Esta
data marca a luta permanente contra a tortura e outros tratamentos cruéis,
desumanos e degradantes, instrumentos de poder fundamentais para a garantia da
reprodução do sistema capitalista. O Brasil é um dos países que mais cometem
estas graves violações dos Direitos Humanos. É também um dos campeões mundiais
em desigualdade social e concentração de renda. Volta a ser o país da fome
endêmica. Tem a maior letalidade policial nas chacinas periódicas e nas matanças
cotidianas nos morros, favelas, campos e florestas. Tem a terceira maior
população carcerária do mundo. É o primeiro em transfeminicídio. Por aqui
institucionalizaram-se a tortura e o extermínio.
Vivemos
a sedimentação do fascismo em ritmo de escalada. O hiper-militarizado,
miliciano e ultraliberal governo Bolsonaro (PL)/Mourão (Republicanos) tem ódio
mortal aos Direitos Humanos: é entusiasta da ditadura e tem como paradigmas matadores
e torturadores contumazes. Adotou de vez como políticas de Estado o genocídio
do Povo Negro e dos Povos Indígenas, o etnocídio, o epistemicídio, o ecocídio,
o racismo, a misoginia, a LGBTQIAP+fobia, o patriarcalismo e o patrimonialismo.
Seu projeto de poder é o aniquilamento definitivo das conquistas da classe
trabalhadora e dos movimentos sociais. É também o paroxismo do aviltamento do
senso comum e das relações de convivência. Obscurantismo e negacionismo são
métodos de governo. O cenário recente de
iniquidades constitui síntese desta necropolítica
abjeta.
Há
um mês (25/05), em Umbaúba/Sergipe, Genivaldo de Jesus Santos foi executado por
asfixia pela Polícia Rodoviária Federal, cuja viatura funcionou como câmara de
gás. Genivaldo tinha 38 anos, era negro e usuário do serviço de saúde mental.
Sua execução aconteceu a céu aberto e confirmou que camburões e caveirões são
os atuais tumbeiros a serviço do
racismo estrutural e do genocídio institucional do Povo Negro.
No
dia 05/06, o ativista indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom
Phillips foram chacinados na região do Vale do Javari/Amazonas. Os métodos
foram os mesmos da ditadura militar (1964-1985) contra as /os guerrilheiras/os
do Araguaia (1972-1975): fuzilamento, esquartejamento e incineração dos corpos,
na tentativa de fazê-los desaparecer. Esta chacina escancarou para o mundo o
horror vivido pelos Povos da Floresta. Com respaldo do judiciário e da mídia
corporativa, o governo Bolsonaro/Mourão e a bancada boi/bala/bíblia/jaula têm
cumprido à risca seus desígnios: interdição à demarcação das terras indígenas; esbulho
daquelas já demarcadas; devastação irreversível de um dos principais biomas do
planeta – extermínio institucional dos Povos Indígenas e de seus saberes. Nos
últimos anos, centenas de lideranças indígenas foram mortas, assim como
trabalhadores rurais, vitimados pelo latifúndio, pelas empreiteiras, madeireiras
e mineradoras. Os Povos Isolados são os mais atingidos. Em abril, uma menina Yanomami de 12 anos foi
estuprada e assassinada na Terra Yanomami (sul de Roraima). Sua aldeia foi
queimada e toda a comunidade (25 indígenas) está desaparecida. Não houve investigação:
a Polícia Federal declarou sumariamente que não havia indícios de crime. Por
outro lado, o massacre de Bruno e Dom evidenciaram a pujança da luta dos Povos
Indígenas, sempre banalizada e/ou invisibilizada: não fosse a combatividade da União
dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVARI), os corpos não teriam sido
encontrados e a investigação seria dada por concluída. Ficam as perguntas: quem
são os mandantes? Cadê os Yanomami?
Ainda
neste mês de junho, veio à tona a denúncia da extrema violência institucional
sofrida pela menina catarinense de onze anos, grávida em consequência de estupro.
