52 integrantes da Aeronáutica, 16 da Marinha e dez do Exército – todos da reserva. Também assinam o documento 30 civis e um oficial da PM do Rio. Entre os signatários estão 12 brigadeiros, cinco almirantes e três generais.

O documento afirma que "ninguém entra nas Forças Armadas por apadrinhamento" ou atinge postos na carreira por ter "um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade". "Nenhum militar recorre à subjetividade ao enunciar ao subordinado a missão que lhe cabe executar, se for necessário, com o sacrifício da própria vida".

O signatário do manifesto suspeito de ter integrado o aparato de repressão é identificado como sendo Lúcio Valle Barroso, que é coronel reformado da Aeronáutica. No portal da Transparência, de fato consta esse nome como sendo militar aposentado da Aeronáutica.

Segundo o blog “Documentos Revelados”, o nome de Lúcio Valle Barroso aparece nos 12 volumes do Projeto Brasil Nunca Mais, à página 8 do volume “Os Funcionários”, como elemento ligado diretamente à tortura.

Feita em 1971 pelo então preso político Alex Polari de Alverga, a denúncia apresenta Barroso como capitão da Aeronáutica, atuando no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) do Rio de Janeiro (Base Aérea do Galeão) nos Processos n° 85 da 1° Auditoria da Marinha; n° 89/71-T da 1° Auditoria da Aeronáutica e n° 307/71 da 2° Auditoria da Marinha. Declara Alex que, em 1971, tinha 21 anos e era estudante, e em Auditoria Militar denunciou que: “… foi também interrogado no CISA pelo delegado Sérgio Fleury, que a tortura foi comandada pelo Brigadeiro Delamora (chefe do CISA), coronel Alcântara, capitão Lúcio Barroso… que o declarante também sofreu torturas no CISA, na Base Aérea do Galeão, praticados pelo Brigadeiro Delamora, Coronel Alcântara, Capitão Lúcio Barroso…, que o declarante veio a saber dos nomes acima referidos por serem notórios torturadores …; foi encaminhado ao CISA, onde sofreu também torturas (pau-de-arara, choques elétricos, afogamentos e injeção de pentotal); que neste local as torturas lhe foram aplicadas pelo diretor do CENIMAR, pelo coronel Alcântara e pelo capitão Barroso …; no CISA passou 25 dias sendo torturado …”. Estas declarações encontram-se da pag. 222 a 229 do Volume I – “As Torturas”, do Projeto Brasil Nunca Mais.

Na lista do GTNM/RJ, o nome de Lúcio Valle Barroso aparece como membro dos órgãos da repressão, sendo em 1971, capitão Aviador, atuando no CISA/RJ, e tendo o codinome de Dr. Celso. Em 1972 foi transferido para Brasília. Barroso fez o curso de informações na famigerada “Escola das Américas”, no Panamá, em 1970, diplomando-se em “Inteligência Militar para Oficiales”, no período de 05 de janeiro a 24 de abril.

Interrogado pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014, o coronel Lúcio Barroso negou que tenha integrado o CISA, mas reconheceu que atuava como oficial de informações (A2) no III Comar (Comando Aéreo Regional), que funcionava no Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Apesar de ter sido apresentado como envolvido na morte e desaparecimento de Stuart Angel Jones, em reunião da Comissão Nacional da Verdade, no Arquivo Nacional, em 9 de junho de 2014, o coronel Barroso negou qualquer envolvimento com a morte e tortura de presos políticos e desconhecer qualquer informação que pudesse esclarecer o assassinato e desaparecimento do preso político Angel Jones, que pode ter sido morto na Base Aérea do Galeão por militares ligados ao brigadeiro Burnier e enterrado na Base Aérea de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Stuart foi torturado para revelar informações que levassem ao guerrilheiro Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército que foi caçado até a morte pela força à qual pertenceu, por ter sido considerado um traidor das Forças Armadas.
Stuart Angel Jones, o militante do MR-8 que foi preso e barbaramente torturado na Base Aérea do Galeão para revelar o paradeiro de Carlos Lamarca, o capitão que desertou do Exército para entrar na luta armada. Fonte: https://www.facebook.com/QuarentenaNews1/photos/pcb.146753680352570/146752013686070

Em depoimento à CNV, Barroso confirmou ter participado de parte da operação de cerco a Lamarca, que foi morto pelo então coronel Nilton Cerqueira, então chefe do DOI-CODI de Salvador (BA), que comandou a Operação Pajussara. O coronel Barroso contou também ter feito estágio no CODI (Coordenação de Defesa Interna), do Exército, que funcionava no I Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca. Ele lembrou que foi condecorado por chefiar a operação de resgate de reféns no sequestro do Caravelle PP-PDX, da Cruzeiro do Sul, que havia sido sequestro em 30 de junho de 1970.
Manchete do "Jornal do Brasil", de 2 de julho de 1970, que conta a história da operação de resgate de reféns de um sequestro. O coronel Lúcio Valle Barroso contou à Comissão da Verdade que foi ele quem chefiou a operação, no Aeroporto do Galeão. Na época, seu nome não foi divulgado. Fonte: https://www.facebook.com/QuarentenaNews1/photos/pcb.146753680352570/146752050352733

A jornalista Denise Assis, que atuou como pesquisadora da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, garante que o coronel da Aeronáutica que assinou o manifesto e o coronel acusado de ter sido torturador são a mesma pessoa.

-- Ele era um oficial de informações da Aeronáutica – afirma Denise.

A vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, reforça a cumplicidade do coronel Lúcio Valle Barroso com o aparato de repressão política por ele ter sido escolhido para fazer curso na Escola das Américas.

-- Não era qualquer militar que era escolhido para fazer os cursos de informações. Com certeza, o então capitão Barroso foi indicado porque era de total confiança do esquema repressivo – afirmou Cecília.

Outro signatário do documento de militares da reserva reagiu aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Em dezembro de 2014, o então presidente do Clube Naval, vice-almirante Paulo Frederico Soriano Dobbin, afirmou que combatentes de organizações radicais de esquerda contrários ao regime militar teriam sido responsáveis pelas mortes de mais de uma centena de pessoas, a maioria militares. Dobbin foi um dos presidentes de clubes militares que tentou impedir a publicação da CNV, mas a Justiça negou esse pedido.

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