Ao procurar o serviço de aborto legal a que tem direito, a criança foi novamente
violentada pelo aparato hospitalar e jurídico, ao qual foi submetida. O Brasil
tem uma das mais retrógradas leis de aborto da América Latina. Aqui o aborto
ainda é criminalizado, com apenas três exceções: estupro, risco de vida para a
mãe – situação da criança catarinense - e fetos anencéfalos. Mesmo assim, o
hospital se recusou a fazer o procedimento e o judicializou. O Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, então, protagonizou um dos mais escabrosos episódios de
torturas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes que se tem notícia.
Chegou-se ao extremo de institucionalizar a criança, privando-a de liberdade e
até do convívio com a mãe por 40 dias, para garantir que o aborto não fosse
feito. No ano passado foi divulgado o caso semelhante da criança capixaba. Certamente
não são casos isolados: o Brasil é também um dos campeões mundiais em número de
estupros e gravidez de crianças e adolescentes. O patriarcalismo, a misoginia e
o mais nefasto moralismo fundamentalista constituem política de Estado.
Em
três anos e meio, o bolsonarismo empreendeu o desmonte total das políticas
públicas voltadas para o direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça e
das políticas públicas Antimanicomiais. Todas elas constituem árduas conquistas
de décadas de luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, dos movimentos de Direitos Humanos e das/os
usuárias/os e trabalhadoras/es dos serviços voltados para a Saúde Mental. A
sanha privatista, proibicionista e
punitivista dos governos federal, estaduais e municipais promovem o
sucateamento do SUS e o fortalecimento das famigeradas comunidades terapêuticas.
Estas são verdadeiras masmorras, campos de concentração e centros de torturas institucionalmente
mantidos pelo poder público e geridos pelo fundamentalismo cristão e pelo lobby
dos donos de hospitais e hospícios. Mais uma vez, a maioria das vítimas destas
instituições é composta de negras/os, pobres e periféricas/os.
Em
1997, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou o dia 26 de junho como Dia Internacional em Apoio às Vítimas
de Tortura. Neste dia entrou em vigor a Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes. O Brasil,
só ratificou o seu protocolo facultativo em 2007. Consideramos este um dia de
luto e luta. Nestes 25 anos, longe de ser erradicada, a tortura tem se institucionalizado
e intensificado cada vez mais - no Brasil e no mundo. Sabemos que só o
enfrentamento combativo, classista e independente poderá combater esta situação
de barbárie. O combate à tortura é Antifascista, Anticapitalista, Antirracista
e Anticolonial. Por definição, portanto, tem caráter internacionalista.
A
radicalização desta luta na perspectiva instituinte é necessária para que
possamos prestar o tributo devido a Genivaldo de Jesus Santos, Bruno Pereira,
Dom Phillips, às lideranças indígenas e trabalhadoras/es rurais abatidas pelo
terrorismo de Estado de ontem e de hoje e às/aos companheiras/os que tombaram
na luta contra a ditadura. Lembrando que hoje a Passeata dos Cem Mil (Rio de
Janeiro, 26/06/1968) faz 54 anos - uma das maiores manifestações contra a
ditadura, em protesto contra a execução do estudante secundarista Edson Luís de
Lima Souto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, no restaurante Calabouço
(28/03/1968). Nossas homenagens também às vítimas do genocídio sanitário
provocado pelo negacionismo bolsonarista ao longo desta pandemia de COVID-19.
Nesta sexta-feira, foi ultrapassada a estarrecedora cifra de 670 mil óbitos! É
com profunda tristeza que prestamos solidariedade às/aos familiares, companheiras/os
e amigas/os.
DITADURA
NUNCA MAIS! TORTURA NUNCA MAIS!
ABAIXO
O TERRORISMO DE ESTADO!
FASCISTAS:
NÃO PASSARÃO!
Belo Horizonte, 26
de junho de 2022
Instituto Helena
Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG
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